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sábado, 25 de julho de 2015

Eu quero ter um milhão de amigos?


Eu quero ter um milhão de amigos?
Qual foi o momento em que o amigo passou a ser um ícone na tela de um computador?
O conceito de amizade e relacionamento sofreu sérias influências dos avanços tecnológicos, pois há uma necessidade de ser ter muitos e muitos amigos e até seguidores, todavia, nessas amizades superficiais, os supostos relacionamentos não suportam as adversidades e as opiniões contrárias. Nunca se teve tantos amigos presos nos ícones coloridos e felizes emoldurados pela tela de LED, mas nunca se viu tanta solitária e carente de contato humano. No muito pragmático, em que vivemos, anseia-se por construir muitas e muitas amizades, mas que podem ser desligadas ou excluídas sem grandes confrontos e desgastes pessoais. O pragmatismo fez o amigo se tornar um ícone manipulável. A amizade virtual foi forjada por uma geração que tem medo do outro, mas continua tendo necessidade de se relacionar.
O ser humano é essencialmente um ser social, que se relaciona, porque, criado a imagem e semelhança do Deus (Gn 1.26), uno e trino, ou seja, do único Deus que vive em relacionamento perfeito entre as pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo, é angustiante e doentio ao homem caminhar sem o convívio dos outros. Aristóteles afirmava: “fica evidente, pois, que a Cidade é uma criação da natureza, e que o homem, por natureza, é um animal político [isto é, destinado a viver em sociedade], e que o homem que, por sua natureza e não por mero acidente, não tivesse sua existência na cidade, seria um ser vil, superior ou inferior ao homem. Tal indivíduo, segundo Homero, é “um ser sem lar, sem família, sem leis”, pois tem sede de guerra e, como não é freado por nada, assemelha-se a uma ave de rapina” (Política, Lv I, Cp. 1).
Tal como Isaías, devemos reconhecer: “sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios” (Is 6.5) e, por causa dessa realidade de depravação total (ou radical) todos os nossos relacionamentos nos são árduos desafios, porque esperamos o que o outro não pode ou não quer nos dar e, igualmente, nos oferecemos com diversas cautelas.
Dessa maneira, Salomão afirma: “como o ferro com o ferro se afia, assim, o homem, ao seu amigo” (Pv 27.17). Assim como um instrumento precisa estar com suas cordas esticadas de tal maneira que produzam um som agradável e as facas precisam ser gastas na pedra para ter um corte eficiente, os relacionamentos nos ensinam mutuamente sobre nos mesmos. Todos os embates que temos com o outro envolvem pecados nossos ou pecados alheios, que precisam ser mortificados em Cristo Jesus.
Quando nossa geração optou por um relacionamento mediado pelas redes sociais, eliminou muito dessas adversidades, porque o surgimento dos problemas foram resolvidos com a fuga, ou seja, excluir do meu rol de amigos determinada pessoa, mas se perdeu muito em crescimento pessoal.
No momento em que convivemos apenas com indivíduos que pensam a nossa maneira, falam apenas aquilo que queremos ouvir (futilidades), construímos um mundo previsível, impenetrável, mas uma realidade que dificulta nossos aprendizado e crescimento, porque aprendemos imitando, crescemos ao sermos confrontados. Apenas quando os músculos são ofendidos pelo movimento repetido e doloroso é que se enrijecem e ganham volume. Músculos ociosos atrofiam. No instante em que afiamos e nos deixamos a afiar pelo outro, é que nos construímos e ajudamos a construir pessoas melhores.
Em nossos dias, as pessoas querem ter seguidores, mas, ao almejarmos que as pessoas nos sigam, limitamos nosso interesse de seguir alguém e de nos colocar a serviço do outro. Jesus não vivia, tampouco pregava em busca de seguidores, apesar de chamá-los e tê-los, pois ao se revelar como o pão da vida muitos deixam de segui-lo, todavia não titubeou em convidar os doze a seguir o mesmo caminho (Jo 6.66,67). A amizade cresce no solo fértil da verdade. Apesar de ser o caminhos, a verdade e a vida (Jo 14.6), Jesus não se portou jamais com um tirano, mas sendo Mestre e Senhor a quem todos devem seguir, instantes antes de morrer, tomou a toalha e, como um escravo, lavou os pés daqueles que tinha por amigos (Jo 15.15).
O amor de Jesus é o maior amor que existe, porque ela dá a vida pelos seus (Jo 15.13), todavia há uma condição para ser amigo de Cristo: fazer aquilo que ele manda (Jo 15.14). O Senhor nos mostra que o vínculo da amizade se constrói sobre o perdão, pois, em Jo 21.15-18, Jesus trata com ternura a Pedro que o negara.
Atualmente, é comum alguém ter milhões de amigos, satisfazendo o antigo desejo de Roberto e Erasmo na música Eu quero apenas. Aristóteles na Ética a Nicômaco (Lv VIII, Cap. 6) afirma que os mais velhos não se firmam facilmente em amizade, mas trabalham e conservam aquelas que se tem. Segundo o filósofo de Estagira, a amizade precisa de tempo e empenho. Ser amigo de alguém é se tornar responsável por outra pessoa, assim como a raposa disse ao Pequeno Príncipe “Tu te tornas eternamente responsável, por aquilo que cativas” (Antoine de Saint-Exupéry, Cap XXII, p.39).
Salomão afirma em Provérbios: “O homem que tem muitos amigos sai perdendo; mas há amigo mais chegado do que um irmão” (Pv 18.24). Não adianta nada ter muitos amigos se não se pode contar com nenhum deles nos dias maus. Na multidão de amigos, poucos serão aqueles que ficarão presentes quando a única coisa a fazer é ajudar. Dos doze discípulos apenas o amado fica ao pés da Cruz.

Os atuais moldes de amizade produzidos pela cultura digital ampliaram de maneira jamais pensada os horizontes para conhecer e se comunicar com o outro por mais longe que ele esteja, todavia limitou os laços interpessoais, a conversa franca e até mesmo a discussão construtiva que sempre existiu entre amigos. Se Jonatas fosse apenas um ícone na tela de Davi, jamais teria chorado por ele e amparado seu filho na necessidade. Dessa maneira, devemos querer ter amigos sinceros, mas ter um milhão não é um bom negócio.

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