Tatuagem, o
transbordamento idólatra do velho homem
O costume de tatuar-se não é novo. Segundo García[1], o
registro mais antigo é de 5.300 anos em um corpo encontrado nos Alpes Italianos
e múmias de 4.000 anos, no Egito, também apresentavam desenhos nos corpos. A
palavra tatuagem vem de tatau, uma
onomatopéia (figura de linguagem de reproduz os sons) polinésia que reproduzia
os sons dos instrumentos usados para perfurar a pele e desenhar. O explorador,
navegador e cartógrafo da Marinha Real Britânica, James Cook (1728-1779) foi um
dos primeiros ocidentais a se submeter a tatuagem para entrar em contato com os
povos nativos do Taiti[2].
No passado, desenhos nos corpos devam forças
espirituais aos guerreiros ou marcavam ritos no antigo Egito (as sacerdotisas
de Hathor de 2.000 apresentavam desenhos na pele[3]).
Segundo Oliveira et al, as tatuagens existiram para: a.) identificar membros de
um grupo; b.) situar o indivíduo em uma organização social ou em uma categoria
de gênero; c.) promover identificação de papéis sexuais; d.) indicar conduta
social desejada; e.) indicar status ou
classe superior e e.)dar sensação de segurança[4]. García
afirma que a persistência do uso da tatuagem evidencia a necessidade do homem
se autorrepresentar. O corpo humano, desde tempos idos, sempre representou uma
vitrina aberta para o homem transbordar sua identidade, a “realidade individual
de eu diante de outros ‘eus’”[5].
Friedrich Nietzsche (1844-1900) cunhou na filosofia
a expressão alemã übermensch que foi
traduzida por super homem, todavia esse conceito, que ocupa papel central na obra
Assim Falou Zaratrusta[6]
desse pensador, é formada por duas palavras alemãs: über (sobre, acima de, além
de) e mensch (ser humano)[7]
que significam “além do homem” ou como Rubem Alves gostava de traduzir: o homem
transbordante[8],
pois o filósofo prussiano não se atentava para a dimensão física do ser humano,
mas para a sua transformação. O homem deve deixar seu estado de submissão
(camelo), lutar com fora e violência por seus direitos (leão) e atingir o
estágio de uma criança, ou seja, dócil a aprender e recomeçar.
A obra Assim
falou Zaratrusta afirma: “Deus morreu: agora, nós queremos que viva o
Super-homem”. Dessa maneira, Nietzsche, trazendo à tona a voz de todos os
ímpios, entende que a existência de Deus é um entrave para o completo
desenvolvimento do homem, porque o induz a permanecer em uma religião de compaixão
que lhe suga todas as forças contrariando-lhe as a lei da evolução e o faz
despreparado para a seleção natural[9].
Dentro dessa visão distorcida, o novo homem vê a
compaixão como um sentimento ruim e abandona todos os princípios morais
advindos do cristianismo fundado nas Escrituras. O radical abandono de Deus
forja um homem tolo, pois apesar de desconhecer o Senhor acredita que tem
subsídios suficientes para angariar uma vida completa, pois Jesus disse “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10.10b)
Calvino afirma que “o homem jamais chega ao puro
conhecimento de si mesmo até que haja antes contemplado a face de Deus, e da
visão dele desça a examinar-se a si próprio”[10],
todavia o homem busca conhecer-se a si mesmo não confrontando-se a Palavra, mas
diferenciando-se dos outros indivíduos pecadores que conhece[11].
Dessa forma, tal como na lógica não se pode extrair verdade de uma premissa
(afirmação qe não pode ser possível, provável ou falsa[12])
falsa, tampouco se pode extrair uma identidade verdadeira fora das Escrituras.
Ortega[13],
citando Richard Sennett, afirma que as mudanças sócio-econômicas ocorridas nos
séculos XVII e XVIII produziram uma sociedade íntima que se caracteriza por uma
vida pessoal desequilibrada e uma vida pública esvaziada. Se no século XIX, a
sexualidade era a fonte de ansiedade e patologia, o culto ao corpo ocupa esse
lugar no século XX e XXI. De mesma maneira que um monge se entrega a ascese
(regra de vida de renúncias para alcançar uma identidade idealizada), um jovem
pode buscar moldar seu corpo com anabolizantes, perfurar-se com piercings ou
tatuar-se para de diferenciar de um grupo ou se aproximar de outro.
