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domingo, 13 de setembro de 2015

O CONHECIMENTO PELA INJUSTIÇA



O conhecimento de Deus pela injustiça
Em certo aconselhamento, alguém me disse que determinada amiga pulava todos os versículos que falavam da ira de Deus, porque, na concepção dela, um Deus que é amor (1Jo 4.8) não combina com um Deus capaz de se irar. Contudo Paulo afirma: A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça (Rm 1.18). Como conciliar um Deus amoroso, mas capaz de se iriar?
Geralmente, as pessoas atribuem sentimentos humanos a Deus, mas essa é uma incoerência grave, porque Deus não possui paixões como nós a possuímos. Paulo, à multidão de Listra que queria adorar a ele e Barnabé como deuses, afirma que era homem sujeito aos mesmos sentimentos que os homens (At 14.15), porque Deus não pode ser surpreendido pela decepção ou a alegria frente a alguma coisa, por, sendo onisciente (conhece todas as coisas), não há nada que está velado para ele.
Deus não se arrepende ou fica irado como um ser humano, mas a Bíblia utiliza esses termos como (antropopatia) uma maneira de fazer a Palavra compreensível. Todo sentimento que atribuímos a Deus servem para a sua glória.
A ira do Senhor tem um alvo específico: a impiedade e perversão/injustiça dos homens. O primeiro adjetivo revela uma realidade interna do coração, enquanto a segunda indica uma consequência da impiedade. Essa realidade de ira existe, porque tais homens detêm a verdade pela injustiça.
Esses homens ímpios e injustos detêm a verdade, porque Deus revelou (Rm 1.19), pela revelação geral (Rm 1.20) com a finalidade de glorificarem e darem graça ao Senhor. No Areópago, Paulo afirma que os atenienses eram “acentuadamente religiosos” (At 17.22), mesmo que tenha ficado outrora revoltado frente ä idolatria dominante (At 17.16). Paulo mostra que essa preocupação teológica dos gregos era uma busca rudimentar por Deus (At 17.27). Citando Cícero, Calvino afirma: como os próprios pagãos confessam, não existe nação tão bárbara, nenhum povo tão selvagem que não tenha impressa no coração a existência de algum Deus”.
Os pagãos buscam a Deus pela revelação geral, ou seja, conseguem observar de forma clara os atributos invisíveis de Deus, o seu eterno poder e a sua própria divindade (Rm 1.20), todavia esse conhecimento é insuficiente para a salvação, mas apenas faz esses homens indesculpáveis, porque “a manifestação de Deus, pela qual ele faz sua glória notória entre suas criaturas, é suficientemente clara até onde sua própria luz se manifesta, entretanto, em razão de nossa cegueira, ela se torna inadequada” (João Calvino).
Esses homens ímpios e injustos detêm essa busca por Deus na injustiça que vivem, porque glorificam a Deus segundo seus pensamentos loucos e idólatras minimizando a infinitude do Senhor a imagens de homens ou animais. Sabendo que temos acesso ao Pai por Jesus em um Espírito (Ef 2.18), truncar essa comunicação por qualquer outro caminho seria tão absurdo quando conversar frente a frente com alguém utilizando um aparelho celular.
Essa teologia deturpada leva a uma religião idólatra e, consequentemente, uma moral limitada. Quando alguns grupos evangélicos veem a depravação dos valores acreditam que isso é próprio de nossos dias, mas a estrada da depravação em todas as épocas teve como um grande portão largo em uma visão distorcida sobre Deus. Assim como na visão de Daniel (2.41), o Império Romano é o ferro misturado com o barro da licenciosidade e da baixa moral.
