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sábado, 23 de janeiro de 2016

Vivendo com Deus nos dias maus: reflexão do Salmo 12


Vivendo com Deus nos dias maus: reflexão do Salmo 12

Quando o filósofo Marco Túlio Cícero (107-43 a.C.), viu o agir ardiloso e tirânico do senador populista Lúcio Sérgio Catilina (108-62 a.C.) e, igualmente, percebeu a inércia e o marasmo das autoridades exclamou: “o tempora, o mores!” (ó tempos, ó costumes!). Quantas vezes, ao tomarmos conhecimento do cenário político do nosso país, não ficamos perplexos com igual sensação de impotência? Será que os ímpios se avolumam de forma sempre maior do que os justos? O joio crescerá de maneira a comprometer o trigo e, por isso, tudo está fora do controle e fadado ao fracasso completo?

Davi inicia o salmo pedindo socorro, pedindo para que o Senhor o salve, porque os piedosos desapareceram. Esse era um problema do filósofo cínico (escola filosófica que acreditava que se devia abdicar de tudo aquilo que não conduzisse à virtude) Diógenes de Sinope (413-323 a.C.), que além de morar em um barril (antes do Chaves), também saia durante o dia com uma lamparina acesa em busca de homens virtuosos. Jeremias tem essa mesma missão (Jr 5.1) e não consegue encontrar nem entre os iletrados, tampouco entre os doutos. Em Sodoma não existiam sequer dez homens justos.

No período de Davi, as baixas nas fileiras dos virtuosos poderia se dar pela ânsia idólatra de Saul pelo poder, que, por exemplo, mata os sacerdotes de Nobe (1Sm 22.17). No período pós-exílico, quando os salmos foram editados, os adversários das tribos de Judá e Benjamin, usando de malícia, fizeram parar a obra da construção do templo (Ed 4).

Obviamente, os piedosos nunca tiveram uma vida fácil e regalada nesse mundo caído, o próprio Paulo, em 2Timóteo 3.12, adverte: todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguido”. Davi está assustado diante da diminuição dos justos e do terrível e implacável progresso daqueles que usam da bajulação para promover a discórdia. Calvino afirma que o termo utilizado para bajuladores no hebraico (chalakoth) demonstra pessoas que apresentam sentimentos parciais enquanto escondem suas reais intenções sob o verniz da hipocrisia. Jesus e João Batista acusam diversas vezes os Escribas e fariseus dessa prática pecaminosa (Mt 3.7; 22.15-22).

Davi entende que a solução diante dessa triste realidade é o total aniquilamento dessas pessoas (Sl 12.3,4). Você já ouviu aquela famosa expressão de velório: “com tanta gente ruim no mundo, por que Deus foi levar justo esse que era bom”. A natural presunção dos injustos parece uma razão plausível para que sejam eliminados e a existência deles dá a errônea impressão de que o Senhor ou está impotente diante desse cenário ou se diverte com as aflições impostas aqueles que são duramente perseguidos.

Contudo vemos o agir do Senhor no tempo soberanamente aprazadado. O Senhor não se baseia nas expectativas humanas, muito menos nos padrões que os homens idealizam, mas no seu plano redentor. Assim, como no passado, o Senhor ouvira a aflição do seu povo que padecia o fim dos quatrocentos anos da escravidão no Egito (Êx 3.7), da mesma forma o seu ouvido é sensível ao clamor e ao gemido daqueles que ele comprou com o sangue do Cordeiro. Segundo Calvino, nossos inimigos podem nos tirar tudo menos nosso clamor e lágrimas, que não podem ser tidas com somenos, porque elas podem suscitar o agir de Deus que não despreza um coração contrito e compungido (Sl 51.17).

Por causa dos pobres e do gemido dos necessitados o Criador se levanta e salva mostrando, como outrora, que mesmo que os ímpios se avolumem subjugando os crentes Ele chamará alguém como Noé, justo, íntegro e que ande em sua intimidade (Gn 6.9) para criar um lugar seguro para guardar e preservar os crentes. João, no livro do Apocalipse, vê o Senhor assentado no trono, no comando de todas a coisas que acontecem (Ap 5.1). Noemi julgava que tudo estava acabado e havia se amargurado em uma depressão profunda, porque com os filhos e com o marido sepultara, também, suas esperanças de uma velhice tranquila (Rt 1.20), mas percebe, na escola da provação, que o Senhor não deixa de ser “leal e bondoso com os vivos e com os mortos” (Rt 2.20).

Nicolau Maquiavel (1469-1527) afirma que aqueles que requisitam conselhos, quando os acatam sem nenhum julgamento, podem, frequentemente, mudar de opinião e colocar em risco sua credibilidade, por isso, apenas o sábio poderá escolher o melhor conselho. Entre as muitas bajulações desse mundo vil apenas o sábio, ou seja, aquele que teme o Senhor, acatará a voz pura de Deus.

Dessa maneira, Davi, reorientado pela fértil Palavra do Altíssimo, compreende que em todos os lugares existem ímpios que recebem ou louvores humanos, contudo o crente não fica mais admirado com essa realidade, porque sabe que é preservado pelo Senhor. Igualmente, nós podemos nos fiar na mesma esperança, porque o Senhor não está alheio a nossas dificuldades, mas pronto para, no seu tempo agir, mesmo que as circunstâncias sejam adversas.