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sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Por que a Bíblia nos é imprescindível?


Por que a Bíblia nos é imprescindível?


Na triologia, Piratas do Caribe, vemos que o pirata Jack Sparrow possui uma bússola, mas que, ao invés de apontar para o norte, como as demais, mostra para a direção dos seus desejos. Aquele que se guia pela voz do seu coração admite um instrumento falho e insuficiente para estabelecer o caminho seguro conforme Jeremias 17.9. Contudo, tal indivíduo, será como a perdiz que, na incapacidade de distinguir seus próprios ovos, choca os dos outros pássaros (Jeremias 17.11). Quando orientados pelos nossos desejos, não conseguimos discernir entre o certo e o errado e, sabendo que somos radicalmente depravados, assumiremos, naturalmente, a via que desagrada o Senhor.

Qual deve ser a bússola do cristão para se orientar sobre naquilo que crerá e como conduzirá sua conduta? A Palavra. Muitas pessoas poderão perguntar: quem deu essa autoridade às Escrituras Sagradas? Alguns argumentarão que a igreja, contudo Paulo afirma que ela própria está firmada sobre o fundamento dos Apóstolos e Profetas. Destarte entendemos que a Palavra tem autoridade auferida pelo próprio Deus e, por isso sua autoridade e infalibilidade existe antes da estrutura eclesiástica[1], porque o texto bíblico afirma toda a Escritura é inspirada por Deus”.

Calvino (1509-1564), o reformador de Genebra afirma:

Mui fútil é a ficção de que o poder de julgar a Escritura está na alçada da Igreja, de sorte que se deva entender que do arbítrio desta, a Igreja, depende a certeza daquela, a Escritura. Consequentemente, enquanto a recebe e com sua aprovação a sela, a Igreja não a converte de duvidosa em autêntica, ou de outro modo seria controvertida; ao contrário, visto que a reconhece como sendo a verdade de seu Deus, por injunção da piedade, a venera sem qualquer restrição[2].

Desde antigos tempos, se tinha a dúvida de o quanto da Bíblia deveria ser aceita. Podemos abolir o Antigo Testamento? O herege Marcião de Sinope (85-160), influenciado pelo dualismo gnóstico, “estabeleceu um contraste radical entre o Antigo e o Novo Testamento: o primeiro representa o reino deste mundo e a lei (retribuição); o segundo representa o reino celestial e o evangelho da (graça)”[3], por isso, entendia que “as Escrituras Cristãs deviam incluir somente o evangelho de Lucas e as cartas do Apóstolo Paulo às igrejas, sem as pastorais”. Essa é uma doutrina herética, porque Jesus, ao se encontrar com os discípulos “néscios e tardos de coração” para crerem em tudo o que os profetas disseram (Lucas 24.25), explicou os eventos da morte e ressurreição começando por Moisés e por todos os profetas (Lucas 24.27). Não é à toa que o teólogo Agostinho de Hipona (354-430) afirmava: “o Novo Testamento está escondido no Antigo e o Antigo é revelado no Novo”[4]. Dessa maneira, não temos textos ou partes da Bíblia que merecem aceitação, porque é toda, sem excessão, é inspirada por Deus.

Por “inspiração” (θεόπνευστος), transmite a ideia de expirar, soprar para fora, com esse termo “Paulo quer dizer que toda a Escritura é exalada de Deus”[5]. A inspiração é orgânica/dinâmica “o termo orgânico serve para acentuar o fato de que Deus não empregou os escritores mecanicamente, mas atuou neles de maneira orgânica, em harmonia com as leis de seu próprio íntimo”[6], ou seja, quando Pedro afirma que jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens santos falaram da parte de Deus, orientados pelo Espírito Santo” (2Pedro 1.21) não está dizendo que as Escrituras Sagradas foram inspiradas de forma mecânica (como um psicografia espírita), mas de tal maneira que o Senhor usou o caráter, o temperamento, os dons, os talentos, instrução, cultura, dicção e estilo[7] dos Escritores bíblicos, entretanto “incitou-os a escrever; reprimiu a influência do pecado sobre sua atividade literária, e guiou-os na escolha de suas palavras e nas expressões de seus pensamentos”[8] (Lucas 1.1-4; 2 Pedro 3.16) Dessa maneira, a Bíblia não contém a Palavra de Deus (porque foi parcialmente inspirada ou seus autores humanos tiveram suas mentes inspiradas, mas não suas palavras), mas é a Palavra de Deus.

Dessa maneira, a Bíblia é, como Cristo, humana e divina, ou seja, é humana, porque foi escrita por homens e, por isso, foi escrita em um tempo, contexto, cultura, língua diferente da nossa. Diminuiremos essas distâncias com o estudo da Palavra recorrendo a comentários, dicionários e a professores. Contudo ela é divina, assim, é necessário a luz do Espírito Santo para crer na sua verdade. O teólogo Reverendo Augustos Nicodemus defende: “como Palavra de Deus, a Bíblia deve ser lida como nenhum outro livro, mas, tendo sido escrita por homens, deve ser interpretada como qualquer outro livro”. Apesar da complexidade de algumas páginas das Escrituras, é imprescindível que entendamos que aquilo que é suficiente para a nossa salvação é de fácil compreensão (veja Atos 4.13), o que a fé Reformada chama de doutrina da perspicuidade.

Hoje, não existe mais inspiração, pois a Palavra está completa e não de pode ir além daquilo que ela fala, tampouco acrescentar-lhe mais informação alguma (Gálatas 1.8,9; Apocalípse 22.18,19), mas a iluminação do Espírito Santo como Calvino, o Reformador de Genebra, afirma: é necessário que o mesmo Espírito que falou pela boca dos profetas penetre em nosso coração, para que nos persuada de que eles proclamaram fielmente o que lhes fora divinamente ordenado[9].

