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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A IGREJA RESTAURANTE


A Igreja Restaurante
Segundo Rebeca Spang[1], a versão mais conhecida para a origem dos restaurantes é a de que um padeiro francês chamado A. Boulanger, em 1765, abriu um estabelecimento cujo objetivo de oferecer um caldo com carne que restauraria aqueles que o consumissem. Na frente desse primeiro restaurante, existia a seguinte frase: “venid ad me ommis qui stomacho laboratis, ego restaurado vos” (vinde todos que trabalhais e eu restaurarei vossos estômagos).
Dessa maneira, a razão pela qual um restaurante existe é restaurar pessoas, ou seja, levá-los do estado de fome à saciedade, por isso, é impensável a falta de alimento em um lugar que tem como finalidade alimentar.
Berkhof conceitua igreja como “o grupo dos eleitos que são chamados pelo Espírito de Deus”[2]. Paul David Tripp[3] entende que a igreja é um lugar que modela toda a nossa vida, é um espaço, no qual pessoas que estão em processo de transformação, são instrumentos usados por Deus para transformar outras vidas. Porque recebemos amor do Senhor, somos chamados a oferecê-lo àqueles que vivem na sombra da morte[4].
O grande instrumento usado para esse processo transformador é a Palavra, porque Davi afirma: A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices (Sl 19.7). A Palavra, somada a iluminação do Espírito Santo, atinge os símplices (peti -  פֶּֽתִי ), aqueles que têm a “cabeça aberta”, não possuem sólidos princípios absolutos. A lei do Senhor vem trazer um firme horizonte e uma capacidade maior de avaliar as ideias que nos são apresentadas. Assim como um paladar refinado rejeita alimentos mal preparados ou de procedência duvidosa, um coração firmado na verdade do Evangelho não se associa às obras infrutíferas das trevas (Ef 5.11).
Deus afirma: a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei (Is 55.11), porque ela oferece condenação ao ímpio ou nova perspectiva ao eleito, porque vem acompanhada do Espírito que aplica a verdade de Deus revelada em seu coração de forma sempre crescente[5]. A teologia Reformada entende que a Palavra e o Espírito andam juntos de tal forma que não podem ser dissociados, pois aquela sem este leva ao legalismo ou uma fé superficial fincada apenas em conceitos e tradições, mas sem amor tal com a da Comunidade de Éfeso (Ap 2.4), assim como o Espírito destituído da Palavra só pode produzir confusão e uma igreja escrava de experiências sensoriais.
Todos os restaurantes lutam para combater a fome, todavia alguns oferecem alimentos que saciam o desconforto, mas que proporcionam perigo à saúde. Igrejas descomprometidas com a Palavra e seus imperativos têm ótimas intenções, mas que fracassam em uma prática desajustada e extremamente nociva.
Enquanto em um restaurante, a satisfação do freguês é o que conta, a igreja séria e comprometida com a Palavra não utiliza dessa premissa pragmática, onde os fins justificam os meios, mesmo que a idoneidade do processo esteja comprometida e incoerente. Especialmente, quanto ao culto, entende-se que “o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás” (CFW XXI, 1).
Por causa desse princípio regulador é que a ministração de Nadabe e Abiú (Lv 10.1,2) foi punida com a morte, o culto de Saul (1Sm 13.8-14) foi punido com a execração e a maneira davídica de transportar a arcar foi punida com a morte de Uzá (2Sm 6.3-7) e, pelo mesmo motivo, inúmeras igrejas têm sua luz bruxuleando para apagar, porque, como afirma MacArthur, “independente de quão pura seja a nossa motivação ou quão sinceros sejamos em nossa tentativa, se fracassarmos em adorar a Deus como ele mandou, não seremos abençoados”[6].
