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quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Entre Borboletas e Mariposas




Entre Borboletas e Mariposas

Domingo estava um calor terrível e, por isso, enquanto terminava o meu esboço (gosto de preparar o esboço no domingo para que as ideias do meu sermão estejam vivas em minha memória) abri a porta em busca de ar e frescor. Era final da tarde e a luz começava a declinar e, sem que eu percebesse, entrou em minha casa uma mariposa noturna ou borboleta bruxa. Tentei expulsá-la atirando papeis nela, mas pela minha péssima pontaria ela continuou ilesa entronada no canto superior da parede da sala. Quando retornei da igreja, continuei tal como Dom Quixote e os moinhos de vento. Fracassava sempre que a perseguia. Ela ganhava por ser pequena e eu grande, voar e eu andar. Não acalento nenhuma superstição contra esses insetos, mas prefiro distância deles talvez por medo tolo e ojeriza.

Como na história de Machado, lutava, lutava e lutava com pouca vantagem. Porém aprendi algo com aquela intrusa do meu lar: ela sempre encontrava o lugar mais escuro e confortável para sua natureza. Aquele lepidóptero (nome científico das borboletas e mariposas) camuflava-se na penumbra e sempre se tornava imperceptível. Fiquei pensando como somos parecidos àquela mórbida criatura. Fora uma lagarta como as outras, comera das tenras folhas de um quintal ou de uma horta. Toleram-na com a expectativa de que saindo do casulo mostrasse cores exuberantes para como matreira artista pintar de cor furtiva a paisagem trivial. Como tantas outras lagartas chegou o dia em que suas pernas se tornaram pesadas e os folhas já não despertavam o apetite até que adormeceu e no féretro da crisálida como pupa continuou aguardando o dia em que veria a luz novamente.

Quando saiu de seu funesto recanto, não despertou a atenção das pessoas a suas asas que sempre ficavam abertas mostrando um quadro sinistro que lha afastava do convívio das demais borboletas. A luz, outrora amiga, porque deixava as folhas mais verdes e vistosas, passou a ser um mortal empecilho, porque a tornava vulnerável desmanchando a sua camuflagem e a expondo-lhe ao juízo da luz.

Percebi como essa borboleta era uma metáfora da nossa condição. Igualmente, nascemos trazendo em nossa boca o sabor amaríssimo do fruto que a Adão lhe era vedado comer e, em nosso corpo, a morte, assim como, a deteriorada imagem divina (Gênesis 5.3). Caro leitor, saiba que éramos tão imprestáveis como aquele inseto perturbador da minha tarde. Estávamos em até pior condição, porque enquanto ele serve de alguma maneira o Criador mesmo em sua condição funesta, encontrávamo-nos mortos em nossos delitos e pecados (Efésios 2.1) capazes unicamente de apresentar repugnante espetáculo de alguém que se putrefazendo, desmancha-se em um caos moral.

Assim como seria um milagre indescritível que ao acordar pela manhã encontrasse aquela mariposa com asas abertas (como as borboletas) em tons azuis procurando a luz. A graça fez assim a nós, fugíamos de Deus e desdenhávamos de seu poder soberano, buscávamos, de forma inútil e pueril, a mais confortável sombra onde nossas misérias poderiam ficar escondidas dos olhos dAquele que tudo vê (Provérbios 15.3). Mas nesse terno e irresistível chamado do Senhor a uma nova vida nos fez filhos da luz.

Como John Newton (1725-1807) podemos dizer que éramos cegos, mas agora vemos. Contudo precisamos ficar atentos ao nosso coração, porque mesmo regenerado ainda nos influencia o desejo de buscar as antigas sombras em que cultivávamos perdição e morte. Dessa maneira, precisamos andar continuamente no Espírito para não cedermos a esses desejos vis (Gálatas 5.16), porque o sublime advogado nos persuadirá a reconhecermos nossos pecados (João 16.8). Conta a história Romana que Caesar Marcus Aurelius Antoninus Augustus, o imperador Marco Aurélio (121-180), quando caminhava para a multidão dos comuns trazia junto de si um criado que tinha a única função de sussurrar em seus ouvidos a frase: “você é apenas um homem”. Temos maior dádiva, porque Aquele que pairava sobre as águas quando a terra era sem forma e vazia nos diz que somos pecadores redimidos.

Se nossa primeira pupa foi o ventre materno, uma segunda crisálida se formará e nessa fatal letargia seremos levados a passos calmos ao mármore frio que nos vedará a derradeira luz. Nesse dia, para onde iremos? As borboletas alçarão as alturas do paraíso, as mariposas submergirão nas escuridões infernais. Quando a trombeta soar como ressurgiremos? Assim como todas as lagartas sairão do casulo todos ressuscitaremos, mas de maneiras extremamente diferentes (Daniel 12.2). Apesar das nossas obras não terem o poder de nos salvar (Efésios 2.9), elas têm o incrível poder de mostrar o quando somos borboletas e o quanto vivemos como mariposas. Mesmo que a mariposa noturna não tenha escolhido sua condição suas atitudes se harmonizam com sua natureza.


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