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sábado, 26 de março de 2016

O JUIZ CHAMADO DEUS


O Juiz chamado Deus

Vivemos uma das maiores crises políticas de nossa história. Nesses dias os rótulos são os maiores vilões, porque, quando pessoas usam mais adjetivos (palavra que dá qualidade) que substantivos (conceitos) e verbos de ação, o pensamento fica truncado e as decisões, em prol do bem-comum, impossíveis. Esse é o momento propício para aparecerem heróis e salvadores da pátria.

Muitas vezes o herói não é uma autocriação, mas a idealização das pessoas. Nesse mundo bipolar os salvadores do populacho são, necessariamente, os inimigos do outro e vice-versa.

Um exemplo recente dessa realidade é o figura do juiz federal Sérgio Fernando Moro, pois seus defensores, que carregam sua foto em passeatas ou postam seus feitos nas redes sociais não o conhecem. O simples fato de ele fazer, com certa competência, o que faz justifica todo o apreço. Da mesma forma seus opositores lutam não contra a pessoa física, mas com toda a imagem que se criou ao seu redor.

Portanto, muito do que se critica de Moro está embasada nas circunstâncias que vivemos e nos desejos que a população impõe a ele.

A figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também exerce a mesma função é mais que um CPF é um ícone que ao ser atingido promove grande comoção de defensores e críticos.

Nas discussões sobre o quadro político de nosso país, o ativista de esquerda Guilherme Boulos, afirmou no teatro do TUCA em São Paulo, sua indignação de como um juiz de primeira instância, que não havia sido eleito por ninguém podia tomar as decisões que efetivou.

Se extrairmos a figura de Moro daquela áurea mítica que a multidão inconformada e as circunstâncias criaram, veremos um homem competente, corajoso, mas capaz de cometer possíveis erros (como liberar gravações à imprensa, não se combate as arbitrariedades sendo arbitrário), contudo é indubitável a rigidez com a qual tem conduzido os desdobramentos da “lava jato” e o que agride seus opositores é sua

persistência, atingindo até mesmo ícones do cenário político e social.

Se a ações de Moro têm amedrontado e atingido inúmeros defensores da esquerda, se escutas de telefone aquecem as discussões e enchem páginas de jornal, se delações fornecem mais combustível a esse incêndio. Como será no dia em que todos, inclusive esses que aparecem em listas de empreiteiras, estiverem diante do supremo Juiz que age segundo o conselho da sua vontade (Ef 1.11)? “Deus é um juiz justo, que sente indignação todos os dias” (Sl 7.11). Ele prova coração e mentes (Jr 11.20), por isso, não precisa de delações ou conversas gravadas, porque nada passa despercebido diante de seus olhos.

No Êxodo (12.29-36), temos um pouco da maneira de agir desse juiz e como ele aplica a sua justiça:

Deus exerce juízo em momento inesperado (veja Sl 134.1; Dn 5.30; Mt 24.42)

A teologia liberal, que visa desmitologizar a Palavra, explica a morte dos primogênitos em decorrência a um fungo nos grãos que contaminou efetivamente os indivíduos dessa classe de pessoas, porque recebiam uma ração diária maior. Outros afirmam que a erupção do vulcão Thera expeliu gases tóxicos que atingiu especialmente os primogênitos, que dormiam no térreo das casas. Essas teorias não explicam o porquê de outros grupos não morrerem ou como Faraó decide perseguir escravos com um vulcão desperto. O fato é que à meia-noite, enquanto todos descansavam, o Senhor envia seu anjo para exercer castigo sobre os egípcios. Quando Jesus é questionado sobre o dia da vinda de Jesus e a consumação do século (Mt 24.3), respondeu aos seus discípulos: “ficai também vós apercebidos; porque numa hora em que não penseis, virá o Filho do homem” (Mt 24.44).

