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sábado, 18 de outubro de 2014


O domingo moderno
Os Titãs, em 1995, lançaram seu oitavo álbum que contava com o sucesso “Domingo”, música de Sérgio Britto e Tony Bellotto. Esse sucesso relatava a angústia de um ímpio, que, no domingo, não possuía nenhuma atividade, porque tudo estava fechado apesar de não ser sexta-feira santa ou dia de finados.
Os compositores de “Domingo” afirmavam que ninguém se acostumava com esse marasmo que induzia as pessoas a confundir o domingo com a segunda, ou seja, toda a indisposição desse dia atrapalhava o rendimento dos primeiros dias da semana. Em menos de vinte anos, essa música perdeu todo o seu significado. Se um adolescente ouvi-la não entenderá o seu sentido básico, porque confundimos a segunda com o domingo e não o contrário.
Acabou aquela ida ao mercado depois do expediente da sexta-feira, porque no final de semana as opções seriam restritas. Hoje, temos opção de comércios abertos não só em todos os dias, mas também, caminhamos para encontrar lugares que não fecharão jamais, apear de as leis trabalhistas do nosso país autorizarem o trabalho dominical nos comércios apenas mediante lei municipal e acordo coletivo (Lei no 11.603/07). O mundo nos vende a idéia de que nada pode parar, todavia essa idéia não é bíblica e contribui em muito para a terrível realidade selvagem dos nossos dias.
Deus, no sétimo dia, “repousou” (Gn 2.2) e procedeu assim não porque precisava se restabelecer, tampouco deixou o universo sem a sua divina assistência, porque continuou sustentando a criação. O próprio Jesus afirma que ele e o pai trabalham sem cessar (Jo 5.17), todavia, para que esse descanso fosse devidamente respeitado, o próprio Criador o executou como exemplo. Essa ênfase se faz necessária, porque, Deus, como criador de tudo que existe, sabe dos limites físicos e psíquicos das obras feitas por suas divinas mãos.
O Senhor, que “faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1.11), descansou para mostrar que isso não é perda de tempo ou algo irrelevante. Segundo as Escrituras Sagradas, tanto o homem, quanto a natureza precisam de um período em que os trabalhos cessam para sua “manutenção”, no caso do ser humano, física, psíquica e especialmente espiritual.
Segundo Laura Balcom Simões, da Universidade de Araraquara, afirma que o trabalho excessivo pode causar desde dores musculares a ansiedade e níveis de stress altíssimos e, às vezes, com conseqüências irreversíveis. O excesso de trabalho e, consequentemente, a negligência para com a orientação bíblica ao descanso, tem aumentado 60% o risco do desenvolvimento de doenças cardíacas que podem levar a morte, conforme publicação do European Heart Journal.
No deserto, o povo de dura cerviz era devidamente abastecido pelo maná (Êx 16.31; Nm 11.7), o pão do céu (Jo 6.31) apesar de sua constante murmuração. O povo possui duas orientações para usufruir dessa bênção imerecida: não colher mais do que precisavam e colher dobro no sexto dia para não o acharia no dia do descanso (Êx 16.16, 24, 25).
Entretanto o povo colheu mais do que deveria e o maná na manhã seguinte deu bicho e cheirou mal, o que não aconteceu com o que fora colhido no sexto dia (Êx 16. 20,24).
Esse episódio do deserto mostra como o Senhor pode fazer prosperar o que está de acordo co a sua vontade e fazer degenerar aquilo que está em desacordo com sua Palavra (Dt 11.13-15). Da mesma forma, inúmeros cristãos duvidam que obedecendo ao Senhor tenham bom êxito em suas vidas e insistem em agir ambiciosamente para se precaver à providência, porque duvidam que o Senhor seja sempre providente. Só os eleitos fieis experimentam que por mais de um mês Deus supriu suas dispensas sem que tivessem de trabalhar, só os ímpios confiam apenas na força de seus braços, nós confiamos em nosso Criador (Sl 20.7).
Quando tratamos sobre o repouso bíblico, há duas posições rebeldes: alguns fazem pouco caso, acreditando que todo trabalho secular lhes será benéfico, porém outros são adeptos do ócio fazem do dia do Senhor um misto de vários vícios e uma cultura propícia para o cultivo do pecado.
O repouso bíblico não pode se confundir com o ócio e a preguiça. A Bíblia convida o preguiçoso a ter com a formiga que é sábia em sua operosidade (Pv 6.6). O verbo hebraico utilizado em Gênesis 2.2,3 é shabat (שָׁבַת) que, segundo o Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, significa cessar o trabalho e Derek Kidner, comentarista do livro de Gênesis, afirma que o shabat “é o repouso da realização cumprida, não inatividade, pois Ele [Deus] nutre o que cria”.
Deus, ao instituir o dia sabático, o abençoou para mostrar que deve ser realizado e o santificou para indicar como deve ser realizado esse repouso bíblico. O domingo (Dia do Senhor), sábado cristão (1Cor 16.1,2; At 20.7; Ap 1.10), não é o dia destinado à família, nem mesmo ao lazer, mas ao culto. O Senhor jamais abençoa seu povo por meio do pecado, por isso, o passeio da família e o lazer inocente não trarão proveito ao cristão se eles tiverem patrocinando a negligencia do dia do Senhor e a rebeldia para com a clara instrução das Escrituras (Êx 20.8-11; Is 56.2,4,6).
Há maior benção do que a família toda estar reunida na igreja adorando o Senhor? Há maior paz do que se assentar e ouvir aquilo que Deus tem para a minha vida? Há maior restauração do que orar pelos irmãos e receber a intercessão deles? Davi afirma: “Oh! Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos!” (Sl 133.1).
Entendemos que, em nossa cultura, profundamente influenciada pelo pragmatismo, todo descanso é mal visto e ligado a perda de tempo. Vivemos em um mundo em que existem muitas Martas, agitadas de um lado para o outro, ocupadas em muitos serviços (Lc 10.40), as quais criticam as Marias, que domingo após domingo estão na Escola Bíblia Dominical e Culto Solene (EBD), sentadas aos pés do Senhor, todavia a nossa sociedade, inquieta e preocupada (Lc 10.41), repousa a exortação do Supremo Mestre: “pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10.42).
Não queremos afirmar que Deus é mais bem adorado o culto é aceito em determinado lugar, pois Ele deve ser adorado em todos os lugares (Ml 1.11; 2Tm 2.8) em espírito e verdade (Jo 4.23,24). A Confissão de Fé de Westminster (XXI, 6) afirma que a adoração realizada na família (Dt 6.7; Jó 1.5; At 10.2), diariamente (Mt 6. 11; Js 24. 15) em secreto, sozinho (Mt 6. 6; Ef 6. 16) ou na assembléia pública. Contudo a Confissão de Fé (XXI,6) defende que a universalidade do culto não oferece motivo para o culto público seja “ser descuidadas, nem voluntariamente desprezadas nem abandonadas, sempre que Deus, pela sua providência, proporcionar ocasião” (Is 56.7; Hb 10.25; At 2. 42; Lc 4. 16; At 13. 42).

A música “Domingo” repetia em seu refrão: “domingo eu quero ver o domingo passar”. Aos olhos humanos cada dia mais esse dia perde suas características bíblicas, todavia confiamos que “resta um repouso para o povo de Deus” (Hb 4.9). Só se abandonará nas mãos do Senhor na glória aquele que continuamente descasou em sua providência. Esse descanso eterno nunca terminará para os santos.

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