Um ídolo chamado
deus
Recentemente, assisti a um programa que tinha como proposta infiltrar
um ateu no meio evangélico de tal forma que ele fosse capaz de montar uma
igreja, mesmo sem nenhuma convicção religiosa. Apesar do ousado jornalista (o
renomado Fred Melo Paiva) não lograr êxito, foi assessorado por diversos
“evangélicos”, de pastores a pregadores de praça que lhe deram orçamentos de
som, cadeiras, noções de moda e até fizeram orações com o intuito de
convertê-lo por fins mágicos, todavia em nenhum momento alguém lhe disse que a
igreja é obra do Espírito Santo. Contudo prefiro cultivar a ingenuidade de que
tudo isso é culpa de uma edição ímpia e parcial que visava denegrir nossos
irmãos, mas, seu eu quisesse ser realista, diria que muitos “irmãos” não
aguentam a tentação de aparecer na mídia e que a câmera e os holofotes podem desempenhar
muito bem, para alguns, o papel da serpente em Gênesis 3.
Neste programa, a teologia da prosperidade foi abordada como se fosse
a única e a ideia transmitida foi de que toda a igreja protestante se resume a
homens e mulheres que garantem um bom espetáculo para o final de semana a
pessoas carentes e que precisam chorar litros e litros de lágrimas e sentir uma
dezena de arrepios para suportar os rigores do mundo moderno.
Devemos ter muito claro em nossas mentes que o deus cultuado nessas
igrejas, que vivem de espetáculos e amuletos, não é o mesmo Deus das Escrituras
Sagradas, apesar de ter o mesmo nome.
Atualmente, a negligência e o descaso, legitimadas por uma falsa “liberdade
religiosa”, têm criado ídolos, que ostentam indevidamente o nome do Senhor. Da
mesma forma, que os mulçumanos julgam adorar o mesmo Deus dos cristãos, mas não
conseguem, pois não acreditam que Jesus é o Messias o filho do Deus vivo
(Alcorão, 9:30), rebelando-se contra a Palavra, defensora de que só será salvo
quem confessar com a boca e o coração que Jesus é o Senhor e crer em sua
ressurreição (Rm 10.9), assim, da mesma forma, muitos membros de igrejas que
carregam o nome de cristãs na prática não adoram o Senhor.
As pessoas têm talhado um ser divino a sua imagem e semelhança de tal
maneira que esse ídolo, chamado deus, carrega nossos piores defeitos e,
igualmente, nossos mais intensos medos. Não quero, como esse artigo, ser contra
a liberdade de religião e culto, que foi tão arduamente conquistada por irmãos
nossos no passado (haja vista que Tertuliano, no séc. II, foi o primeiro a usar
esse conceito), mas contra a libertinagem da religião e de culto que se
instalou em muitos púlpitos, o que abre o precedente para inúmeros cristãos
aplaudirem, com uma euforia inconseqüente, a entrada do mundo no igreja. Urge
ao povo evangélico compreender a verdade de Ageu 2.11-15: a santidade de alguém
pode não fazer o pecador santo, mas o pecado pode fazer o santo pecar da mesma
forma que uma fruta podre não é capaz de ser sanada pelas frutas saudáveis, mas
espalhar sua pestilência comprometendo a saúde das outras de forma radical.
Queremos nesse artigo expressar algumas premissas (falta de ensino
bíblico fiel; queda da soberania divina sem possibilidade de disciplina e a
distorção do culto para atender padrões humanos) pelas quais entendemos que o
deus cultuado em muitas igrejas, superficialmente cristãs, é um ídolo.
A Bíblia, em muitas
congregações, não é tida como a única regra de fé e prática. Infelizmente,
muitos irmãos apenas negam suas mãos à cigana quiromante, mas entregam-se
inteiramente àqueles que prometem revelar a vontade de Deus se autoproclamando
canais diretos do Criador. Todavia, quem assim procede, falando sem o alicerce
seguro da Palavra (1Tm 4.16), corre o risco de ser maldito ao ir além do
evangelho pregado (Gl 1.8) ou acrescentar às verdades reveladas suas próprias
verdades e, por isso, se fazendo merecedor da ira do Senhor (Ap 22.18). Isso
fica evidente quando uma pesquisa do jornalista Oswaldo Paião, editor da Abba Press &
Sociedade Bíblica Ibero-Americana, afirma que apenas 50,68% dos pastores nunca a leram a
Bíblia toda pelo menos uma vez.
É triste perceber que saímos da densa idolatria romana e da
infalibilidade papal traduzindo Bíblias e as colocando nas mãos do povo para
legarmos agora a mesma infalibilidade e algumas pessoas que falam segundo seus
corações. Essa tendência de deixar a Revelação Específica de Deus para se
associar às convicções mirabolantes de um grupo não é nova, pois, enquanto
Lutero estava exilado em Wartburg, homens da cidade de Zwickau, que se
consideram profetas, pregavam o abandono das Escrituras, pois recebiam a
inspiração direta do Espírito Santo.
Há quem afirme que “a Bíblia é a mãe de todas as heresias”, não porque
seja um livro falível, de modo algum podemos desconfiar de sua inerrância, mas
porque muitos formulam suas práticas religiosas segundo versículos isolados,
textos distorcidos ou lidos de forma superficial. Uma porção da Palavra deve
ser lida exaustivamente, compreendida à luz de toda a Escritura Sagrada e ser
comparada à visão de outras pessoas que tomaram o mesmo processo de
interpretação, pois “o caminho do insensato aos seus próprios olhos parece
reto, mas o sábio dá ouvidos aos conselhos” (Pv 12.15).