Deus exerce juízo sem fazer distinções sociais

A décima praga se dá pelo coração duro de Faraó (não que Deus fosse agente desse endurecimento, porque aceitar essa ideia seria concordar com o fato do Senhor ser agente do pecado, mas a realidade é que o Senhor não restringiu o mal e a cegueira espiritual de Faraó como fez com Sérgio Paulo em At 13.12). Ela ceifa a nata da sociedade egípcia (o termo hebraico bekôr - בּכור, que a ARA traduz como primogênito significa princípio do vigor. Veja Sl 78.50,51). Esse juízo acontece a todos sem distinção de classe social (Êx 12.29). Em Apocalípse 6.15-17 percebe-se a mesma falta de distinção de classes sociais no Juízo Final, porque os reis, os grandes, chefes militares, escravos e livres se esconderão nas cavernas por causa da ira do Cordeiro. A única distinção válida é quem está debaixo do sangue do Cordeiro pascal ou quem não está. Hoje o cálice da ira de Deus esta misturado a sua misericórdia, mas um dia ele cairá sem mistura alguma (Ap 14.10 e Sl 75.8).

Deus, ao exercer, juízo tem misericórdia do seu povo

A palavra pâlâh (פּלה), fazer distinção, aparece em Êx 8.22 (praga das moscas), 9.4 (peste entre os animais) e 7.11 (dos primogênitos). Essa diferenciação não indica que o povo de Israel era mais santo que os egípcios, mas que possuíam um Deus misericordioso. No dia do Juízo, só existirá duas maneiras de Deus proceder: com justiça ou com misericórdia, esta só será aplicada aqueles que estão em Cristo e foram lavados com seu sangue.

Com esse juiz não há apelações a instâncias superiores, seu veredicto será inquestionável. No dia do derradeiro julgamento nossas obras serão nossos delatores, todas as nossas atitudes e pensamentos estarão diante do divino magistrado, contudo a causa de nossa salvação não estará nesses artifícios, mas no agir gracioso da misericórdia divina.



quinta-feira, 24 de março de 2016

O Cordeiro


O Cordeiro
“Deus proverá para si, meu filho, o cordeiro para o holocausto” (Gn 22.8)

Segundo Beale, a alegoria traz o Antigo Testamento para o Novo sem observar o seu contexto, que pode “fornecer esplêndidas interpretações, mas rouba o seu sentido real” (Anglada). Esse método teve Orígenes (185-253) como seu grande expoente e perdurou por toda a Idade Média.
A tipologia, por outro lado, é “o estudo das correspondências analógicas entre verdades reveladas acerca de pessoas, fatos, instituições e outros elementos no âmbito do plano histórico da revelação especial de Deus; correspondências essas que, do ponto de vista retrospectivo, são de natureza profética e têm sentido intensificado” (Beale).
Apesar de Orígenes ser ligado ao método alegórico, na obra Das Homilias sobre o Gênesis, faz uma análise tipológica entre Isaque e Jesus:
·         A lenha do sacrifício foi imposta a Isaque por Abraão, assim como a cruz é colocada sobre Jesus por seu Pai;

·         O sacerdote levava a lenha para oficiar o sacrifício. Isaquel, levando a lenha mostrava-se, ao mesmo tempo, sacerdote e vítima. Jesus é o sacerdote e a vítima na cruz do calvário.
Sobre a resposta de Abraão a Isaque, Orígenes afirma: “não sei o que via em espírito, pois responde olhando para o futuro e não para o presente: Deus mesmo olhando para o futuro e não para o presente: Deus mesmo providenciará uma ovelha. Assim fala do futuro ao filho que indagava pelo presente. O Senhor providenciava para si um cordeiro em Cristo”.
Segundo o autor de Hebreus, Abraão ofereceu pela fé Isaque “porque considerou que Deus era poderoso até para ressuscitá-lo dentre os mortos , de onde também figuradamente, o recobrou” (Hb 11.19). O termo parabolé (παραβολή) que foi traduzido pela ARA por “figuradamente” significa uma símile, comparação, tipo, padrão, contudo é um “símbolo misterioso”. Segundo Laubach, “o sacrifício de Isaque em Moriá torna-se um “símbolo misterioso” (em grego, parabolé) da morte e da ressurreição de Jesus, daquele acontecimento sagrado no qual o Pai celestial entregou o seu único Filho amado como sacrifício pelos pecados de um mundo perdido”.
Dessa maneira há uma correspondência analógica entre Isaque e Jesus que sobem em observância à vontade do Pai para o sacrifício. Todavia, com o aparecimento do carneiro (o cordeiro e o carneiro são o mesmo animal, contudo o cordeiro é o carneiro mais jovem, 14 meses) (Gn 22.13), Isaque deixa de ser tipo de Cristo, que agora é assumido pelo carneiro, e passa a representar toda a humanidade.
A correspondência entre Jesus e esse Jesus e esse carneiro é que ambos substituem a morte de outra pessoa. Jesus é esse cordeiro definitivo que derrama o precioso sangue na cruz do calvário para que, por meio dele, fôssemos lavados de tal maneira a atrair a misericórdia do Justo e Soberano Juíz. Hoje nos consola essa suprema verdade: todos deveríamos morrer, mas Deus proveu o cordeiro.

