O
domingo moderno
Os Titãs, em
1995, lançaram seu oitavo álbum que contava com o sucesso “Domingo”, música de
Sérgio Britto e Tony Bellotto. Esse sucesso relatava a angústia de um ímpio,
que, no domingo, não possuía nenhuma atividade, porque tudo estava fechado
apesar de não ser sexta-feira santa ou dia de finados.
Os
compositores de “Domingo” afirmavam que ninguém se acostumava com esse marasmo
que induzia as pessoas a confundir o domingo com a segunda, ou seja, toda a
indisposição desse dia atrapalhava o rendimento dos primeiros dias da semana. Em
menos de vinte anos, essa música perdeu todo o seu significado. Se um
adolescente ouvi-la não entenderá o seu sentido básico, porque confundimos a
segunda com o domingo e não o contrário.
Acabou aquela
ida ao mercado depois do expediente da sexta-feira, porque no final de semana
as opções seriam restritas. Hoje, temos opção de comércios abertos não só em
todos os dias, mas também, caminhamos para encontrar lugares que não fecharão
jamais, apear de as leis trabalhistas do nosso país autorizarem o trabalho
dominical nos comércios apenas mediante lei municipal e acordo coletivo (Lei no
11.603/07). O mundo nos vende a idéia de que nada pode parar, todavia essa
idéia não é bíblica e contribui em muito para a terrível realidade selvagem dos
nossos dias.
Deus, no
sétimo dia, “repousou” (Gn 2.2) e procedeu assim não porque precisava se
restabelecer, tampouco deixou o universo sem a sua divina assistência, porque
continuou sustentando a criação. O próprio Jesus afirma que ele e o pai
trabalham sem cessar (Jo 5.17), todavia, para que esse descanso fosse
devidamente respeitado, o próprio Criador o executou como exemplo. Essa ênfase
se faz necessária, porque, Deus, como criador de tudo que existe, sabe dos
limites físicos e psíquicos das obras feitas por suas divinas mãos.
O Senhor, que
“faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1.11), descansou
para mostrar que isso não é perda de tempo ou algo irrelevante. Segundo as
Escrituras Sagradas, tanto o homem, quanto a natureza precisam de um período em
que os trabalhos cessam para sua “manutenção”, no caso do ser humano, física,
psíquica e especialmente espiritual.
Segundo Laura
Balcom Simões, da Universidade de Araraquara, afirma que o trabalho excessivo
pode causar desde dores musculares a ansiedade e níveis de stress altíssimos e,
às vezes, com conseqüências irreversíveis. O excesso de trabalho e,
consequentemente, a negligência para com a orientação bíblica ao descanso, tem
aumentado 60% o risco do desenvolvimento de doenças cardíacas que podem levar a
morte, conforme publicação do European Heart Journal.
No deserto, o
povo de dura cerviz era devidamente abastecido pelo maná (Êx 16.31; Nm 11.7), o
pão do céu (Jo 6.31) apesar de sua constante murmuração. O povo possui duas
orientações para usufruir dessa bênção imerecida: não colher mais do que
precisavam e colher dobro no sexto dia para não o acharia no dia do descanso
(Êx 16.16, 24, 25).
Entretanto o
povo colheu mais do que deveria e o maná na manhã seguinte deu bicho e cheirou
mal, o que não aconteceu com o que fora colhido no sexto dia (Êx 16. 20,24).
Esse episódio
do deserto mostra como o Senhor pode fazer prosperar o que está de acordo co a
sua vontade e fazer degenerar aquilo que está em desacordo com sua Palavra (Dt
11.13-15). Da mesma forma, inúmeros cristãos duvidam que obedecendo ao Senhor
tenham bom êxito em suas vidas e insistem em agir ambiciosamente para se
precaver à providência, porque duvidam que o Senhor seja sempre providente. Só
os eleitos fieis experimentam que por mais de um mês Deus supriu suas dispensas
sem que tivessem de trabalhar, só os ímpios confiam apenas na força de seus
braços, nós confiamos em nosso Criador (Sl 20.7).
