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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Paz, paz, mas há paz?


Paz, paz, mas há paz?
Um fato de 2014 que certamente entrará nos livros de história é o fim do embarco econômico entre EUA e Cuba que começou em 1961 com o então presidente Dwight D. Eisenhower, pois o movimento que derrubou o ditador Fugêncio Batista, em 1959, adotou posturas comunistas e começou a se alinhar com a União Soviética em plena Guerra Fria.
A discussão entre EUA e Cuba corria travada, pois aqueles exigiam, destes, democratização, direitos humanos e mudança do regime político para encerrar as restrições[1], todavia estes impunham o fim do embargo como condição para qualquer discussão diplomática.
Contudo a comunidade internacional havia indicado o fim das restrições diplomáticas com Cuba na última Assembleia Geral da ONU quando dos 193 países que participaram 188 votaram a favor dessa medida[2]. Outro motivo para o fim do embargo está na fala do próprio Obama: “deve se preocupar com ameaças reais, como os grupos extremistas Al Qaeda e Estado Islâmico[3]. Desde o atentado de 11 de setembro as preocupações Norte-Americanas se desviaram da pequena ilha de Fidel regido pela cartilha de “Marx” para se concentrar no vasto e complexo Oriente Médio que segue piamente o Alcorão.
Esse acordo, que ainda depende do Senado americano, teve boa aceitação na Comunidade internacional e deu um rosto positivo a desgastada política de Obama, todavia existem pessoas que condenam o acordo, porque Cuba não se democratizou, tampouco apurou seus crimes, todavia os EUA, também acusados de abusos em Guantánamo, entendem quem usa da violência extrema para uma suposta justiça. Obama afirmou: vamos tentar deixar para trás esse passado. Nosso futuro é de paz e segurança. Vamos trabalhar não para manter o poder, mas para avançar nos sonhos dos cidadãos[4].
Esse é o nítido exemplo da paz que o mundo busca e valoriza, porque não impõem mudança alguma e se une nas conveniências mais baixas, ou seja, o simples fato de parecer algo que realmente não é, pois ninguém é ingênuo ao ponto de acreditar que EUA ou Cuba reviram seus erros do passado e assumiram novos posicionamentos para o futuro. Em um nível menor, vemos inúmeras pessoas almejando a mesma paz mágica e superficial que vemos nesse cenário político. Uma paz sentimentalóide que se conquista por aquilo que se veste a aquilo que se come e acaba com o pular da última onda e se apaga como último fogo de artifício.
Jamais entenderemos a paz se não analisarmos quando ela foi extinta do coração humano. No Éden, o homem gozava de plena paz com Deus, com o ambiente ao seu redor e consigo mesmo. Segundo Schaeffer, “minha separação de Deus é sanada pela justificação, porém logo em seguida deve haver uma realidade existencial”[5], ou seja, o processo de santificação deve levar o ser humano a uma postura diferente com seus problemas existenciais, assim como, adotar a postura de mordomo para com a criação que o circunda.
No coração do homem pós-queda, há uma guerra que é fonte e origem de todas, tal como Tiago afirma: de onde procedem guerras e contendas que há entre vós? De onde, senão dos prazeres (hedonéἡδονή) que militam na vossa[6] carne? (Tg 4.1). Lopes, comentando Tiago 4.1, afirma que somos tentados a culpar as circunstâncias como motivadores dos conflitos, todavia Tiago, tal como Paulo em 1Cor 3.1-4, que a origem deles está na natureza caída dos homens. Dessa maneira, ainda que o cristão esteja regenerado pela Palavra de Deus ainda em seu coração habita a semente de Adão, ou seja, os prazeres que militam na carne[7].
Nesse texto percebemos que a origem da falta de paz está no termo grego hedonéἡδονή, que, segundo Coenen et al[8], significa prazeres, aquilo que é agradável, doce ao paladar. Pau David Tripp opta traduzir ἡδονή por desejo e afirma: “o coração de toda e qualquer pessoa é uma fonte de desejos que competem entre si”[9]. Nesse conflito há o desejo de fazer a vontade de Deus ou a vontade o mundo, o desejo mais forte fatalmente controlará meu comportamento.
