Segundo Rebeca Spang[1],
a versão mais conhecida para a origem dos restaurantes é a de que um padeiro
francês chamado A. Boulanger, em 1765, abriu um estabelecimento cujo objetivo
de oferecer um caldo com carne que restauraria aqueles que o consumissem. Na
frente desse primeiro restaurante, existia a seguinte frase: “venid ad me ommis qui stomacho laboratis, ego
restaurado vos” (vinde todos que trabalhais e eu restaurarei
vossos estômagos).
Dessa maneira, a razão pela qual um restaurante
existe é restaurar pessoas, ou seja, levá-los do estado de fome à saciedade,
por isso, é impensável a falta de alimento em um lugar que tem como finalidade
alimentar.
Berkhof conceitua igreja como “o grupo dos eleitos
que são chamados pelo Espírito de Deus”[2].
Paul David Tripp[3]
entende que a igreja é um lugar que modela toda a nossa vida, é um espaço, no
qual pessoas que estão em processo de transformação, são instrumentos usados
por Deus para transformar outras vidas. Porque recebemos amor do Senhor, somos
chamados a oferecê-lo àqueles que vivem na sombra da morte[4].
O grande instrumento usado para esse processo
transformador é a Palavra, porque Davi afirma: “A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o
testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices” (Sl 19.7). A
Palavra, somada a iluminação do Espírito Santo, atinge os símplices (peti - פֶּֽתִי ), aqueles que têm a “cabeça aberta”, não possuem sólidos
princípios absolutos. A lei do Senhor vem trazer um firme horizonte e uma
capacidade maior de avaliar as ideias que nos são apresentadas. Assim como um
paladar refinado rejeita alimentos mal preparados ou de procedência duvidosa,
um coração firmado na verdade do Evangelho não se associa às obras infrutíferas
das trevas (Ef 5.11).
Deus afirma: “a palavra que
sair da minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e
prosperará naquilo para que a designei”
(Is 55.11), porque ela oferece condenação ao ímpio ou nova perspectiva ao
eleito, porque vem acompanhada do Espírito que aplica a verdade de Deus
revelada em seu coração de forma sempre crescente[5].
A teologia Reformada entende que a Palavra e o Espírito andam juntos de tal
forma que não podem ser dissociados, pois aquela sem este leva ao legalismo ou
uma fé superficial fincada apenas em conceitos e tradições, mas sem amor tal
com a da Comunidade de Éfeso (Ap 2.4), assim como o Espírito destituído da
Palavra só pode produzir confusão e uma igreja escrava de experiências
sensoriais.
Todos os restaurantes lutam para combater a fome,
todavia alguns oferecem alimentos que saciam o desconforto, mas que
proporcionam perigo à saúde. Igrejas descomprometidas com a Palavra e seus
imperativos têm ótimas intenções, mas que fracassam em uma prática desajustada e
extremamente nociva.
Enquanto em um restaurante, a satisfação do freguês
é o que conta, a igreja séria e comprometida com a Palavra não utiliza dessa
premissa pragmática, onde os fins justificam os meios, mesmo que a idoneidade
do processo esteja comprometida e incoerente. Especialmente, quanto ao culto,
entende-se que “o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e
tão limitado pela sua vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as
imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás” (CFW
XXI, 1).
Por causa desse princípio regulador é que a ministração
de Nadabe e Abiú (Lv 10.1,2) foi punida com a morte, o culto de Saul (1Sm
13.8-14) foi punido com a execração e a maneira davídica de transportar a arcar
foi punida com a morte de Uzá (2Sm 6.3-7) e, pelo mesmo motivo, inúmeras
igrejas têm sua luz bruxuleando para apagar, porque, como afirma MacArthur, “independente
de quão pura seja a nossa motivação ou quão sinceros sejamos em nossa tentativa,
se fracassarmos em adorar a Deus como ele mandou, não seremos abençoados”[6].