Oliveira et al[14],
citando Knop, afirma: “O corpo bem
cuidado pode garantir ao indivíduo melhor performance e aceitação social,
tornando a pessoa mais vendável e aceitável”. Segundo Osório[15],
as tatuagens eram uma marca de trabalhadores de baixa renda, imigrantes e
criminosos, porém essa realidade mudou quando a classe média começou a fazer
uso.
A tatuagem nasce na
esfera do homem que é essencialmente comunicativo e deseja fazer seu corpo
emoldurar suas convicções mais íntimas. O crente pode fazer uso desse meio de
consumo?
Como vimos, a prática
de tatuar o corpo não provem da tradição cristã, mas de religiões pagãs. O
substantivo קַֽעֲקַ֔ע (qa’aqa) (Lv 19.28) pode
ser traduzido por marca, impressão tatuagem e está relacionado a ritos fúnebres
(veja Is 22.12; Jr 16.6). Harrison[16]
explica que a prática de inserir palavras no corpo era típico em cerimônias
fúnebres pagãs, o que não refletia a santidade de Deus (veja Dt 14.1,2). Em
nossos dias, a prática da tatuagem está muito ligada à moda que é passageira e
ao mundo.
Jesus, em João 17, mostra
que o mundo odeia o cristão, porque esse não é do mundo (v.14) e “todos quantos
querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos”
(2Tm 3.12). No versículo 15-17, Jesus enfatiza que não somos do mundo e que
precisamos ser santificados pela Palavra que é a verdade. Dessa maneira, quando
o crente se distancia dos eixos da Palavra, fatalmente estará suscetível às ciladas/artimanhas/métodos
de satanás (Ef 6.11).
Paulo afirma, em 1
Coríntios 6.19, que não nos pertencemos, pois fomos adquiridos pelo Senhor, por
isso, somos templo do Espírito Santo. Dessa forma, o crente, ao utilizar seu
corpo, deve entender como Calvino: “devemos viver em pleno temor a fim de não o
expulsarmos, e ele, por sua vez, nos abandone, irado com nossos atos sacrílegos”[17].
A tatuagem envolve
comunicação. Essencialmente, sua função é testemunhar. Outra pergunta é se o
crente pode tatuar temas bíblicos como palavras impregnadas de conceitos ou
versículos bíblicos.
Tripp[18]
afirma que uma tendência ruim entre os cristãos é ver a Bíblia como uma
enciclopédia, por isso, diante de um problema buscam informações curtas e
categóricas, assim ninguém achará faça ou não faça tatuagem nos moldes que
conhecemos, mas nos mostra como no processo de santificação somos conformados à
imagem de Cristo.
As tatuagens profanas
ou de cunho vazio (tatuagens tribais) podem expressar mensagens que não
conhecemos. Não conhecer, profundamente, o que se tem tatuado é como alguém que
desfila uma caminha com uma inscrição em uma linguagem que se desconhece. Outra
problemática é seu caráter permanente que está sujeito às mudanças da vida e
das concepções pessoais.
O conteúdo bíblico de
uma tatuagem não altera o fato de possuí-la sem o aval da Palavra. O crente não
é chamado a fazer o que a Bíblia manda e sua vontade pessoal naquelas questões
em que ela aparentemente não trata, mas cumprir completamente única e
exclusivamente suas orientações. Cultuar o corpo, mesmo que sem completa
intenção, é seguir “as imaginações e invenções homens tal como as sugestões de
satanás” (CFW, XXI,1).
O crente que traz
tatuagens de sua vida pregressa não deve ser ridicularizado, pois são marcas de
uma vida que passou, tampouco aquele que as faz como convertido deve ser visto
como alguém menor na fé, mas alguém que, infelizmente, exteriorizam a
identidade de seu velho homem carnal, influenciado pelas vãs oscilações desse
mundo.
