Translate

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Há cuidado para com os que foram?

Há cuidado para com os que foram?
A morte, com certeza, é a realidade que mais impacta os homens, porque, apesar de se aproximar sorrateiramente e ser rápida ou lenta, indolor ou sofrida, demorar a certas pessoas e ceifar outras na flor da idade, é um compromisso marcado na agenda de todas os mortais. Alguns a temem com profunda agonia tal como o Rabino Jochanan Ben Zakkai (contemporâneo dos apóstolos) “Há dois caminhos diante de mim, um que conduz ao paraíso, outro à geena [inferno], e não sei a qual dos dois estou destinado” (CERFAUX, 2003, p.57), outros a esperam como um escape o que se pode ver nas últimas palavras do diário da artista plástica Frida Kahlo (1907-1954): “espero alegre a minha partida – e espero não retornar nunca mais”
No derradeiro momento, independente das pompas fúnebres, todos se dirigem ao mesmo lugar, todavia a morte não é o fim, pois o autor de hebreus afirma: aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo, depois disso, o juízo (Hb 9.27). Jesus deixa essa realidade bem explícita quando conta a Parábola do Rico e Lázaro (Lc 16.19-31), pois ambos, o Rico e Lázaro, morreram, porém um foi para o seio de Abraão e o outro foi para o inferno. Essa parábola mostra algumas realidades importantes:
1.                  Não há purgatório (Lc 16.22,23): a igreja Católica acredita que existem pessoas que são muito boas e que, em vida, se uniram a cruz de Cristo e, por suas obras, irão para o céu, outras são naturalmente más e rejeitam a Jesus, todavia a maior parte dos mortais possuiu um coração cheio de coisas boas misturadas ao pecado (essa realidade que o católico chama de concupiscência e nós chamamos de depravação total) e essas pessoas necessitam de um momento em que esse pecado deverá ser queimado no purgatório. Segundo Bento XVI (Enciclica Spes Salvi), o purgatório é uma tradição judaica antiga (baseada no apócrifo 2Macabeus 12.38-45) e consiste no encontro com Cristo e o seu fulgor. A fé romana pensa dessa maneira, pois acreditam que Jesus nos entregou uma justificação objetiva (o caminho para ser salvo foi aberto), mas depende de nós a salvação subjetiva, ou seja, as boas obras que revelam essa salvação e essa prática da fé, as quais podem ser realizadas em um lugar chamado purgatório, todavia a Bíblia nos diz: “pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.” (Ef 2.8-10). A doutrina do purgatório não é uma esperança, mas uma desculpa, um paliativo para viver em pecado e continuar em uma vida medíocre diante de Deus e de sua Palavra, todavia sem santidade ninguém verá a Deus (Hb 12.14);
2.                  A alma não fica dormindo (Lc 16.24): Algumas seitas, como Adventistas e Testemunhas de Jeová, acreditam que as pessoas ficam em um estado de inconsciência até o dia do Juízo, todavia o que faremos com a promessa de Jesus ao ladrão em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso (Lc 23.43). Especialmente, o Rico da parábola conversa e tenta argumentar, o que evidencia que não estão dormindo no túmulo. Essa mesma realidade pode ser vista em Apocalipse 6.9,10, pois as almas clamam. Dessa maneira, existe um período intermediário em que a alma está separada do corpo, todavia na glória os homens serão revestidos do próprio corpo. Calvino (Institutas, Lv 3, 6) entende que “é um erro bestial reduzir nosso espírito, feito a imagem de Deus, a um sopro que desvanece e que anima o corpo somente nessa vida caduca”;
3.                  O sepulcro não é o fim (Lc 16.22,23): a morte não põe fim à vida, mas apenas nos da uma perspectiva privilegiada daquilo que acreditávamos ou não acreditávamos. Miguel Rizzo Jr ilustra essa verdade com a história de dois meninos que estavam diante de uma grande laranjeira um viu uma laranja escondida na espessa folhagem, mas o outro não viu nada e continuou sem ver mesmo que aquele menino apontasse e mostrasse o local exato em que a fruta estava. Este menino só conseguiu ver a laranja quando ocupou o lugar do seu colega. Todos nós que vivemos estamos diante dessa grande árvore que é a vida e entre as suas muitas adversidades está escondida a vida eterna que conseguimos ver não pelo nosso maior poder de visão, mas porque, um dia, o Senhor, pela sua misericórdia, nos tirou da morte para a vida (Ef 2.1). Hoje, olhamos a mesma árvore que parecia estéril, mas temos uma nova perspectiva: Cristo. Quando olhamos a vida a partir de Jesus vemos a vida eterna e esse novo foco muda as nossas vidas;