quarta-feira, 23 de março de 2016

OS DESAFIOS PARA OS NOSSOS DIAS


Os desafios para os nossos dias
Estamos vivendo um período muito conturbado na história recente de nosso país. Nesses momentos, somos tentados a acreditar que o mundo está se movimentando em uma ordem caótica de acontecimentos onde nada mais tem sentido. A mídia, que não tem como fundamento animar ou consolar e, nem sempre se baseia pelos princípios da verdade e da coerência, colocam mais lenha nessa fogueira.
Esse sentimento de desorientação cresce quando os heróis que forjamos ruíram de maneira vergonhosa. Aqueles que antes ofereciam rumos e metas para a nossa nação reproduzem, no poder, os mesmos erros que, outrora, criticavam. A nossa dor é a mesma de Belchior, na música Como nossos pais, nossa dor é perceber “que apesar de termos feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.
Nessa dor as ruas de todo o país se encheram com pessoas de todas as idades e classes sociais pedindo mais do que uma nova política e o fim da corrupção, mas um novo caminho. Todos querem um novo Brasil mais justo e honesto, mas desejam que essa mudança se dê por um Salvador de forma miraculosa, contudo sabemos que a sorte e os reveses nunca foram confiáveis. Grandes construções exigem tempo e dedicação.
Quero nessa reflexão pensar em alguns desafios que precisaremos enfrentar:
·         Todo ídolo ruirá: só Deus é eterno e é nEle, por meio de Jesus no Espírito Santo que devemos colocar nossa confiança (Sl 37.5,6). Nenhum juiz ou político merece a confiança que devemos apenas ao nosso Criador. Precisamos apoiar as atitudes corretas e não, necessariamente, as pessoas que as praticam;
·         A mudança ética e moral começa com cada pessoa individualmente: tanto a palavra ética quanto a palavra moral tem o mesmo significado na sua origem etimológica (ciência que estuda de onde vêm as palavras), ética vem do grego ethos (ἔθος), que significa costume, hábito e moral que vem do latim mos, moris e também significa costume, maneira de proceder. Contudo não são sinônimos perfeitos, pois enquanto aquela se encarrega de princípios, esta nas práticas. Dessa maneira, para mudarmos a moral de nossos governantes, precisamos aniquilar com todo o jeitinho brasileiro que visa levar vantagem em todas as coisas. É incoerente alguém estar indignado com os rumos da nação, mas comprar produto pirata, produto sem nota fiscal ou da China (que junto com suas bugigangas trafica armas e drogas e produz mais barata por que utiliza a mão de obra escrava), para na vaga preferencial, etc. (Veja João 17.11-16);
·         As adversidades não significa que fomos abandonados por Deus: esse é o problema de Asafe no Salmo 77. O Salmista, que provavelmente vive nos dias da queda do Reino do Norte e vê a calamidade avançando para o Sul, questiona o agir de Deus, mas ele percebe que esse estado era fruto da sua aflição. Deus tinha mudado a sua maneira de agir (Sl 77.10). O consolo que Asafe encontra é recordar dos feitos do Senhor. A dedicação em conhecer o Senhor pela sua Palavra nos fortalece nos momentos em que o mundo nos impõe minimizar o nosso Deus.
Existem muitos outros desafios, mas esses tenho visto como urgentes para ponderarmos. Saibamos que o Senhor tem disciplinado nossa nação. Para curar o ferimento da corrupção que há muitos anos tem afligido o nosso povo é necessário limpar o ferimento, tirar toda a pele sem vida tomar remédios e essas atitudes, apesar de serem desconfortáveis, redundam em grande benefício.

quinta-feira, 10 de março de 2016

He alētheia (a verdade)



He alētheia (a verdade)

“Enquanto o filho de Jessé viver, nem você nem o seu reino serão estabelecidos. Agora, mande chamá-lo traga-o a mim, pois ele deve morrer”.