Uma igreja carente da Palavra é semelhante a um restaurante sem alimento e que, por isso, não pode restaurar a ninguém. Essa foi a realidade existente no livro de Juízes quando, segundo Archer, Israel falhou como teocracia, ou seja, não foi capaz de se manter fiel à aliança com Deus[7] e, assim, obrigou pessoas, como Elimeleque, Noemi, Malom e Quiliom a saírem de onde deveria haver pão em abundância e migrar para as terras pecaminosas de Moabe (Rt 1.1; Dt 23.3-6), que usurpam-lhes a vida e a estabilidade. Segundo Idauro Campos[8], citando o IBGE, existem, hoje, quatro milhões de brasileiros que de autodenominam evangélicos, mas não congregam em nenhum lugar, são os “desigrejados”. Essas são pessoas, que se decepcionaram com uma instituição ou não encontraram nela alimento sólido, vagueiam, como Ló, pelas terras bem irrigadas de Sodoma e Gomorra (Gn 13.12,13).
Um restaurante é frequentado por pessoas que tem consciência de sua fome e sabem que precisam se alimentar, por isso, o produto mais oferecido é alimento. Um restaurante respeitado não perde tempo com outros produtos. Quanto mais refinado um lugar mais específica é a sua culinária. Uma igreja séria não oferece paliativos, tampouco aquilo que já é produzido com fartura pelo mundo, mas a fiel exposição da Escritura. Quando mais séria se torna mais arraigada a princípios bíblicos se torna. O regenerado vai a igreja, porque tem consciência de seu pecado (Jo 16.8) e entende que apenasse alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas [καινός kainós = sentido não de criar algo inédito, mas de reconfigurar àquele perfil que se possuía antes do pecado]”. (2Cor 5.17).
Aqueles que trabalham em um restaurante não estão alheios à fome e precisam do mesmo alimento que manufaturam e servem. Da mesma forma, na igreja, os cristãos mais velhos e os líderes não estão alheios ao pecado (1Jo 1.8-10). Obviamente, o cristão fiel, devido a sua luta e apego aos meios de graça, mantém-se integro (1Jo 3.6), mas consciente do conselho de Paulo: Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia (1Cor 10.12). Mesmo porque não há evangelho para perfeitos como os anjos, que não podem mais pecar (1Pe 1.12). Entretanto tal como os funcionários de uma mera cantina trabalham apesar da fome por um salário efêmero, muito mais o cristão deve servir a Cristo apesar de seus pecados pelo galardão eterno (1Cor 9.25).
Apesar de existirem grandes chefes de cozinha e trazerem ao estabelecimento em que trabalho grande prestígio, seu destaque está submetido à qualidade de suas receitas e a precisão de seu trabalho. Igualmente, o pastor não pode ser o centro das atenções, mas a Palavra por ele pregada e a sua precisão exegética. Um restaurante pode ter seu cozinheiro como cartão de visita, porém se o seu prato não for saboroso e nutritivo, profissional e estabelecimento cairão no descrédito, por motivo semelhante inúmeras igrejas estão desacreditadas pela sociedade.
É inconcebível um cliente sair com fome de um restaurante, porque a obrigação desse lugar é levá-lo de volta para o estado de saciedade, tampouco se pode compreender que um crente saia de sua igreja sem o devido alimento,pois sua obrigação é promover a devida restauração.




[1] SPANG, Rebeca. A Invenção do Restaurante. Rio de Janeiro: Record, 2003, p.391.
[2] BERKHOF, Louis. Manual de Doutrina Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p.208
[3] TRIPP, Paul David. Instrumentos nas Mãos do Redentor. São Paulo: NUTRA, 2009, p.13,14.
[4] Ibid, p.41.
[5] PACKER, J.I. Teologia Concisa. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p.138.
[6] MACARTHUR, John. Adoração: a prioridade suprema. São Paulo: Hagnos, 2014, p. 20.
[7] ARCHER, G.L. Merece Confiança o Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1984, p.197.
[8]http://www.ultimato.com.br/comunidade-conteudo/niilismo-eclesiastico-uma-analise-sobre-os-desigrejados. Acessado no dia 29 de novembro de 2014 às 03h05.

Um comentário:

  1. Excelente reflexão meu irmão!! Deus continue te iluminando e usando para nossa edificação!!

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