Gordon D. Fee e Douglas Stuart, professores do Gordon-Conwell, afirmam
que “o alvo da boa interpretação é simples: chegar ‘ao sentido claro do texto.’
E o ingrediente mais importante que a pessoa traz a essa tarefa é o bom-senso
aguçado. [...] A interpretação correta [...] traz alívio à mente bem como uma
aguilhoada ou cutucada no coração”. Dessa maneira, toda interpretação bíblica, que
seja extremamente original deve ser revista com critérios mais rígidos.
Muitas igrejas têm fechado suas Escolas Bíblicas Dominicais e Reuniões
de Estudo Bíblico e Teológico e aderido a cultos com sermões sem foco e/ou
grandes momentos de espetáculos com música ruim e, algumas vezes, herética.
Essas igrejas se esquecem de que por falta de conhecimento o povo de Israel
caiu e mereceu ser exilado (Os 4.3). Muitos argumentam que a Bíblia é um livro
simples e que precisa ser lido apenas pelo Espírito. Segundo Richard L. Pratt
Jr, professor do Reformed Theological Seminary, é intensão do mesmo Espírito
que exista na Bíblia passagens que exijam mais empenho (veja Mt 13.10-13 e 2Pe
3.15,16). É evidente que a mensagem central das Escrituras é miraculosamente
simples e capaz de dar sabedoria aos humildes (Sl 19.7), o que a teologia
reformada chama de perspicuidade, todavia há textos que merecem atenção
redobrada.
A Bíblia não pode ser vista como um livro apenas humano ou divino, mas
“a Palavra de Deus dada nas palavras de (pessoas) na história” (George Ladd) e,
por essa razão, deve ser lida com empenho, rigor e contar com a iluminação do
Espírito que inspirou os autores do Texto Sagrado. O Rev. Augustus Nicodemus
Lopes, afirma: “como palavra de Deus, a Bíblia deve ser lida como nenhum outro
livro, mas, tendo sido escrita por homens, ela deve ser interpretada como
qualquer outro livro”.
Sem o devido conhecimento Bíblico as pessoas estão susceptíveis a
acolher as distorções da Palavra sem critério algum. No período apostólico,
Pedro relatava que indoutos e inconstantes distorciam os textos de Paulo, assim
como as demais Escrituras, para justificar seus pecados (2Pe 3.16). Segundo Simon
Kistemaker, os falsos mestres, por não valorizar a santidade das Escrituras,
torturam seu significado verdadeiro fazendo-o mentiroso àqueles que o escutam e
ocasionando condição de desvio (2Pe 3.17).
Precisamos estar conscientes de que há cristãos cedendo seus ouvidos,
mentes e corações para cada falso profeta que se levanta. Humanamente, é
desigual apresentar a graça de Deus aos homens enquanto igrejas infiéis
prometem em alta voz mudar seu laudo médico ou seu extrato bancário. Afirma-se
que o fato do cristianismo ter sobrevivido a infidelidade de muitos pastores ao
longo da história (uma minoria) mostra claramente seu caráter divino.
Essa realidade se dá pelo fato das pessoas não suportarem a sã
doutrina e se sentirem profundamente incomodadas com a mensagem fiel das
Escrituras. A pregação fiel mostra um Deus que salva apenas o seu povo, não é
conivente com o pecado, tampouco com o pecador contumaz e, por isso, buscam
aqueles pastores cuja pregação seja leve, os pecados não sejam apontados, mas
aceitos. (2Tm 4.4). Cada dia mais disciplinar parece absurdo às igrejas
modernas, as quais acusam as que assim procedem de agirem como um exército que
deixa para trás seus feridos.
Há muitas pessoas que enchem igrejas, mas a sede que buscam aplacar é
do deleite por ouvir uma boa música e ouvir palavras de conforto, mas deixam
intactos seus corações (Ez 33.32). Se fôssemos ao médico e, depois de um tempo
de remédios, dietas e consultas, continuássemos sentindo o desconforto da
doença mudaríamos de profissional. Entendemos que o pior tratamento seja aquele
que dê condições para a doença continuar se desenvolvendo, porém quantos buscam
igrejas que tratam precariamente do nosso mais arraigado e pior mal: o pecado.
A igreja que serve ao Deus vivo busca e acolhe o pecador, porém nunca o seu
pecado, pois, em todas as oportunidades, mostra que o caminho do pecado é
intransitável (Pv 13.15) e profunda rebeldia.
Portanto,
compreendemos que uma igreja possui três marcas: a pregação fiel da Palavra; a administração
dos sacramentos com fidelidade à Palavra e a disciplina em harmonia com a
Palavra, porque não há igreja onde não há Bíblia. Dessa forma, as congregações
em que não se vê a Palavra de Deus pregada e ensinada com fidelidade fazendo os
fiéis críticos; onde o a soberania de Deus é suprimida e o Senhor é transmitido
com os moldes de servo e, por isso, incapaz de disciplinar e onde a liturgia é
desorganizada ou inexistente pode-se adorar um deus, porém ele se tornou um
ídolo, construído ardilosamente pelo nosso coração, e que roubou a glória do
Senhor que, no devido tempo, mostrará o seu juízo quebrantando o seu povo de
tal forma que o justo viva pela fé (Hc 2.4; Rm 1.17).
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