(1Samuel 20.31)

Há um problema político em Israel. Uma complicada transição de poder perturba Saul, cuja prioridade não está na luta contra os filisteus ou a prosperidade do reino, mas a perseguição a Davi na tentativa desesperada, a qualquer custo, de perpetuar sua dinastia, mesmo que para isso fosse necessário lutar contra o Senhor.

Depois de 349 anos de Israel ter sido governada por líderes carismáticos, o povo quer um rei (1Sm 8.5-6,20) mesmo porque essa exigência tinha respaldo jurídico em Deuteronômio 17.14-20. Samuel é incumbido de mostrar quão dispendiosa seria a manutenção de uma monarquia (1Sm 8.11-18), contudo, como afirma a teóloga Baldwin, o povo queria: a.) ser como os outros povos; b.) serem julgados pelo Rei; c.) serem liderados nas guerras.

Deus afirma a Samuel que eles não o estavam rejeitando (provavelmente porque seus filhos eram imprestáveis para o cargo de juízes. Veja 1Sm 8.1-3), por isso, o Senhor afirma: “não foi a você que rejeitaram foi a mim que rejeitaram como rei” (1Sm 8.7b). O Criador mostra que esse desejo era fruto da permanente idolatria do povo que, frequentemente, optou por abandonar-Lo para seguir outros deuses (1 Sm 8.8). Samuel é instruído a compreender que a idolatria não contaminava apenas o povo no âmbito religioso, mas inclusive na perspectiva política. Desejar aquilo que o Senhor permite pelos pressupostos errados é um terrível engano e grande armadilha.

Saul, o primeiro rei de Israel foi escolhido pelo povo (1Sm 10.24; 12.13), porque vinha de uma família influente, rica (1Sm 9.1) e ele próprio era belo, alto (1Sm 9.2) e bom guerreiro (2Sm 1.22). Exteriormente ele atendia a todos os pré-requisitos para ser um rei como as outras nações possuíam. Alguns podem dizer que ele também foi escolhido pelo Senhor, porque foi ungido por Samuel (1Sm 10.1). Mas existe algo que aconteça sem a permissão do Senhor?

Saul possuía grandes defeitos que invalidavam seu governo, todavia, por estarem escondidos no coração e nas entrelinhas de suas ações, não eram perceptíveis às pessoas que lhe davam vivas, mas estavam latentes diante do olhar mais atento, porque era tímido (1Sm 10.22), se deixava levar pelo povo e não pelos princípios corretos (1Sm 13.8-14; 15.24), guiava-se pelo seu próprio coração e não pela obediência ao Senhor (1Sm 15.8-11, 18,19), invejoso quanto ao sucesso de sua equipe (1Sm 18.8,9), governava para sua vaidade (1Sm 15.12) e com o propósito de se conservar no poder (1Sm 20.31).

Nesses últimos meses temos visto essas características no governo de nossa pátria, pois a negligência em fazer reformas básicas e a mistura de populismo com uma agenda que visa favorecer amigos e ideais não zelam de forma alguma para o bem-comum, assim como perturbam quaisquer tentativas de reação a crise que tem fragilizado, especialmente, os mais pobres.

Por que Deus levanta pessoas como Saul, Acabe e outros de perfil ímpio? Para exercer disciplina contra os desejos idólatras de uma nação!