R.C. Sproul defende que “todo cristão é um teólogo. Talvez não um teólogo no sentido técnico e profissional da Palavra, mas um teólogo”. Portanto, a preocupação com a teologia é de vital importância, porque de sua deturpação processam as mazelas da idolatria. Contudo a sã doutrina jamais será palatável a todos, especialmente àqueles que buscam seus próprios mestres (2Tm 4.3) que compactuam com suas idolatria tal como foi o neto de Moisés – Jônatas – para Mica.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Reduzir ou não reduzir: a educação e a a depravação total (parte 3 de 3)



Reduzir ou não reduzir: a educação e a a depravação total (parte 3 de 3)
Quantas vezes se ouviu: “a educação transforma”, “se construíssemos mais escolas, não precisaríamos edificar tantos presídios”. Essa ideia vem ao encontro do seguinte pensamento de Cesare Beccaria: “quereis prevenir os crimes? Marche a liberdade acompanhada das luzes. Se as ciências produzem alguns males, é quando estão pouco difundidas; mas, à medida que se estendem, as vantagens que trazem se tornam maiores”. Sob esse prisma, a educação (as luzes, as ciências) ganha o status de redentora, como se a criminalidade fosse fruto apenas da ignorância ou da falta de oportunidade no mercado de trabalho.
A ideia de que o sistema carcerário é capaz de ressocializar o indivíduo é um doce sonho iluminista de que o indivíduo é essencialmente bom e que a sociedade o corrompe e, por isso, tirando-o da sociedade e abrigando-o em um lugar ideal ele pode se desvencilhar de seus antigos comportamentos.
O maior expoente desse pensamento é Jean Jaques Rousseau (1712-1778) que, no Discurso sobre a desigualdade, defende a existência de dois tipos de desigualdade entre os homens: a física (imposta pela natureza) e a moral (imposta pelas convenções humanas). O homem selvagem vive pelas suas paixões e não teme a morte e seus terrores de tal maneira que o mais virtuoso dos homens selvagens é o que menos resistia a sua natureza.
Rousseau afirma: “Os homens nesse estado [selvagem], não tendo entre si nenhuma espécie de relação moral nem de deveres conhecidos, não podiam ser bons nem maus, nem tinham vícios nem virtudes, a menos que, tomando essas palavras em um sentido físico, se chamem vícios, no indivíduo, as qualidades que podem prejudicar a sua própria conservação, e virtudes as que podem contribuir para essa conservação. Nesse caso, seria preciso chamar de mais virtuoso aquele que menos resistisse aos simples impulsos da natureza[1]”.
Dessa maneira, para Rousseau, o amor leva o homem físico ao sexo enquanto o homem moral a um contrato de casamento que estabelece meios para contê-lo, pois quanto mais intensa uma paixão mais se fazem necessárias as leis que a limitam[2], pois a própria lei civil veio subjugar a lei natural e fazendo gente honesta contar entre suas obrigações cortar o pescoço do seu semelhante[3].
Dessa forma, para esse iluminista francês, o homem nasce em desigualdades físicas, todavia a sua inserção na sociedade “modificam e alteram todas” as suas inclinações naturais. No âmbito da educação é o adulto que perverte a criança, por isso, no pensamento romântico de Rousseau, se o indivíduo puder se isolar dos vícios e mazelas da sociedade, desenvolver-se-á com mais dignidade.
Os teóricos Iluministas defendiam que a educação deveria ser democrática, laica e gratuita e Condorcet (1743-1794) propunha que se essa educação fosse difundida de forma universal diminuiria as desigualdades, mas como é comum até hoje entraves políticos levaram aqueles em melhores condições econômicas pagar por uma escola melhor.
Se a aquisição de conhecimento fizesse o homem melhor, as festas da Universidade de São Paulo não teriam tantos excessos, tampouco jovens universitários cometeriam crimes em trotes organizados para humilhar calouros. Se a distribuição de renda fosse suficiente para eliminara criminalidade, por que pessoas da classe média entram para a marginalidade com tanta frequência? Se a educação não partir da perspectiva da depravação total ela fatalmente funcionará como um frustrante paliativo para uma sociedade doente.