4.                  Céu e inferno existem, eu acreditando ou não (Lc 16.22,23): o Rico não pagou em vida os seus pecados. Asafe, no salmo 73, entende que a diferença entre o justo e o ímpio não está na vida, mas na morte (Sl 73.17). O Salmista entende que a vida do ímpio é um lugar escorregadio (Sl 73.18) onde desenvolve toda a malícia de seu coração pecaminoso. O Rico vivia esta vida buscando os tesouros que ela pode dar, todavia sem perceber que eles são extremamente perecíveis (Mt 6.19,20). Esse homem deveria compreender que suas posses lhe dão a obrigação de praticar a caridade, pois bênção que não abençoa amaldiçoa. Fez dos seus bens o seu ídolo para quem moldou sua vida a fim servi-lo e foi para a eternidade que ele lhe legou: o inferno. Alguns podem pensar: se o Rico desse esmolas iria para o céu? Nossa salvação não veem pelas obras, mas pela graça. Nem toda boa obra é capaz de agradar a Deus, pois apenas aquela que está orientada pela Palavra (2Tm 3.17), pois se não forem assim podem servir de combustível para as nossas vaidades;
5.                  Quem está no inferno não pode ir para o céu e quem está no céu não pode ir para o inferno, por isso, nenhuma oração pelos mortos é eficaz (Lc 16.26): como não existe purgatório nossa vida de santidade não pode começar amanhã, tampouco depois da nossa morte, mas hoje, pois assim a Palavra diz: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração (Hb 4.7). A crença na doutrina do purgatório só pode ser tolerada por uma mente obtusa e revoltada com a graça, pois aquele que “opera em nós tanto o querer quanto o realizar” (Fl 2.13) tem poder suficiente para nos moldar em uma vida de santidade aqui pela ação do Espírito Santo nos convencendo do nosso pecado, da justiça e do juízo de Deus (Jo 16.8). O céu não está aberto a todos, assim como o amor de Deus não está a disposição de todos, mas apenas daqueles que crerem em Jesus (veja Jo 3.16). Contudo quem tem essa fé salvadora? Aquele que a recebeu de Deus como dom (Ef 2.8). Aquele que foi escolhido antes da fundação do mundo (Ef 1.4) – o eleito – acredita, porque assim Deus permitiu e anda em boas obras, porque o Senhor de antemão as preparou (Ef 2.10), porque se não fosse assim não haveria porque o Apóstolo dizer: Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus (Fl 1.6);
6.                  O modo como se vive em vida evidencia para onde eu vou (Lc 16.25): a proposta do purgatório oferece um falso consolo àqueles que se reúnem ao redor de um caixão para velar o ente que se foi. Nessa hora fatídica, inevitavelmente ocorre, mesmo que no mais íntimo, a pergunta: “e agora?”. Pensando na possibilidade dos novíssimos (céu, purgatório e inferno) romanos, as pessoas podem se consolar que agora aquela pessoa que era tão boa, mas que morreu sem Cristo pode em um lugar todo propício e livre das dúvidas e agitações dessa vida. Contudo nessa perspectiva não haveria motivo para Isaías dizer: “buscai o SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto. Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo, os seus pensamentos; converta-se ao SENHOR, que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar” (Is 55.6,7);
7.                  A igreja não deve orar pelos mortos, mas pregar a Palavra aos vivos/mortos (Lc 16.27-31): muito esforço é despendido à tarefas inúteis. Não podemos orar pelos entes que se foram, pois estão diante do Senhor para prestar contas de sua vida. Pediremos para o Senhor ser mais misericordioso? Ele próprio afirma na Palavra: “terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem eu me compadecer” (Êx 33.19). A mais fervorosa oração não muda os desígnios do Senhor (Êx 32.32-35). Devemos nos submeter à vontade boa, perfeita e agradável de Deus. Enquanto meu ente querido tem vida ele pode ouvir o evangelho e se ser convertido, pois Paulo disse: aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação (1Cor 1.21b). Aqueles que acreditam que essa tarefa é vã a Palavra consola: assim será a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei (Is 55.11). A Palavra sempre produz seus efeitos chama os eleitos e promove a santificação dele ou condena os ímpio e os faz mais reprováveis.
Calvino afirma, nas Institutas (Lv 3, 1), que a eleição precede a graça pela qual Deus nos faz idôneos. De fato a doutrina bíblia da predestinação não pode nos fazer relaxados. A fé dos eleitos precisa estar acompanhada de obras (Tg 2.26). Essa doutrina não é uma desculpa para o pecado, porque aquele que recebeu vida de Jesus necessariamente morreu para o pecado. Se uma pessoa deseja viver no pecado é porque ela se equivocou quanto a sua conversão (Rm 6.2), pois João diz: Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus (1Jo 3.9).
A igreja romana questiona o protestante se ele pode entrar no Reino dos Céus com seu coração pecaminoso, todavia nos valemos da mesma confiança do Apóstolo dos Gentios. Paulo percebe a concupiscência/depravação total em seu coração quando reconhece: nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto (Rm 7.15).
