Paz,
paz, mas há paz?
Um fato de 2014 que certamente entrará nos livros de
história é o fim do embarco econômico entre EUA e Cuba que começou em 1961 com
o então presidente Dwight D.
Eisenhower, pois o movimento que derrubou o ditador Fugêncio
Batista, em 1959, adotou posturas comunistas e começou a se alinhar com a União
Soviética em plena Guerra Fria.
A discussão entre EUA e Cuba corria travada, pois
aqueles exigiam, destes, democratização, direitos humanos e mudança do regime
político para encerrar as restrições[1],
todavia estes impunham o fim do embargo como condição para qualquer discussão
diplomática.
Contudo a comunidade internacional havia indicado o
fim das restrições diplomáticas com Cuba na última Assembleia Geral da ONU quando
dos 193 países que participaram 188 votaram a favor dessa medida[2].
Outro motivo para o fim do embargo está na fala do próprio Obama: “deve se preocupar com ameaças reais, como os grupos
extremistas Al Qaeda e Estado Islâmico”[3].
Desde o atentado de 11 de setembro as preocupações Norte-Americanas se desviaram
da pequena ilha de Fidel regido pela cartilha de “Marx” para se concentrar no
vasto e complexo Oriente Médio que segue piamente o Alcorão.
Esse acordo, que ainda depende do Senado americano,
teve boa aceitação na Comunidade internacional e deu um rosto positivo a
desgastada política de Obama, todavia existem pessoas que condenam o acordo,
porque Cuba não se democratizou, tampouco apurou seus crimes, todavia os EUA,
também acusados de abusos em Guantánamo, entendem quem usa da violência extrema
para uma suposta justiça. Obama afirmou: “vamos tentar deixar para trás esse
passado. Nosso futuro é de paz e segurança. Vamos trabalhar não para manter o
poder, mas para avançar nos sonhos dos cidadãos”[4].
Esse é o nítido exemplo da paz que o mundo busca e
valoriza, porque não impõem mudança alguma e se une nas conveniências mais
baixas, ou seja, o simples fato de parecer algo que realmente não é, pois
ninguém é ingênuo ao ponto de acreditar que EUA ou Cuba reviram seus erros do
passado e assumiram novos posicionamentos para o futuro. Em um nível menor,
vemos inúmeras pessoas almejando a mesma paz mágica e superficial que vemos
nesse cenário político. Uma paz sentimentalóide que se conquista por aquilo que
se veste a aquilo que se come e acaba com o pular da última onda e se apaga
como último fogo de artifício.
Jamais entenderemos a paz se não analisarmos quando
ela foi extinta do coração humano. No Éden, o homem gozava de plena paz com
Deus, com o ambiente ao seu redor e consigo mesmo. Segundo Schaeffer, “minha separação de Deus é sanada pela
justificação, porém logo em seguida deve haver uma realidade existencial”[5],
ou seja, o processo de santificação deve levar o ser humano a uma postura
diferente com seus problemas existenciais, assim como, adotar a postura de
mordomo para com a criação que o circunda.
No coração do homem pós-queda, há uma guerra que é
fonte e origem de todas, tal como Tiago afirma: “de onde procedem guerras e contendas que há entre vós? De
onde, senão dos prazeres (hedoné
– ἡδονή) que militam
na vossa[6]
carne?”
(Tg 4.1). Lopes, comentando Tiago 4.1,
afirma que somos tentados a culpar as circunstâncias como motivadores dos
conflitos, todavia Tiago, tal como Paulo em 1Cor 3.1-4, que a origem deles está
na natureza caída dos homens. Dessa maneira, ainda que o cristão esteja
regenerado pela Palavra de Deus ainda em seu coração habita a semente de Adão,
ou seja, os prazeres que militam na carne[7].
Nesse texto percebemos que a origem da falta de paz
está no termo grego hedoné – ἡδονή, que, segundo Coenen
et al[8],
significa prazeres, aquilo que é agradável, doce ao paladar. Pau David Tripp
opta traduzir ἡδονή por desejo e afirma: “o
coração de toda e qualquer pessoa é uma fonte de desejos que competem entre si”[9].
Nesse conflito há o desejo de fazer a vontade de Deus ou a vontade o mundo, o
desejo mais forte fatalmente controlará meu comportamento.