Uma igreja carente da Palavra é semelhante a um
restaurante sem alimento e que, por isso, não pode restaurar a ninguém. Essa
foi a realidade existente no livro de Juízes quando, segundo Archer, Israel
falhou como teocracia, ou seja, não foi capaz de se manter fiel à aliança com
Deus[7]
e, assim, obrigou pessoas, como Elimeleque, Noemi, Malom e Quiliom a saírem de
onde deveria haver pão em abundância e migrar para as terras pecaminosas de
Moabe (Rt 1.1; Dt 23.3-6), que usurpam-lhes a vida e a estabilidade. Segundo
Idauro Campos[8],
citando o IBGE, existem, hoje, quatro milhões de brasileiros que de autodenominam
evangélicos, mas não congregam em nenhum lugar, são os “desigrejados”. Essas
são pessoas, que se decepcionaram com uma instituição ou não encontraram nela
alimento sólido, vagueiam, como Ló, pelas terras bem irrigadas de Sodoma e
Gomorra (Gn 13.12,13).
Um restaurante é frequentado por pessoas que tem
consciência de sua fome e sabem que precisam se alimentar, por isso, o produto
mais oferecido é alimento. Um restaurante respeitado não perde tempo com outros
produtos. Quanto mais refinado um lugar mais específica é a sua culinária. Uma
igreja séria não oferece paliativos, tampouco aquilo que já é produzido com
fartura pelo mundo, mas a fiel exposição da Escritura. Quando mais séria se
torna mais arraigada a princípios bíblicos se torna. O regenerado vai a igreja,
porque tem consciência de seu pecado (Jo 16.8) e entende que apenas “se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas
antigas já passaram; eis que se fizeram novas [καινός – kainós = sentido não de criar algo inédito, mas de
reconfigurar àquele perfil que se possuía antes do pecado]”. (2Cor 5.17).
Aqueles que trabalham em um restaurante não estão
alheios à fome e precisam do mesmo alimento que manufaturam e servem. Da mesma
forma, na igreja, os cristãos mais velhos e os líderes não estão alheios ao
pecado (1Jo 1.8-10). Obviamente, o cristão fiel, devido a sua luta e apego aos
meios de graça, mantém-se integro (1Jo 3.6), mas consciente do conselho de
Paulo: “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia” (1Cor 10.12).
Mesmo porque não há evangelho para perfeitos como os anjos, que não podem mais
pecar (1Pe 1.12). Entretanto tal como os funcionários de uma mera cantina
trabalham apesar da fome por um salário efêmero, muito mais o cristão deve
servir a Cristo apesar de seus pecados pelo galardão eterno (1Cor 9.25).
Apesar de existirem grandes chefes de cozinha e
trazerem ao estabelecimento em que trabalho grande prestígio, seu destaque está
submetido à qualidade de suas receitas e a precisão de seu trabalho.
Igualmente, o pastor não pode ser o centro das atenções, mas a Palavra por ele
pregada e a sua precisão exegética. Um restaurante pode ter seu cozinheiro como
cartão de visita, porém se o seu prato não for saboroso e nutritivo,
profissional e estabelecimento cairão no descrédito, por motivo semelhante
inúmeras igrejas estão desacreditadas pela sociedade.
É inconcebível um cliente sair com fome de um
restaurante, porque a obrigação desse lugar é levá-lo de volta para o estado de
saciedade, tampouco se pode compreender que um crente saia de sua igreja sem o
devido alimento,pois sua obrigação é promover a devida restauração.
[1] SPANG,
Rebeca. A Invenção do Restaurante. Rio
de Janeiro: Record, 2003, p.391.
[2]
BERKHOF, Louis. Manual de Doutrina Cristã.
São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p.208
[3] TRIPP,
Paul David. Instrumentos nas Mãos do
Redentor. São Paulo: NUTRA, 2009, p.13,14.
[4]
Ibid, p.41.
[5]
PACKER, J.I. Teologia Concisa. São
Paulo: Cultura Cristã, 2004, p.138.
[6]
MACARTHUR, John. Adoração: a prioridade
suprema. São Paulo: Hagnos, 2014, p. 20.
[7]
ARCHER, G.L. Merece Confiança o Antigo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1984, p.197.
[8]http://www.ultimato.com.br/comunidade-conteudo/niilismo-eclesiastico-uma-analise-sobre-os-desigrejados.
Acessado no dia 29 de novembro de 2014 às 03h05.
Excelente reflexão meu irmão!! Deus continue te iluminando e usando para nossa edificação!!
ResponderExcluir