A confiança de Paulo não está no purgatório, mas na ação da graça que a fé romana vê como insuficiente (Rm 7.25), pois ao se dirigir a Timóteo (2Tm 4.8) reconhece que a coroa (στέφανος - stéfanos: coroa de louros dada ao vencedor de um esporta, a mesma prometida àqueles que forem fiéis até a morte – Ap 2.10) lhe estava reservada naquele momento, ou seja, enquanto luta contra suas concupiscências e garante àqueles que amam a vinda de Jesus nutrir a mesma esperança.
A vida cristã deve seguir o itinerário apresentado por Pedro: procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum (2Pe 1.10). Dessa maneira, a certeza de nossa eleição (Ef 1.4) e do chamado (Rm 8.30) e que não podemos perder a salvação (Sl 15.5; 37.24; Jd 24) deve nos animar a uma vida de santidade. Uwe Holmer afirma: “a vocação e eleição não nos transformam em ‘títeres’ na mão de Deus. Ele permite que continuemos sendo ‘pessoas’ com responsabilidade própria. Por essa razão, temos de ‘responder’ à eleição e vocação dele, aceitando pessoalmente a ambas na hora de nossa conversão, e consolidando-as sempre mais”.
Só podemos viver adequadamente quando reconhecemos nosso chamado e eleição. Paulo adverte que nossa moderação deve ser conhecida por todos, porque perto está o Senhor (Fl 4.5). A incerteza quanto a nossa eleição por uma humildade falsa e sem propósito não gera uma vida de santidade, mas a displicência e o terror diante da morte.
A consciência do nosso pecado e a certeza de que o Senhor nos julgará conforme sua justiça só pode ser percebida pela ação do Espírito Santo (Jo 16.8), ou seja, por aqueles que foram chamados da morte para a vida. Dessa maneira, o crente não vê a morte com intenso terror, porque sabe que o viver é Cristo, e o morrer é lucro (Fl 1.21), tampouco a encara com ingenuidade como Frida Kahlo, mas a espera na certeza de que Jesus é a ressurreição e a vida e aqueles que estiverem nele, ainda que morram, viverão para sempre (Jo 11.25). Calvino, comentando Hebreus 2.15, afirma: “o juízo divino se revela sempre na consciência do pecado. É precisamente desse temor que Cristo nos liberta, ao suportar nossa maldição, e assim eliminou da morte aquele seu aspecto tenebroso”.
Aqueles que partiram não precisam de nossas orações, tampouco é permitido falar com eles, pois isso é abominável para Deus (Lv 19.31; 20.6,27; Is 8.19). Essa prática é ineficaz, porque aqueles que morreram continuam tão limitados quanto em vida, eles não possuem o atributo incomunicável da onipresença, por isso, mesmo que essa prática fosse permitida nenhum pessoa falecida poderia estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Essa prática não é necessária, pois, em Cristo, temos o caminho seguro que nos leva a Deus (Jo 14.6).
Os católicos romanos incentivam a comunicação com os mortos que foram canonizados (declarados santos), pois acreditam que possam auxiliar na intercessão a Jesus. Saul tentou algo semelhante ao procurar a necromante de Em-Dor com o intuito de consular Samuel, um homem de comprovada santidade, porém foi reprovado diante do Senhor (1Sm 28.7-20; 1Cr 10.13).
Os princípios de liturgia da Igreja Presbiteriana do Brasil, no artigo 22, afirmam que “O corpo humano, mesmo após a morte, deve ser tratado com respeito e decência”. A morte existe em decorrência do pecado (Gn 3.19). A morte física tem o poder de separar o corpo do espírito tal como a Palavra afirma: o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu (Ec 12.7). Dessa maneira, o crente deve ir ao cemitério porque no túmulo jaz os restos mortais de nossos entes queridos carregados de lembranças e exemplos. As biografias de cristãos piedosos incentivam os que ficam na busca por imitar a Cristo tal como essas pessoas imitaram (1Cor 11.1).
A sepultura de nossos familiares deve ser conservada com decência, pois mostram como tratamos a memória de nossos entes queridos, colabora para a higiene pública e demonstra nosso cuidado em zelar para que aquilo que está sob nossa responsabilidade não viva no desmazelo. Contudo precisamos ter cuidado quando vamos cuidar do túmulo de nossos entes queridos, pois os católicos, motivados por sua teologia distante da orientação da Palavra, se reúnem em um dia específico (02 de novembro) de orações pelos mortos. Compartilhar desse dia é se tornar cúmplice das obras infrutíferas das trevas (Ef 5.11) e motivar os mais frágeis na fé a empreender a mesma atividade idólatra.
Era comum usar nas lápides a seguinte frase latina: “hodie mihi, cras tibi”, cuja tradução aproximada seria: hoje eu, amanhã você. Ela servia para lembrar aqueles que andam entre os túmulos a chorar pelos que foram que um dia a hora deles também chegaria e ajudariam a povoar aqueles túmulos também. A realidade da morte deve levar aquele que vive longe de Cristo a voltar e aquele que está em Jesus a confiar tal como Jó: “sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra. Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus” (Jo 19.25,26).


Nenhum comentário:

Postar um comentário