Está sobre nós a mesma máxima
que pairava sobre Caim: “eis que o pecado
jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gn
4.7b). Dessa maneira, a paz que almejamos só pode ser conquistada se
declararmos guerra contra aqueles desejos que não coadunam com a Palavra.
No Peregrino de John Bunyan,
Cristão diz a Ignorância:
Quando conseguimos julgar nossa vida da mesma forma que a Palavra a julga.
Veja bem, que a Palavra, falando do homem natural, afirma que não há um justo,
nem um sequer. Também diz que toda a imaginação do homem é má continuamente.
Pois bem, quando em nós mesmos do jeito que realmente somos, então nossos
pensamentos são bons porque concordam com a Palavra de Deus[10].
Quando os parâmetros pelos
quais analisamos nossa alma estão distorcidos os resultados não serão
confiáveis. O que se diria se um cego de nascença analisa-se uma paisagem ou um
surde de nascença sobre a melodia de uma canção. Ludwing Von Beethoven (1770-1827),
apesar de surdo foi um gênio da música, porém ele não nasceu surdo (a perdeu
entre os 20 ao 50 anos) e, por isso, possuía memória auditiva (parâmetros que o
ajudaram a compor)[11].
Se olharmos para as nossas vida
a partir daquilo que o mundo valoriza certamente nos veremos como justos e
merecedores da eternidade, todavia isso penas mostra duas realidades: que houve
um afastamento de Deus e que não sé verdadeiro temor (Pv 3.7). Kistemaker,
alisando Tiago 4.1, entende que “quando
Deus não governa a vida do homem, a busca do prazer controla a situação e a paz
fica perturbada por causa de brigas e contendas”[12].
Dessa maneira, qualquer tentativa de paz que não venha da genuína conversão e
de uma guerra contra os desejos pecaminosos de nosso coração é apenas
superficial e nociva.
Existem igrejas que pregam essa
paz paliativa. Induzem as pessoas a confiarem em supostos méritos e oferecem um
consolo falso, porque não parte da graça, mas de uma autoajuda que só traz
benefícios para essa vida. Esses falsos profetas procedem como afirma Jeremias
(6.14): “Curam superficialmente a ferida
do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz”.
Neville Chamberlain (1869-1940)
foi o primeiro ministro inglês de 28 de maio de 1937 a 10 de maio de 1940. Ele
foi quem intercedeu junto a Hitler uma forma de evitar as hostilidades que
levariam o mundo a uma 2ª Guerra mundial. O chamado pacto de Munique de 29 de
setembro de 1938 foi assinado pelo Reino Unido (tendo como representante
Neville Chamberlain), França (tendo como representante o primeiro ministro
Édouard Daladier), Alemanha (tendo como representante Adolf Hitler) e Itália
(tendo como representante Benito Mussolini)[13].
Chamberlain desembarcou no aeroporto de Heston trazendo o documento do pacto dizendo:
“Acredito que ele é a paz em nosso tempo”,
todavia Winston Churchill (1874-1965) afirmara: “entre a desonra e a guerra,
escolheste a desonra e terás a guerra”. De fato esse pacto só serviu para dar
tempo a Hitler manejar suas tropas com liberdade e invadir a Polônia no dia 10
de março de 1939, invalidando o que firmara.
A paz que os homens esperam é sempre fugaz e depende
dos desejos pecaminosos do coração. Confiar na paz que o mundo oferece é
necessariamente confiar no homem e quem age assim “faz da carne mortal o seu braço e aparta o seu coração do
SENHOR!”
(Jr 17.5b). Todavia Paulo afirma que Jesus é a nossa paz (Ef 2.14), por isso,
afirma Calvino: “se Cristo é a nossa paz,
segue-se que todos que se acham fora dele permanecem em estado de inimizade com
Deus”[14].
A paz proposta por Jesus não é a ausência de guerras, perseguições e
adversidades, mas “justificados,
pois, mediante a fé, temos paz com Deus”
(Rm 5.1).
Que adiantaria uma vida abastada e sem sofrimentos
se, depois da morte, nos estivesse reservada a ira eterna? Asafe, no Salmo 73,
descreve os ímpios da seguinte maneira: a.) Saúde: “para eles não há preocupações, o seu corpo é sadio e nédio” (v.4); b.) Trabalho: “não
partilham das canseiras dos mortais, nem são afligidos como os outros homens”.