Está sobre nós a mesma máxima que pairava sobre Caim: “eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gn 4.7b). Dessa maneira, a paz que almejamos só pode ser conquistada se declararmos guerra contra aqueles desejos que não coadunam com a Palavra.
No Peregrino de John Bunyan, Cristão diz a Ignorância:
Quando conseguimos julgar nossa vida da mesma forma que a Palavra a julga. Veja bem, que a Palavra, falando do homem natural, afirma que não há um justo, nem um sequer. Também diz que toda a imaginação do homem é má continuamente. Pois bem, quando em nós mesmos do jeito que realmente somos, então nossos pensamentos são bons porque concordam com a Palavra de Deus[10].
Quando os parâmetros pelos quais analisamos nossa alma estão distorcidos os resultados não serão confiáveis. O que se diria se um cego de nascença analisa-se uma paisagem ou um surde de nascença sobre a melodia de uma canção. Ludwing Von Beethoven (1770-1827), apesar de surdo foi um gênio da música, porém ele não nasceu surdo (a perdeu entre os 20 ao 50 anos) e, por isso, possuía memória auditiva (parâmetros que o ajudaram a compor)[11].
Se olharmos para as nossas vida a partir daquilo que o mundo valoriza certamente nos veremos como justos e merecedores da eternidade, todavia isso penas mostra duas realidades: que houve um afastamento de Deus e que não sé verdadeiro temor (Pv 3.7). Kistemaker, alisando Tiago 4.1, entende que “quando Deus não governa a vida do homem, a busca do prazer controla a situação e a paz fica perturbada por causa de brigas e contendas”[12]. Dessa maneira, qualquer tentativa de paz que não venha da genuína conversão e de uma guerra contra os desejos pecaminosos de nosso coração é apenas superficial e nociva.
Existem igrejas que pregam essa paz paliativa. Induzem as pessoas a confiarem em supostos méritos e oferecem um consolo falso, porque não parte da graça, mas de uma autoajuda que só traz benefícios para essa vida. Esses falsos profetas procedem como afirma Jeremias (6.14): “Curam superficialmente a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz”.
Neville Chamberlain (1869-1940) foi o primeiro ministro inglês de 28 de maio de 1937 a 10 de maio de 1940. Ele foi quem intercedeu junto a Hitler uma forma de evitar as hostilidades que levariam o mundo a uma 2ª Guerra mundial. O chamado pacto de Munique de 29 de setembro de 1938 foi assinado pelo Reino Unido (tendo como representante Neville Chamberlain), França (tendo como representante o primeiro ministro Édouard Daladier), Alemanha (tendo como representante Adolf Hitler) e Itália (tendo como representante Benito Mussolini)[13]. Chamberlain desembarcou no aeroporto de Heston trazendo o documento do pacto dizendo: “Acredito que ele é a paz em nosso tempo”, todavia Winston Churchill (1874-1965) afirmara: “entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra e terás a guerra”. De fato esse pacto só serviu para dar tempo a Hitler manejar suas tropas com liberdade e invadir a Polônia no dia 10 de março de 1939, invalidando o que firmara.
A paz que os homens esperam é sempre fugaz e depende dos desejos pecaminosos do coração. Confiar na paz que o mundo oferece é necessariamente confiar no homem e quem age assim faz da carne mortal o seu braço e aparta o seu coração do SENHOR! (Jr 17.5b). Todavia Paulo afirma que Jesus é a nossa paz (Ef 2.14), por isso, afirma Calvino: “se Cristo é a nossa paz, segue-se que todos que se acham fora dele permanecem em estado de inimizade com Deus”[14]. A paz proposta por Jesus não é a ausência de guerras, perseguições e adversidades, mas “justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus (Rm 5.1).
