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sexta-feira, 20 de março de 2015

O JUGO DESIGUAL E SUAS IMPLICAÇÕES


O jugo desigual e suas implicações
Segundo Dean Ulrich (2011, p.71), o povo de Israel tinha duas missões: ser um exército santo que exerceria disciplina sobre o povo cananeu, porque o cálice da ira de Deus havia transbordado (Gn 15.13-16) diante de todas as idolatrias e depravações empreendidas por eles, assim como não se contaminar com casamentos mistos. Entretanto, quando olhamos a genealogia de Jesus, vemos duas uniões, aparentemente, mistas: Salmom com Raabe e Boaz com Rute.
Raabe era uma prostituta de Jericó (Js 2.1) e Rute uma mulher moabita, que até a décima geração não poderia entrar na congregação do Senhor (Dt 23.3). De fato, se a base do casamento misto fosse racial, essas mulheres não poderiam ser tomadas como esposas por israelitas piedosos, tampouco compor a descendência do Salvador. Todavia, “embora Israel devesse manter a pureza moral e de culto, bem como eliminar os cananeus, é preciso salientar que a base para a separação era TEOLÓGICA e não racial (ULRICH, 2011, p. 74, grifo nosso).
Vemos que tanto Raabe, quanto Rute, apesar de terem vivido em terras pagãs e praticado a idolatria, um dia ouviram (Js 2.9-11) sobre os feito gloriosos de Deus e foram chamadas da morte para a vida. O próprio Abraão serviu outros deuses em Ur dos caldeus (Js 24.2), porém, diante da ordem Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção”. (Gn 12.1,2) obedeceu.
Dessa maneira, o povo de Deus não tem como fundamento um laço sanguíneo, muito menos integrar o rol de membros de uma igreja, mas escutar as palavras do Senhor e colocá-las em prática (Mt 7.24; Lc 6.49), porque “quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus” (Jo 3.21). Carson (2007, 209), comentando João 3.10-21, afirma que a fé simples, despreparada e incondicional levou os israelitas a se voltarem para a serpente de bronze no deserto (Nm 21.8,9 compare com Jo 3.13-18) e essa mesma  fé deve levar o cristão a buscar Jesus e é “por intermédio de tal fé, e tal fé somente, alguém pode experimentar o novo nascimento (Jo 3.3,5) e assim ganhar a vida eterna (Jo 3.15,16)”.
Raabe demonstrou essa fé simples quando “recebeu os espias com aquela hospitalidade que punha em risco sua vida” (CALVINO, 2012, p.325) e pediu misericórdia para si e para a casa de seu pai. Rute evidencia sua fé quando busca o Deus de Noemi como o seu Deus (Rt 1.16; 2.12) e encontra refúgio em suas asas. Cundall e Morris (1986, p.244) entendem que a decisão de Rute, apesar de moabita, viúva, sem filhos e ainda em idade para se casar até mesmo com bons partidos seguir uma senhora, igualmente viúva, sem filhos, para uma terra que só ouvira falar e assumir o seu Deus como o seu deus mostra que apesar de sua fé não ser bem fundamentada era real.
Se alguém perguntasse para Paulo entre 59 e 60 d.C. (data em que escreveu as cartas de Colossenses e Filemon em Roma) sobre a fé de Demas, provavelmente, diria que era um rapaz comprometido, pois o reconhece como seu cooperador junto de Marcos, Aristarco e Lucas. Boor (2006, p. 74) entende que a falta de elogios a Demas na carta aos Colossenses (escrita no mesmo período) talvez revelasse que ele continuava cooperando, mas sem a mesma ênfase. Contudo, a fé de Demas , tal como a semente que cai nos espinhos (Mt 13.22), não suportou os cuidados do mundo e suas fascinações e, por essas quimeras apostatou. Calvino (2009, p.281) afirma: “ele não podia ficar com Paulo sem se envolver em muitos problemas e humilhações e até mesmo com o real risco de sua vida, ficava exposto a muitas repreensões, insultos, era forçado a renunciar os cuidados dos próprios interesses” e, por isso, temos a constatação de Paulo: Demas, tendo amado o presente século, me abandonou e se foi para Tessalônica” (2Tm 4.10a).