Se compararmos a escolha de Davi é bem diferente da do seu antecessor, porque era jovem demais, o filho mais novo de seu pai (1Sm 16.11), não talhado para guerra (1Sm 17.38,39). Porém, enquanto Saul assentava-se no trono e governava de maneira dúbia, Deus capacitava o homem segundo o seu coração (1Sm 13.14) para pastorear, verdadeiramente, Seu povo, porque, apesar do filho mais jovem de Jessé nem de longe servir aos padrões humanos de realeza, mostrou que a liderança não se impõe, mas se conquista (1Sm 18.16) com coração sensível ao Senhor (Sl 23.1).

Deus viu algo mais no jovem que tinha gosto por música e cuidava das ovelhas de seu pai. Algo que nem sua família, tampouco o profeta e ele próprio podiam ver, porque não foi Davi que se projetou em uma carreira política, mas a vontade boa, perfeita e agradável prometeu-lhe sucesso e uma dinastia eterna em Jesus.

Muitos exclamam que se não protestarmos nossa governante continuará nessa rota desastrosa, todavia devemos orar por aqueles que nos lideram (1Tm 2.2) e jamais nos compactuarmos com suas mazelas (Dn 3.18). Nunca haverá tempo propício para ostentarmos heróis, pois “maldito é o homem que confia nos homens[...]” (Jr 17.5). Mas esse é o tempo de se buscar justiça imparcial e completa, porque nossa libertação só pode existir pelo itinerário divino da verdade.

O MILAGRE DA CONVERSÃO




O milagre da conversão

Quantas vezes não ouvimos que determinada pessoa é irrecuperável? Quantos pais, cônjuges ou filhos afrouxaram suas esperanças? Precisamos entender que ninguém, tampouco nenhum método podem transformar corações. Nem o mais eloquente pregador pode convencer um indivíduo de seu próprio pecado e de como deve se precaver para o juízo vindouro do Senhor, mas apenas o Espírito Santo (Jo 8.16).

Se tomarmos o exemplo de Saulo e como ele virou Paulo entenderemos como a conversão é um milagre esplêndido que fica soterrado nos escombros do trivial e do cotidiano.

Saulo é natural de Tarso (localizada na Turquia atual província de Mersin – At 21.39), era cidadão romano, por direito de herança (At 22.28), um jovem brilhante que galgava altas posições no judaísmo apesar da pouca idade e extremamente zeloso nas tradições de seus antepassados (Gl 1.14). Fora circuncidado ao oitavo dia, pertencia a tribo de Benjamin (o nome Sauol e uma homenagem ao rei benjamita Saul, primeiro rei de Israel – Fl 3.5). Pertencia a seita dos fariseus sendo ele próprio filho de fariseus (At 23.6), foi educado na Escola de Hillel, mais importante centro de instrução da época, que, naquele período, contava com o Rabban Gamaliel, homem sábio e de querido que na sua morte se disseram: depois que Rabban Gamaliel, o presbítero, faleceu, o respeito pela Tora acabou e a pureza e a abstinência morreram junto”.

Contudo Gamaliel não conseguiu transmitir seus adjetivos ao seu pupilo, que via como terrível ultraje os do Caminho e a heresia que pregavam. O teólogo John Stott afirma que Lucas descreve Paulo em três situações como um animal selvagem:

  • Atos 8.3 (ἐλυμαίνετο-λυμαίνομαι): aparece no NT apenas nesse texto, mas a LXX no Sl 80.13 utiliza esse verbo para se referir ao javali que destrói a vinha;
  • “respirar ameaças de morte” pode ser comparado ao bufar de um animal;
  • Atos 9.21(πορθησας-πορθέω): veja Gálatas 1.13,23;

Paulo, segundo seu amigo Lucas, era alguém que “assolava a igreja, entrando pelas casas; e arrastando homens e mulheres, encerrando-os no cárcere” (At 8.3), alguém que “respirava ameaças e morte” (At 9.1). O próprio Paulo fala que por ignorância e incredulidade (1Tm 1.13) praticou a tortura a fim de que aqueles que seguiam Jesus blasfemassem.

A ânsia de Saulo era tão grande de que fez uso de um antigo acordo internacional que a Judeia possuía com Roma, que lhe dava poderes para perseguir hereges judeus em toda a extensão do vasto Império, porque não se conformava com a realidade que via. O judaísmo de Saulo era incompatível como o Cristianismo que passava a conhecer e, por isso, confrontava essa ideia até o dia que esse embate destruirá Saulo para que nasça Paulo.