Aqueles que não creem na inspiração da Palavra a têm como mera abstração, uma produção literária que não tem valor para regrar nossas vidas. Quantas vezes você ouviu pessoas dizendo que a Bíblia precisa ser revista e se adequar a nossa cultura? Jesus diz que a sua Palavra jamais passará (Mateus 24.35), assim como todas as culturas terão acesso a sua doutrina, pois Jesus manda seus discípulos fazer discípulos em todas as nações. Não é a Bíblia que deve se adaptar a nós, assim como não é Deus que deve servir aos nossos intentos, mas, radicalmente, o contrário. É possível que não entendamos plenamente alguns textos das Escrituras, mas o problema não está nela, mas em nós e nas nossas limitações intelectuais.

Aqueles que creem na inspiração da Bíblia precisam tê-la como única regra de fé e moral, dessa maneira, nossas dúvidas em quem devemos crer, como cultuar a Deus ou como devemos proceder devem ser respondidas pela sabedoria divina da Palavra. Dessa forma, aquele que deposita na Bíblia possui um ganho, uma vantagem (ὠφέλιμος) diante daqueles que não creem, pois tem um instrumento seguro de ensino, repreensão, correção e instrução na justiça.

O ímpio perde em relação ao cristão, porque, confiando em seu coração, utiliza um instrumento falível e pouco confiável (Jeremias 17.9) ou a interpretação da vida que outros ímpios têm. Devido a graça comum às vezes conseguem resvalar na verdade, mas nunca se aprofundam nela com propriedade, porque toda verdade vem de Deus.

R.C. Sproul afirma:

Como criaturas caídas nós pecamos, erramos e estamos inerentemente deformados no que diz respeito à retidão. Quando pecamos precisamos ser repreendidos. Quando erramos, necessitamos de correção. Quando nos achamos deformados, devemos ser educados. As Escrituras funcionam como nosso principal repreensor, nosso principal corretor e educador[10].

Aquele que crê na inspiração das Escrituras e é submisso a sua pedagogia nela proposta, ou seja, passa pelo seu ensino, repressão, correção e educação na justiça tem mudanças na sua personalidade, porque o objetivo (ἵνα) da Palavra é a adaptação do homem de Deus aos padrões da Palavra que glorificam ao Senhor. Paulo mostra a Timóteo que o Cristão possui um antes e um depois em relação à Bíblia, pois antes de nossa conversão estávamos em total desacordo com a vontade divina, porque, como o Apóstolo dos Gentios afirma aos Efésios: “todos nós também caminhávamos entre eles, buscando satisfazer as vontades da carne, seguindo os seus desejos e pensamentos; e éramos por natureza destinados à ira” (Efésios 2.3). Perceba que o próprio Paulo se inclui nesse nefasto caminho mesmo imerso na extrema e radical do farisaísmo, mostrando que a mera religiosidade superficial não é capaz de agradar o Senhor.

O ímpio, destituído da Palavra iluminada pelo Espírito Santo, jamais observará as orientações da Revelação Específica a fim de se adequar à vontade daquele que o chamou da morte para a vida, por isso, apenas o homem de Deus (o convertido, o eleito) observará a santa doutrina e a servirá não com o intuito de ganhar nada, porque já foi agraciado com a salvação eterne com bênção sem medida advindas das mãos providentes do Criador, mas por gratidão por tudo o que recebeu e tem recebido.

Essa adaptação/habilitação (a ideia de perfeição nesse texto exposta no termo ártiosἄρτιος) do Cristão para com a Palavra deve ser percebida de forma prática, por isso, Paulo defende que, apesar de não sermos salvos pelas obras para não nos gloriamos diante de Deus (Efésios 2.9), somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas (Efésios 2.10). Tiago é mais enfático ao entender que a fé só pode ser vista e acompanhada pelas obras (Tiago 2.18) a ponto de afirmar: “a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tiago 2.17). Portanto, vemos a adaptação do homem a vontade de Deus pelas boas obras que o homem só pode produzir adequadamente em consonância com os pressupostos bíblicos. João Batista adverte que existe um machado posto a raiz para cortar aqueles que não produzem frutos de arrependimento (Mateus 3.10).

A grande armadilha das obras está em querer angariar bens além morte (como pensam os espíritas que transformam a caridade em moeda de troca para bens futuros), contudo ninguém será mais salvo ou menos salvo pelas obras que praticou, porque esse não é o objetivo das obras. Outros querem, por meio delas, angariar bens temporais e o prestígio dos homens, contudo a Bíblia afirma que a mão esquerda não pode saber o que faz a direita, quando essa dá esmola (Mateus 6.2-4).

Portanto, quando alguém lhe perguntar qual a verdadeira bússola que é capaz de orientar a vida do homem. Saiba a Palavra é imprescindível, porque ela é exalada de Deus, oferece uma pedagogia infalível e é capaz de mudar nossa conduta.



[1] CALVINO. J. Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p.82 (L 1, Cap. 7)
[2] Ibidem, p.82.
[3] MATOS, A.S. Fundamentos da Teologia Histórica. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 39,40.
[4] Quaestiones in Heptateucum, 2,73.
[5] MAIA, H.M.P. A Inspiração e Inerrância das Escrituras: uma perspectiva Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p.96,97.
[6] BERKHOF, L. Manual de Doutrina Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, p.37.
[7] Ibidem, 37.
[8] Ibidem, p.37.
[9] CALVINO. J. Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p.85 (L 1, Cap. 7)
[10] SPROUL, R.C. O Conhecimento das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p.24.

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