Por outro lado, se alguém visse a ficha policial do ladrão crucificado ao lado de Jesus, afirmaria que ele não era um escolhido antes da fundação do mundo (Ef 1.4), porém, no alto da cruz, reconhece seus pecados (Lc 23.41) e busca a Jesus: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino” (Lc 23.42). Rienecker (2005, p.299) afirma: o malfeitor na cruz superou a muitos outros em clareza de percepção, em força de fé e em ousadia de testemunho”, nem o “corajoso” Pedro foi tão audaz para discípulos do sumo sacerdote, uma criada, servos, guardas e pessoas que se esquentavam (Jo 18.15-18, 25-27).
Dessa maneira, quando Paulo orienta que os cristãos devem se casar no Senhor (1Cor 7.39), mostra primeiro que não é lícito que o crente se vincule com o incrédulo, mas também que o temor do Senhor deve ser o alicerce pelo qual deve se começar a vida conjugal (CALVINO, 2003, p.245,246). Há muitos crentes que se casaram com outros crentes, as lutas cotidianas alteram suas prioridades e, em algum tempo, estão vivendo como uma família ímpia, mas como uma casca religiosa que apenas mostra uma fé superficial e sem efeitos na vida prática. Contudo para saber quem é crente e quem é incrédulo é necessário muito mais da habitual análise burocrática (Qual igreja pertence?, Fez pública profissão de fé?, Qual seu ministério na igreja?), precisa-se conhecer os hábitos e prioridades. O Jovem rico tinha uma vida bastante piedosa, mas quando foi obrigado a priorizar Jesus e se desfazer de suas riquezas não foi capaz (Lc 18.18-23), todavia Mateus não se importou em deixar a coletoria (Mt 9.9)
Em 2 Coríntios 6.14, Paulo afirma que toda sociedade do crente com o incrédulo é “jugo desigual”, o que evoca a metáfora de dois bois, cavalos ou burros atados pela mesma canga e tendo que puxar a mesma carga. Uma canga desigual obriga um a levar aior peso do que o outro e é exatamente isso que acontece com o crente, pois tem a responsabilidade de glorificar a Deus em todas as áreas de sua vida, enquanto o ímpio só possui compromissos com os ídolos de seu coração. Calvino (2008, p.177) entende que “prender-se a jugo desigual com os incrédulos significa nada menos que manter comunhão com as obras infrutíferas das trevas (Ef 5.11) e estender-lhes a destra aos incrédulos como emblema de companheirismo”.
Os casamentos mistos têm o poder de corromper pessoas sábias e comprometidas como Salomão, que, velho, por influência de suas mulheres ímpias, seguiu Astarote (deusa dos sidônios), a Milcom (deus amonita), edificou santuário a Camos (deus moabita que exigia sacrifícios humanos. Veja 2Rs 3.26,27) e Moloque (deus amonita que exigia sacrifício de crianças) (1Rs 11.4-8). Neemias descreve Salomão e seu pecado da seguinte maneira: entre muitas nações não havia rei semelhante a ele, e ele era amado do seu Deus, e Deus o constituiu rei sobre todo o Israel. Não obstante isso, as mulheres estrangeiras o fizeram cair no pecado” (Ne 13.26).
O jugo desigual não é pernicioso apenas no casamento, mas em todas as relações em que o crente possa empreender junto ao ímpio. Um exemplo é o sacerdote Eliasibe, porque, enquanto o povo, diante da orientação bíblica, procurava apartar todo elemento estrangeiro, ele, encarregado dos depósitos, cedera uma grande sala no templo que era destinada a depositar as ofertas de manjares, o incenso, os utensílios e os dízimos dos cereais, do vinho e do azeite, que se ordenaram para os levitas, cantores e porteiros, como também contribuições para os sacerdotes para Tobias, amonita que não se agradou que alguém procurasse o bem do povo de Israel (Ne 2.10), zombou do povo de Deus (Ne 2.19), subestimou a edificação dos muros (Ne 4.3), tentou matar Neemias (Ne 6.1), subornou profetas como Semaías e Noadia (Nm 6.10,12,14) e escreveu cartas para atemorizar Neemias (Ne 6.19). Tobias estava instalado no templo, porque era parente do sacerdote Eliasibe e esse era um ótimo lugar para influenciar de forma negativa os da tribo de Judá.