Quando
tratamos sobre o repouso bíblico, há duas posições rebeldes: alguns fazem pouco
caso, acreditando que todo trabalho secular lhes será benéfico, porém outros
são adeptos do ócio fazem do dia do Senhor um misto de vários vícios e uma
cultura propícia para o cultivo do pecado.
O repouso
bíblico não pode se confundir com o ócio e a preguiça. A Bíblia convida o
preguiçoso a ter com a formiga que é sábia em sua operosidade (Pv 6.6). O verbo
hebraico utilizado em Gênesis 2.2,3 é shabat (שָׁבַת) que, segundo o Dicionário Internacional de Teologia do Antigo
Testamento, significa cessar o trabalho e Derek Kidner, comentarista do livro
de Gênesis, afirma que o shabat “é o repouso da realização cumprida, não
inatividade, pois Ele [Deus] nutre o que cria”.
Deus, ao
instituir o dia sabático, o abençoou para mostrar que deve ser realizado e o
santificou para indicar como deve ser realizado esse repouso bíblico. O domingo
(Dia do Senhor), sábado cristão (1Cor 16.1,2; At 20.7; Ap 1.10), não é o dia destinado
à família, nem mesmo ao lazer, mas ao culto. O Senhor jamais abençoa seu povo
por meio do pecado, por isso, o passeio da família e o lazer inocente não
trarão proveito ao cristão se eles tiverem patrocinando a negligencia do dia do
Senhor e a rebeldia para com a clara instrução das Escrituras (Êx 20.8-11; Is
56.2,4,6).
Há maior
benção do que a família toda estar reunida na igreja adorando o Senhor? Há
maior paz do que se assentar e ouvir aquilo que Deus tem para a minha vida? Há
maior restauração do que orar pelos irmãos e receber a intercessão deles? Davi
afirma: “Oh! Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos!” (Sl 133.1).
Entendemos
que, em nossa cultura, profundamente influenciada pelo pragmatismo, todo
descanso é mal visto e ligado a perda de tempo. Vivemos em um mundo em que
existem muitas Martas, agitadas de um lado para o outro, ocupadas em muitos
serviços (Lc 10.40), as quais criticam as Marias, que domingo após domingo
estão na Escola Bíblia Dominical e Culto Solene (EBD), sentadas aos pés do
Senhor, todavia a nossa sociedade, inquieta e preocupada (Lc 10.41), repousa a
exortação do Supremo Mestre: “pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois,
escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10.42).
Não queremos afirmar que Deus é mais
bem adorado o culto é aceito em determinado lugar, pois Ele deve ser adorado em
todos os lugares (Ml 1.11; 2Tm 2.8) em espírito e verdade (Jo 4.23,24). A
Confissão de Fé de Westminster (XXI, 6) afirma que a adoração realizada na
família (Dt 6.7; Jó 1.5; At 10.2), diariamente (Mt 6. 11; Js 24. 15) em
secreto, sozinho (Mt 6. 6; Ef 6. 16) ou na assembléia pública. Contudo a
Confissão de Fé (XXI,6) defende que a universalidade do culto não oferece
motivo para o culto público seja “ser descuidadas, nem voluntariamente desprezadas
nem abandonadas, sempre que Deus, pela sua providência, proporcionar ocasião”
(Is 56.7; Hb 10.25; At 2. 42; Lc 4. 16; At 13. 42).
A música “Domingo” repetia em seu
refrão: “domingo eu quero ver o domingo passar”. Aos olhos humanos cada dia
mais esse dia perde suas características bíblicas, todavia confiamos que “resta um repouso
para o povo de Deus” (Hb
4.9). Só se abandonará nas mãos do Senhor na glória aquele que continuamente
descasou em sua providência. Esse descanso eterno nunca terminará para os
santos.
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