Não se deve cogitar que
tatuados percam a salvação, porque “os crentes verdadeiros, em razão do amor
imutável de Deus e do seu decreto e pacto de lhes dar a perseverança, da união inseparável
entre eles e Cristo, da contínua intercessão de Cristo por eles e do Espírito e
semente de Deus permanecendo neles, nunca poderão total e finalmente cair do
estado de graça, mas são conservados pelo poder de Deus, mediante a fé para a salvação.”
(CMW, pergunta 79).
Se fosse da vontade de
Deus que marcássemos nosso corpo como se marca o gado, ele nos teria informado
pela Palavra com santos exemplos ou claras determinações. Portanto, assim como
Paulo as únicas marcas que deveríamos ostentar são as marcas de Jesus (Gl
6.17).
[1]
GARCÍA, Alberto González. El Tatuaje y la
Perforación en la Construción de la corporeidad. http://web.b.ebscohost.com/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=3&sid=d1511b86-3e55-443b-87cf-5b8ec676bf46%40sessionmgr110&hid=115.
Acessado no dia 12 de dezembro de 2014 às 23h48.
[2]
http://www.abril.com.br/noticia/diversao/no_202587.shtml. Acessado no dia 12 de
dezembro de 2014 às 23h05.
[3]
http://www2.uol.com.br/modabrasil/imagem_atitude/tatuagem/index2.htm. Acessado
no dia 12 de dezembro de 2014 às 23h24.
[4]
OLIVEIRA, Mário José; TROCCOLI, Irene Raguenet; ALTAF, Joyce Gonçalves. Eu estendido e tatuagem: um aspecto
identitário no comportamento do consumidor. Acessado no dia 13 de dezembro
de 2014 às 01h10.
[5]
BOCK, Ana Maria Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes. Psicologias: uma introdução ao estudo da
Psicologia. São Paulo: Saraiva, 1995, p.212.
[6]
NIETZSCHE, Fridrich. Assim Falou
Zaratrusta. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 216.
[7]http://michaelis.uol.com.br/escolar/alemao/definicao/alemao-portugues/mensch_49958.html.
Acessado no dia 12 de dez de 2014 às 16h45.
[8]
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2208200009.htm. Acessado no dia 12
de dezembro de 2014 às 16h49.
[9]
NIETZSCHE, Fridrich. O Anticristo: ensaio
de uma crítica do cristianismo. Ateus, 2002, p.15.
[10]
CALVINO, João. Institutas da Religião
Cristã. Vol I. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p.48.
[11]
BOCK, Ana Maria Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes. Psicologias: uma introdução ao estudo da
Psicologia. São Paulo: Saraiva, 1995, p.213.
[12]
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia.
São Paulo: Ática, 2005, p.112.
[13]
ORTEGA, Francisco. Práticas de Ascese
Corporal e Constituição de Bioidentidades. http://www.cadernos.iesc.ufrj.br/cadernos/images/csc/2003_1/artigos/2003_1%20FOrtega.pdf.
Acessado no dia 13 de dezembro de 2014 às 00h01.
[14]
OLIVEIRA, Mário José; TROCCOLI, Irene Raguenet; ALTAF, Joyce Gonçalves. Eu estendido e tatuagem: um aspecto
identitário no comportamento do consumidor. Acessado no dia 13 de dezembro
de 2014 às 01h10.
[15]
OSÓRIO apud OLIVEIRA, Mário José; TROCCOLI, Irene Raguenet; ALTAF, Joyce
Gonçalves. Eu estendido e tatuagem: um
aspecto identitário no comportamento do consumidor. Acessado no dia 13 de
dezembro de 2014 às 01h10.
[16]
HARRISON, Roland K. Levítico: introdução
e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1983, p.186.
[17]
CALVINO, João 1 Coríntios. São
Bernardo do Campo-SP: Parakletos, 2003, p.195.
[18]
TRIPP, Paul David. Instrumentos nas Mãos
do Redentor. São Paulo NUTRA, 2009, p.391.
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