Alguns podem afirmar que não se pode submeter uma ciência (pedagogia) a um pressuposto religioso, todavia concordamos com o filosofo jansenista cristão Blaise Pascal (1623-1662) quando afirma: “a última tentativa da razão é reconhecer que há uma infinidade de coisas que a ultrapassam. Revelar-se-á fraca se não chegar a conhecer isso. É preciso saber duvidar onde é preciso, afirmar onde é preciso, e submeter-se onde é preciso. Quem não faz assim não entende a força da razão.
Enquanto os teóricos iluministas pregavam uma educação democrática, laica e gratuita que visava eliminar as desigualdades, Weber (1864-1920) afirma que “um simples olhar às estatísticas ocupacionais de qualquer país de composição religiosa mista mostrará, com notável frequência, [...] o fato de que os homens de negócios e donos do capital, assim os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmentedas modernas empresas, são predominantemente protestantes”[4].
Essa realidade se dá porque, para os Reformadores, como Lutero, “nenhum pecado exterior pesa tanto sobre o mundo perante Deus e nenhum merece maior castigo do que justamente o pecado que cometemos contra as crianças, quando não as educamos [...]. Para ensinar e educar bem crianças precisa-se de gente especializada”[5].
João Amós Comênius (1592-1670) pretendia que a educação fosse democrática capaz de oferecer sólido conhecimento aliado à piedade, pois afirma: “prometemos uma organização das escolas, através do qual [...] todos se formem como uma instrução não aparente, mas verdadeira, não superficial, mas sólida; ou seja, que o homem, enquanto animal racional, habitue-se a deixar-se guiar, não pela razão dos outros, mas pela sua, e não apenas a ler livros e a entender, ou ainda reter e recitar de cor opiniões dos outros, mas penetrar por si mesmo até o âmago das próprias coisas e a tirar delas conhecimentos genuínos de utilidade”[6]. O marxista Althusser, de forma míope, vê nessa pedagogia uma perspectiva inferior, que visa apenas perpetuar valores religiosos e incapaz de transformar o indivíduo, todavia muitas escolas que começaram ao lado de igrejas como Havard transformaram pessoas e influenciaram o mundo.
Lessa afirma que o Colégio Mackenzie (embrião da instituição que é hoje), diferentes das outras escolas de São Paulo do século XIX, não possuía distinção de cor ou raça, tampouco da religião de seus alunos, mas promovia a educação mista (meninos com meninas), com métodos modernos de educação, sempre adotando a Bíblia como livro básico[7], de tal maneira que o diretor da Escola Americana (Primeiro nome do Colégio Mackenzie) questionando sobre a presença da Bíblia aberta na sala de aula é interpelado pelo diretor que responde: “a bíblia tem estado aberta nessa escola desde o primeiro dia de sua abertura e, quando fechar-se fechar-se-ão as portas da Escola Americana”[8].
A educação pode redimir o homem se observa-lo da maneira correta, ou seja, partindo do pressuposto de que o homem está contaminado até a sua raiz pelo pecado e sua transformação efetiva se dá quando toma consciência de que é um pecador e que será, um dia, julgado por Deus segundo a justiça dEle (Jo 16.8). Portanto, se a educação não oferecer os verdadeiros elementos críticos que levam o indivío a buscar a Deus e desprezar as coisas desse mundo ela será sempre insuficiente.


[1] ROUSSEAU, J.J. A Origem da Desigualdade entre os homens. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000053.pdf. Acessado no dia 24 de dezembro de 2014, p.24.
[2] Ibidem, p. 26,27.
[3] Ibidem, p.38.
[4] WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito Capitalista, p.39.
[5] LUTERO in COSTA, H.M.P. Raízes da Teologia Contemporânea, p.86.
[6] Ibidem, p.115.
[7] LESSA, V.T. Anais da Primeira Igreja Presbiteriana de São Paulo, p.387.
[8] Ibidem, p. 137.