(v.5); c.) Vida Financeira: “eis que são estes os ímpios; e, sempre tranqüilos,
aumentam suas riquezas”. (v.12), mas no santuário o Salmista atenta para o fim
dos ímpios e entende: “Tu certamente os pões em lugares escorregadios e os
fazes cair na destruição” (Sl 73.18). Compreende que todas essas facilidades
adulam e fazem mais fortes seus desejos pecaminosos.
Os ímpios, que confiam em seu
poder, estão aliceçados sobre o mesmo terreno escorregadio de Nabucodonosor,
que, depois de se exaltar dizendo: “Não é
esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com o meu grandioso
poder e para glória da minha majestade?” (Dn 4.30), teve sua sanidade
usurpada pelo céu convivendo com os animais do campo (Dn 4.31-33) até que ele
olha para o céu e louva o Altíssimo (Dn 4.35). Só pode exaltar a Deus quem
reconhece a sua miséria, assim como só se reconhece miserável aquele que
engrandece a Deus. Quem assim procede a Palavra promete: “humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará” (Tg 4.10).
Jesus antes de subir aos céus nos advertiu: “deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como
a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (Jo
14.27). A paz de Jesus não é feita por um acordo de conveniência como entre EUA
e Cuba, tampouco uma ilusão como aquele que Chamberlain portava no aeroporto de
Heaston que traz esperanças infundadas, mas essa é a paz que “excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a
vossa mente em Cristo Jesus”
(Fl 4.7).
Portanto, a paz que Jesus tem para seu povo em 2015
e até a sua volta não a ausência de problemas, a prosperidade insana ou uma
ilusão, mas uma paz que faz sentir a presença de Deus, mesmo nos mais terríveis
momentos, confiando que “todas as coisas
cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo
o seu propósito” (Rm 8.28). Essa paz não depende do seu
vestuário, muito menos do cardápio da ceia, mas da soberania do Senhor que a dá
por meio de Jesus e que durará muito além da meia noite.
Feliz 2015!
[1]
HELLER, Claude. Análise: acordo com Cuba
melhora a posição dos EUA na América Latina. http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/12/1568590-analise-acordo-com-cuba-melhora-posicao-dos-eua-na-america-latina.shtml.
[2] http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2014/12/entenda-como-comecou-o-embargo-economico-dos-eua-cuba.html.
[3] http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2014/12/17/esses-50-anos-mostraram-que-isolamento-nao-funcionou-diz-obama-sobre-cuba.htm.
[4] http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2014/12/entenda-como-comecou-o-embargo-economico-dos-eua-cuba.html.
[5] SCHAEFFER, Francis. Poluição e Morte do Homem. São Paulo:
Cultura Cristã, 2003, p.74.
[6]
Segundo Lopes, esse vós se refere aos candidatos a mestre (pessoas que instruíam
continuamente a igreja na Palavra e que possuía uma posição de liderança e
autoridade) de Tiago 3.1 por causa da rivalidade que existia entre eles, o que
não era uma característica da igreja de Tiago (veja Mc 9.34; Mt 23.8,9, Jo
13.13,14, 3Jo 9), todavia esses princípios podem ser aplicados a igreja em
geral. (LOPES, Augustus Nicodemus. Interpretando
o Novo Testamento: Tiago. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, 95,96, 120)
[7]
LOPES, Augustus Nicodemus. Interpretando
o Novo Testamento: Tiago. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.120,121.
[8] COENEN,
Lothar; BROWN, Colin. Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000,
p.526.
[9]
TRIPP, Paul David. Instrumentos nas Mãos
do Redentor. São Paulo: NUTRA, 2009, p.116.
[10]
BUNYAN, John. O Peregrino. Rio Verde-GO:
Publicadora Menonita, 2009, p.165.
[11] http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT611093-1716-5,00.html.
[12]
KISTEMAKER, S. Comentario Del Nuevo
Testamento: Santiago y 1-3 Juan. Grand Rapids: Desafío, 2007, p.113.
[13] http://segundaguerra.net/o-pacto-de-munique-anexacao-do-territorio-dos-sudetas/.
[14]
CALVINO, João. Efésios. São José dos
Campos-SP: Fiel, 2007, p.55.