A conversão pressupõe uma profunda e radical mudança de caminho. Dessa maneira, ela não é consequência de preferências pessoais, porque ninguém pode vir a Cristo se o Pai não o trouxer (Jo 6.44). Quando João fala que uma pessoa tem que ser trazida a Cristo usa o verbo grego  ἕλκω (helko), que significa trazer arrastada uma pessoa.

Nossa natureza caída jamais se entregaria seu caminho ao Senhor se não fosse alvo da ação sobrenatural daquele que nos chamou da morte em que nos encontrávamos (Ef 2.1) para encontrar vida em plenitude (Jo 10.10). Lucas carrega nos traços animalescos que compunham a personalidade de Paulo (At 8.3; 9.1,21; 26.11) para mostrar o poder de Deus em regenerar (novo nascimento, mudança do coração, mudança interna quase imperceptível) e converter (novo caminho, mudança percebida em uma vida nova e diferente). Saulo passou por uma nova criação (2Cor 4.6).

Assim como o fiat (faça-se) de Deus criou todas as coisas foram feitas por intermédio de Jesus e sem ele nada do que foi feito se fez (Jo 1.3). Um dia, no tempo aprazado pelo Senhor, Deus fez Saulo morrer e nascer o Paulo.

Saulo vinha de Jerusalém havia percorrido os 242 quilômetros que a separavam de Damasco. Devido a sua vida em que assassinatos, torturas e perseguição contra os que pertenciam ao Caminho provavelmente vinha pensando nos procedimentos maléficos que faria e na maneira gloriosa como entraria pelas ruas de Damasco tremulando a autorização que Roma dava aos Sumo Sacerdote para que ele extraditasse os judeus que considerava hereges.

Entretanto o Senhor Jesus foi ao seu encontro no final de seu caminho (At 9.3-5; 26.13) e mostrou que aquele que percebe a igreja persegue o seu Senhor, que está pronto para defendê-la. Saulo que desejava capturar os seguidores de Jesus foi capturado por ele (Fl 3.12).

A conversão quebra o indivíduo. O Saulo que entraria imponente causando medo entra humilhado, cego carregado pela mão. Totalmente desconstruído daquilo que foi (veja Rm 9.19-21).

O zelo de Saulo (Gl 1.14), sua cidadania romana, o farisaísmo (At 23.6), suas origens (Fl 3 5,6), tampouco sua educação (At 22.3) eram capazes de fazer dele quem ditava as regras. Na densa escuridão em que encontrava nascia um novo homem, irmão daqueles que outrora perseguira (At 9.17).

Paulo em uma belz confissão afirma: “ainda outrora eu era blasfemador, perseguidor, e injuriador; mas alcancei misericórdia, porque o fiz por ignorância, na incredulidade; e a graça de nosso Senhor superabundou com a fé e o amor que há em Cristo Jesus” (1Tm 1.13,14).

Concordamos com Stott, quando afirma, a partir de Atos 26.14, que a conversão de Paulo e a nossa não é repentina e compulsiva. Quando Jesus afirma para Paulo que “dura coisa é recalcitrares contra os aguilhões”, ele é comparada a um touro jovem que só pode ser domado com uma série de aguilhões (arpões) que penetram sua carne pela dor e o cansaço vão fazendo submeter-se.

Segundo Stott Paulo foi ferido por aguilhões morais e intelectuais, porque vira a sabedoria de Estevão provada de maneira incontestável por quantos lhe questionavam sobre o Caminho (Atos 6.9), o Sinédrio viu seu rosto resplandecer como um anjo, assim como ouviu sua defesa , na qual mostrou como a verdadeira obediência sempre era alvo de perseguição. Stott chega a firmar: “Estêvão e não Gamaliel foi o verdadeiro mestre de Paulo, porque este não podia esquecer o testemunho daquele. Havia algo inexplicável naqueles cristãos  - algo sobrenatural, algo que falava do poder divino de Jesus. O próprio fanatismo da perseguição é encontrado, escreve Jung, em indivíduos que estão compensando dúvidas secretas”

A igreja cresce não pela eloquência dos seus Pastores ou os métodos empregados, mas quando Deus usa da pregação fiel (!Cor 1.21) da Palavra para converter até o ais improvável dos homens como Saulo.