Tobias não temeu em jogar os móveis de Tobias, tomado por semelhante zelo com o qual o Senhor Jesus expulsou os vendilhões do tempo. Sempre que o povo adotou a doutrina de Balaão, ou seja, um relaxamento quanto a aproximação daqueles que não temem a Deus sempre ouve um esfriamento da fé (veja a igreja de Pérgamo em Ap 2.12-17) uma tendência a perversão mais intensa do que a praticada entre os ímpios.
Assim como é mais fácil ser puxado para dentro de um lamaçal do que tirar uma pessoa de dentro dele, é muito fácil o crente se desviar ao se casar “infiéis, papistas ou outros idólatras são notoriamente ímpios em suas vidas ou que mantêm heresias perniciosas” (Confissão de Fé de Westminster XXIV, 3). Contudo, acreditamos que existem pessoas que entram em um casamento misto e, com o tempo, a parte não crente, por fazer parte da igreja invisível, vem a se converter e ser um crente vigoroso, mas essa realidade não é uma regra, mas uma exceção. Na maioria dos casos, vemos pessoas que antes professavam uma fé viva se desviando do reto ensinamento da Palavra ou pessoas que suportam um peso desigual, porém buscam santificar suas famílias no testemunho e na oração.
A Igreja Presbiteriana do Brasil (SC-1942-031) é contrária ao casamento misto, porque entende que as Escrituras são específicas em salientar a inconveniência deles, todavia como a confissão se silencia sobre se pode ou não se impetrar a bênção matrimonial sobre casais mistos, sabendo que a cerimônia de casamento não é um sacramento, mas um culto intercessório onde os familiares do não-crente têm a oportunidade de conhecer melhor o evangelho, mesmo sendo inconveniente (CE-87-110) e se o casal almeja de fato a bênção do Senhor é lícito conferi-la, porém respeita “respeita o escrúpulo de pastores, conselhos e congregações que consideram inaceitável sobre casais mistos ou não evangélicos”.
Salmom e Boaz viram em Raabe e Rute a piedade externa de um compromisso interior com Deus. Da mesma maneira, os jovens crentes devem entender que a membresia eclesiástica não é um fator predominante para indicar que uma pessoa é de fato crente, pois todo crente fiel está em uma igreja fiel (prega a Palavra, administra os sacramentos e a disciplina conforme as orientações bíblicas), mas nem todos aqueles que estão em uma igreja fiel são de fato crentes. Jesus nos adverte que o joio deve crescer com o trigo até o juízo (Mt 13.30). Dessa maneira, nem todos os que estão arrolados no rol de membros de uma igreja são de fato crentes. No período do namoro, deve-se primar por conhecer acima de tudo as convicções religiosas do indivíduo, suas prioridades, sua cosmovisão.
Vestir o ímpio de crente não o faz piedoso. Muitos jovens tentam impor aos ímpios condições externas de piedade como ir à igreja, fazer o discipulado, fazer pública profissão de fé, etc, mas, assim como não se pode mudar a cor do etíope, tampouco as manchas do leopardo, o indivíduo acostumado ao mal não pode fazer o bem (Jr 13.23).


Um comentário:

  1. Muito bom este artigo!!!
    Quanto ao casamento misto corromper pessoas sábias, acredito que não apenas isso, como também a preferência da pessoa demonstra o descompromisso da pessoa com Deus, ou seja, traz à luz a corrupcao.
    Testemunho de que mesmo na minha "pior fase" de cristão eu não me aprofundava em jugo desigual porque sabia o quanto isso ia me destruir.

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