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sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Reduzir ou não reduzir: a educação e a a depravação total (parte 3 de 3)



Reduzir ou não reduzir: a educação e a a depravação total (parte 3 de 3)
Quantas vezes se ouviu: “a educação transforma”, “se construíssemos mais escolas, não precisaríamos edificar tantos presídios”. Essa ideia vem ao encontro do seguinte pensamento de Cesare Beccaria: “quereis prevenir os crimes? Marche a liberdade acompanhada das luzes. Se as ciências produzem alguns males, é quando estão pouco difundidas; mas, à medida que se estendem, as vantagens que trazem se tornam maiores”. Sob esse prisma, a educação (as luzes, as ciências) ganha o status de redentora, como se a criminalidade fosse fruto apenas da ignorância ou da falta de oportunidade no mercado de trabalho.
A ideia de que o sistema carcerário é capaz de ressocializar o indivíduo é um doce sonho iluminista de que o indivíduo é essencialmente bom e que a sociedade o corrompe e, por isso, tirando-o da sociedade e abrigando-o em um lugar ideal ele pode se desvencilhar de seus antigos comportamentos.
O maior expoente desse pensamento é Jean Jaques Rousseau (1712-1778) que, no Discurso sobre a desigualdade, defende a existência de dois tipos de desigualdade entre os homens: a física (imposta pela natureza) e a moral (imposta pelas convenções humanas). O homem selvagem vive pelas suas paixões e não teme a morte e seus terrores de tal maneira que o mais virtuoso dos homens selvagens é o que menos resistia a sua natureza.
Rousseau afirma: “Os homens nesse estado [selvagem], não tendo entre si nenhuma espécie de relação moral nem de deveres conhecidos, não podiam ser bons nem maus, nem tinham vícios nem virtudes, a menos que, tomando essas palavras em um sentido físico, se chamem vícios, no indivíduo, as qualidades que podem prejudicar a sua própria conservação, e virtudes as que podem contribuir para essa conservação. Nesse caso, seria preciso chamar de mais virtuoso aquele que menos resistisse aos simples impulsos da natureza[1]”.
Dessa maneira, para Rousseau, o amor leva o homem físico ao sexo enquanto o homem moral a um contrato de casamento que estabelece meios para contê-lo, pois quanto mais intensa uma paixão mais se fazem necessárias as leis que a limitam[2], pois a própria lei civil veio subjugar a lei natural e fazendo gente honesta contar entre suas obrigações cortar o pescoço do seu semelhante[3].
Dessa forma, para esse iluminista francês, o homem nasce em desigualdades físicas, todavia a sua inserção na sociedade “modificam e alteram todas” as suas inclinações naturais. No âmbito da educação é o adulto que perverte a criança, por isso, no pensamento romântico de Rousseau, se o indivíduo puder se isolar dos vícios e mazelas da sociedade, desenvolver-se-á com mais dignidade.
Os teóricos Iluministas defendiam que a educação deveria ser democrática, laica e gratuita e Condorcet (1743-1794) propunha que se essa educação fosse difundida de forma universal diminuiria as desigualdades, mas como é comum até hoje entraves políticos levaram aqueles em melhores condições econômicas pagar por uma escola melhor.
Se a aquisição de conhecimento fizesse o homem melhor, as festas da Universidade de São Paulo não teriam tantos excessos, tampouco jovens universitários cometeriam crimes em trotes organizados para humilhar calouros. Se a distribuição de renda fosse suficiente para eliminara criminalidade, por que pessoas da classe média entram para a marginalidade com tanta frequência? Se a educação não partir da perspectiva da depravação total ela fatalmente funcionará como um frustrante paliativo para uma sociedade doente.
Alguns podem afirmar que não se pode submeter uma ciência (pedagogia) a um pressuposto religioso, todavia concordamos com o filosofo jansenista cristão Blaise Pascal (1623-1662) quando afirma: “a última tentativa da razão é reconhecer que há uma infinidade de coisas que a ultrapassam. Revelar-se-á fraca se não chegar a conhecer isso. É preciso saber duvidar onde é preciso, afirmar onde é preciso, e submeter-se onde é preciso. Quem não faz assim não entende a força da razão.
Enquanto os teóricos iluministas pregavam uma educação democrática, laica e gratuita que visava eliminar as desigualdades, Weber (1864-1920) afirma que “um simples olhar às estatísticas ocupacionais de qualquer país de composição religiosa mista mostrará, com notável frequência, [...] o fato de que os homens de negócios e donos do capital, assim os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmentedas modernas empresas, são predominantemente protestantes”[4].
Essa realidade se dá porque, para os Reformadores, como Lutero, “nenhum pecado exterior pesa tanto sobre o mundo perante Deus e nenhum merece maior castigo do que justamente o pecado que cometemos contra as crianças, quando não as educamos [...]. Para ensinar e educar bem crianças precisa-se de gente especializada”[5].
João Amós Comênius (1592-1670) pretendia que a educação fosse democrática capaz de oferecer sólido conhecimento aliado à piedade, pois afirma: “prometemos uma organização das escolas, através do qual [...] todos se formem como uma instrução não aparente, mas verdadeira, não superficial, mas sólida; ou seja, que o homem, enquanto animal racional, habitue-se a deixar-se guiar, não pela razão dos outros, mas pela sua, e não apenas a ler livros e a entender, ou ainda reter e recitar de cor opiniões dos outros, mas penetrar por si mesmo até o âmago das próprias coisas e a tirar delas conhecimentos genuínos de utilidade”[6]. O marxista Althusser, de forma míope, vê nessa pedagogia uma perspectiva inferior, que visa apenas perpetuar valores religiosos e incapaz de transformar o indivíduo, todavia muitas escolas que começaram ao lado de igrejas como Havard transformaram pessoas e influenciaram o mundo.
Lessa afirma que o Colégio Mackenzie (embrião da instituição que é hoje), diferentes das outras escolas de São Paulo do século XIX, não possuía distinção de cor ou raça, tampouco da religião de seus alunos, mas promovia a educação mista (meninos com meninas), com métodos modernos de educação, sempre adotando a Bíblia como livro básico[7], de tal maneira que o diretor da Escola Americana (Primeiro nome do Colégio Mackenzie) questionando sobre a presença da Bíblia aberta na sala de aula é interpelado pelo diretor que responde: “a bíblia tem estado aberta nessa escola desde o primeiro dia de sua abertura e, quando fechar-se fechar-se-ão as portas da Escola Americana”[8].
A educação pode redimir o homem se observa-lo da maneira correta, ou seja, partindo do pressuposto de que o homem está contaminado até a sua raiz pelo pecado e sua transformação efetiva se dá quando toma consciência de que é um pecador e que será, um dia, julgado por Deus segundo a justiça dEle (Jo 16.8). Portanto, se a educação não oferecer os verdadeiros elementos críticos que levam o indivío a buscar a Deus e desprezar as coisas desse mundo ela será sempre insuficiente.


[1] ROUSSEAU, J.J. A Origem da Desigualdade entre os homens. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000053.pdf. Acessado no dia 24 de dezembro de 2014, p.24.
[2] Ibidem, p. 26,27.
[3] Ibidem, p.38.
[4] WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito Capitalista, p.39.
[5] LUTERO in COSTA, H.M.P. Raízes da Teologia Contemporânea, p.86.
[6] Ibidem, p.115.
[7] LESSA, V.T. Anais da Primeira Igreja Presbiteriana de São Paulo, p.387.
[8] Ibidem, p. 137.

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