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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O que é pecado para a morte?

O que é pecado para a morte?

“Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue”. (1João 5.16)

Segundo Carson et al (Introdução ao Novo Testamento, 1997, p.500) a Primeira Epístola de João (o evangelista filho de Zebedeu) foi escrita no início dos anos 90, quando estava em Éfeso, com o propósito, segundo Gundry (Panorama do Novo Testamento, 1981, p. 401), de “fortalecer seus leitores no conhecimento, na alegria e a na certeza da fé cristã (1Jo 1.3,4 e 5.13), em contraposição ao falso doutrinamento (1Jo 2.1 e 4.1)”.
Enquanto, nas outras duas epístolas, João apresenta claramente seus destinatários (na segunda, “à senhora eleita e aos seus filhos” (2Jo 1.1)e, na terceira, Gaio (3Jo 3)), na primeira, não há um destinatário específico, tampouco uma saudação específica. Contudo, segundo Ladd (Teologia do Novo Testamento, 2003, p.812) reconhecemos que se trata de igrejas que foram atingidas pela ação de falsos profetas (1Jo 4.1), que vinham promovendo cisma (1Jo 2.19) e reivindicavam uma iluminação especial (1Jo 2.20,27).
A partir de 1João 1.8-10, Ladd defende que esses falsos profetas entendiam que atingiram “um estado superior à moralidade cristã comum” e, por isso, alegavam não ter mais pecado. Nesse momento do primeiro século, havia um gnosticismo nascente (o gnosticismo só se tornou um movimento religioso no segundo século), o qual, segundo Lopes (Primeira Carta de João, 2004, p.12), afirmava que o espírito é bom e o corpo é mau, nessa perspectiva dualista, “a salvação consiste em a alma fugir da prisão que é o corpo, e isto se consegue por meio de um conhecimento (gnosis) secreto e especial”.
Essa doutrina gnóstica embrionária levava ao docetismo (heresia que acreditava que Jesus era apenas Deus/espírito e apenas pareceia (o vergo grego dokeo=parecer) homem, assim como a conduta moral distorcida.
Os gnósticos se dividiam entre aqueles que viviam uma vida ascética e austera eliminando tudo que fosse material (tudo o que é secular é mau) e entre aqueles que entendiam que o pecado era essencialmente material e manchava apenas o corpo não afetando o espírito.
Assim como nos nossos dias João vivia em uma sociedade pagã que buscava de forma desenfreada “a satisfação dos prazeres sensuais” (Ladd). Para esse contexto pré-gnóstico, João combate o antinomismo (achar que não se precisa seguir a lei de Deus), mostrando que afirmar não ter pecado é fazer Deus mentiroso (1Jo 1.8). Indica um caminho ao pecador: e aquele que pecou pode confessar seus pecados sabendo que Deus perdoa e purifica (1Jo 1.9). Como afirma Lopes (Primeira Carta de João, 2004, p.42), assim como David (Sl 51.2), os verdadeiros crentes, quando se vê prostrado pelo pecado, “desejam ardentemente ser purificados, lavados e limpos por meio do perdão de Deus”. Dessa maneira, João afirma que o pecado é a transgressão da lei (1Jo 3.4). Há quem possa argumentar que se nossa salvação é pela graça qual o valor que as leis têm para nós, contudo as leis do Antigo Testamento, sobretudo as morais (os dez mandamentos da Lei) “não são contrários a graça do Evangelho, mas suavemente se harmonizam com ela, pois o Espírito de Cristo submete e habilita a vontade do homem a fazer livre e alegremente aquilo que a vontade de Deus, revelada na lei, requer que se faça” (CFW, XIX, 7. Veja Gl 3.21; Ez 36.27, Hb 8.10)
Parece que ao afirmar que escreve para que os destinatários não pequem (1Jo 2.1), que pecador é do diabo (1Jo 3.8) ou que o que é nascido de Deus não peca (1Jo 5.18). João não está se contradizendo, antes defende que o regenerado não pode continuar com a vida mundana que outrora levava. Dessa maneira, João mostra que aquele que está em Cristo (o eleito) não vive na prática de pecado, mesmo que lute contra ele (1Jo 3.6). A Confissão de Fé de Westminster (CFW): “esta corrupção da natureza persiste, durante esta vida, naqueles que são regenerados; e embora seja ela perdoada e mortificada por Cristo, todavia tanto ela como os seus impulsos são reais e propriamente pecado” (VI, 5)
O membro de igreja que após a sua conversão vive uma vida dupla ou em uma vida condumaz de iniquidade equivocou-se quanto a sua regeneração e precisa passar pelos passos de Mateus 18.15-20. Nesse caso, essas pessoas que viviam em pecado eram aquelas que acreditavam que a igreja servia apenas para a salvação de suas almas e que seus corpos poderiam ser entregues ao pecado sem dano algum.
Sabendo que 1João 5.13-21 é um resumo de toda a epístola, vemos que João mostra que existem dois tipos de pecado: o que não é para a morte e o que é para a morte. De forma alguma, se pode ver nesse versículo a antiga ideia romana de pecado venial e mortal ou leve e grave, pois, apesar do salário do pecado ser a morte (Rm 6.23), só há um pecado que não tem perdão, a apostasia (Mc 3.29), por isso, só se reconhece aquele que peca para a morte não a partir de uma atitude, mas de um amplo conjunto delas.
Segundo Gundry (Panorama do Novo Testamento, 1981, p. 402) o pecado para a morte de 1 João 5.16,17, “provavelmente alude à apostasia definitiva, sobre o que somos advertidos na epístola aos Hebreus e na qual vinham caindo os mestres gnósticos, com o resultado de uma irrevogável condenação”. Calvino (Comentário das Epístolas Gerais, 2015, p.486) entende que esse pecador, cuja impiedade parece estar destituída de esperança não merece a intercessão da igreja, como se essa quisesse ser mais misericordiosa que Deus. Orar para a conversão do apóstata é tão impensável quanto orar pela conversão de Satanás.
Portanto, não podemos interpretar adequadamente 1 João 5.16,17 distante do contexto da Primeira Epístola de João. O Apóstolo estava lidando com o problema da apostasia, motivada pelo início do gnosticismo, ou seja, existiam irmão da igreja que, com a pretensa autorização do Espírito Santo viviam uma vida dissoluta, enquanto outros lutavam contra o pecado e se mantinham fieis a cristo. Estes pecam, mas não para a morte (entenda morte como morte espiritual, eterna, condenação final) e a esses a igreja devia orar, mas aqueles e todos os que os seguiam pecavam para a morte e a estes a igreja não devia orar. João está mostrando que a nossa congregação deve estar preocupada com seus membros e aqueles que estão com a Palavra desembanhada no campo de batalha e não se preocupar com as muitas baixas, porque tudo está debaixo da soberania de Deus.

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