Que adiantaria uma vida abastada e sem sofrimentos se, depois da morte, nos estivesse reservada a ira eterna? Asafe, no Salmo 73, descreve os ímpios da seguinte maneira: a.) Saúde: “para eles não há preocupações, o seu corpo é sadio e nédio” (v.4); b.) Trabalho: “não partilham das canseiras dos mortais, nem são afligidos como os outros homens”. (v.5); c.) Vida Financeira: “eis que são estes os ímpios; e, sempre tranqüilos, aumentam suas riquezas”. (v.12), mas no santuário o Salmista atenta para o fim dos ímpios e entende: “Tu certamente os pões em lugares escorregadios e os fazes cair na destruição” (Sl 73.18). Compreende que todas essas facilidades adulam e fazem mais fortes seus desejos pecaminosos.
Os ímpios, que confiam em seu poder, estão aliceçados sobre o mesmo terreno escorregadio de Nabucodonosor, que, depois de se exaltar dizendo: “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com o meu grandioso poder e para glória da minha majestade?” (Dn 4.30), teve sua sanidade usurpada pelo céu convivendo com os animais do campo (Dn 4.31-33) até que ele olha para o céu e louva o Altíssimo (Dn 4.35). Só pode exaltar a Deus quem reconhece a sua miséria, assim como só se reconhece miserável aquele que engrandece a Deus. Quem assim procede a Palavra promete: “humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará” (Tg 4.10).
Jesus antes de subir aos céus nos advertiu: deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize(Jo 14.27). A paz de Jesus não é feita por um acordo de conveniência como entre EUA e Cuba, tampouco uma ilusão como aquele que Chamberlain portava no aeroporto de Heaston que traz esperanças infundadas, mas essa é a paz que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus (Fl 4.7).
Portanto, a paz que Jesus tem para seu povo em 2015 e até a sua volta não a ausência de problemas, a prosperidade insana ou uma ilusão, mas uma paz que faz sentir a presença de Deus, mesmo nos mais terríveis momentos, confiando que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Essa paz não depende do seu vestuário, muito menos do cardápio da ceia, mas da soberania do Senhor que a dá por meio de Jesus e que durará muito além da meia noite.
Feliz 2015!




[1] HELLER, Claude. Análise: acordo com Cuba melhora a posição dos EUA na América Latina. http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/12/1568590-analise-acordo-com-cuba-melhora-posicao-dos-eua-na-america-latina.shtml.
[2] http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2014/12/entenda-como-comecou-o-embargo-economico-dos-eua-cuba.html.
[3] http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2014/12/17/esses-50-anos-mostraram-que-isolamento-nao-funcionou-diz-obama-sobre-cuba.htm.
[4] http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2014/12/entenda-como-comecou-o-embargo-economico-dos-eua-cuba.html.
[5] SCHAEFFER, Francis. Poluição e Morte do Homem. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p.74.
[6] Segundo Lopes, esse vós se refere aos candidatos a mestre (pessoas que instruíam continuamente a igreja na Palavra e que possuía uma posição de liderança e autoridade) de Tiago 3.1 por causa da rivalidade que existia entre eles, o que não era uma característica da igreja de Tiago (veja Mc 9.34; Mt 23.8,9, Jo 13.13,14, 3Jo 9), todavia esses princípios podem ser aplicados a igreja em geral. (LOPES, Augustus Nicodemus. Interpretando o Novo Testamento: Tiago. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, 95,96, 120)
[7] LOPES, Augustus Nicodemus. Interpretando o Novo Testamento: Tiago. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.120,121.
[8] COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000, p.526.
[9] TRIPP, Paul David. Instrumentos nas Mãos do Redentor. São Paulo: NUTRA, 2009, p.116.
[10] BUNYAN, John. O Peregrino. Rio Verde-GO: Publicadora Menonita, 2009, p.165.
[11] http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT611093-1716-5,00.html.
[12] KISTEMAKER, S. Comentario Del Nuevo Testamento: Santiago y 1-3 Juan. Grand Rapids: Desafío, 2007, p.113.
[13] http://segundaguerra.net/o-pacto-de-munique-anexacao-do-territorio-dos-sudetas/.
[14] CALVINO, João. Efésios. São José dos Campos-SP: Fiel, 2007, p.55.

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