Segundo J.C. Ryle, “o Espírito Santo sempre trabalha de uma forma peculiar”. Dessa maneira, quer convertendo um home de maneira abrupta, quer de forma repentina (como o ladrão da cruz – Lc 23.29-43), o Senhor utiliza sempre os mesmos estágios:

·         Firmeza de fé: a fé “é a certeza das coisas que se esperam, a convicçãos dos fatos que não se veem” (Hb 11.1). O homem, agraciado com esse dom (Ef 2.8), vê nesse mundo a cruz, mas consegue, através dela, enxergar a coroa reservada àqueles que forem fieis até a morte (Ap 2.10). Paulo, convertido, pela fé, entende que Cristo é mais valioso que sua vida (Fl 1.21), porque, de fato, não era mais ele quem vivia, mas Cristo é que vivia nele (Gl 2.20). Acreditava muito bem na fidelidade daquele em quem acreditava (2Tm 1.12);

Senso de pecado: Paulo afirma:anteriormente fui blasfemo, perseguidor e insolente; mas alcancei misericórdia, porque o fiz por ignorância e na minha incredulidade (1Tm 1.13). A conversão genuína não pode vir desacompanhada do arrependimento, ação do Espírito (Jo 16.8) que nos convence de como a imundície de nosso pecado é incompatível com a pureza do Deus santos, assim com com a retidão de sua justiça e dos seu juízo. Paulo reconhece-se como o pior dos pecadores (1Tm 1.15). A consciência de nossa debilidade deve ser sempre presente e alimentar nossa humildade. Assim como o arroz mostra que está cheio quando tomba . Um homem amadurecido por Deus prostra-se diante de seu Criador, da mesma maneira que não se sente maior ou melhor do que ninguém, nem mesmo diante do mais contumaz dos pecadores, porque compreende que que a única diferença que possui é a dádiva da graça imerecida;

·    Amor fraterno: o verdadeiro convertido sente grande zelo pelas almas. Sabe da iminência da vinda de Cristo (Ap 22.7) e que foi comissionado pelo Senhor a fazer discípulos (Mt 28.19) e, po isso, nesse primeiro amor não possui apenas uma ortodoxia (doutrina correta-padrões teológicos coerentes), mas também, uma ortopraxia (uma vida cristã coerente para com a Palavra). A igreja de Éfeso possuía uma doutrina correta, mas havia se tornado em uma estrutura cristão sem alma. Paulo, depois de deixar Saulo na densa escuridão que se encontrava, pare para testemunhar a respeito de Cristo aos irmãos da sinagoga de Damasco (At 9.20).

John Stott afirma que Paulo, esse home  nascido de novo (regenerado) no molde de João 3.3, possui uma nova visão de Deus, porque está há três dias orando (At 9.11) e jejuando (At 9.9), mostrando que a fome que tinha naquele momento era de Deus. Stott afirma: “Ainda hoje, o primeiro fruto da conversão é sempre uma nova consciência da paternidade de Deus. Quando o Espírito nos capacita a clamar ‘Aba, Pai’”.

Paulo tem um novo relacionamento com a igreja, porque passa a ver aqueles, que, outrora, perseguiria e submeteria a tortura e a extradição, como seus irmãos e passa a compactuar da mesma fé e dos mesmos perigos (At 9.23-25) indo para o deserto árabe onde ficou por três anos. Contudo precisa retornar a Jerusalém, onde precisa encarar aqueles a quem era como um animal selvagem.

Lucas mostra com se Saulo, desde antes da fundação do mundo, era um “vaso escolhido” qualquer pessoa poderia ser. A conversão não se dá pelo sangue, tampouco pela vontade da carne ou do homem, mas de Deus (Jo 1.13). A conversão do homem não se dá pelos métodos adotados por uma igreja ou o estilo de um pregador, mas pela ação de Jesus Cristo.