“O crente em fuga
"Andai no Espírito e jamais
satisfareis à concupiscência da carne”. (Gl 5.16)
Muitas pessoas acreditam que a igreja é um Oásis de
pessoas perfeitas que não partilham do pecado dos outros homens. Naturalmente,
um crente comprometido pode pecar, mas sua disciplina de vida o impede de a se
entregar a grandes escândalos, todavia nenhum cristão está isento de fracassos
e, nesse momento, suas faltas municiam os ímpios em suas críticas
Paulo afirma, em
Gálatas 5.16, que, no coração do homem regenerado, há concupiscências da carne,
pois não está tratando com ímpios, mas pessoas que receberam o Espírito
mediante a fé (Gl 3.2). O próprio Apóstolo dos gentios afirma aos romanos: “porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir,
pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto”
(Rm
7.15), pois, como afirma Calvino (Comentário de Romanos, p.255), o coração
piedoso não está isento de pecar, pois por mais que se incentive na prática do
bem está sujeito a fracassos e deslizes.
A Confissão de Fé de
Westminster – CFW (IX,4) defende: “quando Deus
converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta da sua
natural escravidão ao pecado e, somente pela sua graça, o habilita a querer e
fazer com toda a liberdade o que é espiritualmente bom, mas isso de tal modo
que, por causa da corrupção, que ainda nele existente, o pecador não faz o bem
perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas também o que é mau”
Não há um meio termo
para o homem, pois ou ele anda no espírito e satisfaz os desejos do alto ou
anda na carne e lhe realiza suas vontades. Paulo, para descrever a concupiscência,
utiliza o termo epithymia (ἐπιθυμία) que vem de thymós (θυμός) que, na sua origem, significava vapor fumaça e
transmite a ideia de ímpeto e paixão (Dicionário Internacional de Teologia –
DIT, p.1032), epithymia denota
impulso, desejo (DIT, p.524). Essa palavra, no Novo Testamento, implica em um
forte desejo por algo bom como o de Jesus para comer com seus discípulos (Lc
22.15) ou ruins como as concupiscências (Rm 1.24) e paixões da carne (Rm 6.12).
Calvino entende que “quando o homem é deixado ao sabor de sua
própria natureza, ele se vê completamente à deriva, fustigado por suas
concupiscências, sem qualquer resistência” (Comentário de Romanos, p.253). Dessa
maneira, as atitudes de uma pessoa revelam em qual caminho ela anda e a quem
ela pertence. Jesus afirma que os fariseus que queriam matá-lo não eram filhos
de Abraão, mas do diabo e satisfaziam os desejos deste, que era homicida desde
o princípio (Jo 8.44).
Portanto, ou somos escravos
de Cristo e empreendemos sua vontade andando nos caminhos que o seu Espírito
nos ilumina ou somos escravos de satanás e trilhamos suas estradas de morte
(veja Pv 7.6-23), por isso, Paulo entende que andar no espírito não é uma
opção, mas um dever do crente. Segundo Adolf Pohl (Gálatas: Comentário
Esperança, p.124), o movimento básico do homem é caminhar, porque não é uma
atitude mecânica, mas uma atividade que detém com sentido, direção e qualidade.
Vemos em Gálatas 5.16,
que é possível o cristão de desviar do caminho do espírito e se enveredar pelo
itinerário da carne tais como: “prostituição,
impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras,
discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas
semelhantes a estas”
(Gl 5.19-21).
A CFW (IX,3) entende que o homem, depois da queda “perdeu totalmente todo o poder de vontade quanto a
qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação”, por isso, Sproul
defende que o ser humano não possui livre-arbítrio, pois “livre arbítrio é a capacidade de fazer escolhas sem nenhum
preconceito, inclinação ou disposição anteriores” (Eleitos de Deus, p.40).
Nossas escolhas tendem para o mal e apenas pela
graça podemos escolher aquilo que agrada a Deus (Jo 6. 44,65; I Co 2.14; Tt
3.3-5; Rm 8.8). Segundo Rev. Onézio Figueiredo, o homem caído possui
livre-agência: “não para fazer o que
deseja, mas o que é devido, correto, justo e necessário. Mesmo a livre agência
natural do homem limita-se ao dever, ao recomendável, ao indispensável e ao
possível”. Dessa maneira, nossa vontade está inclinada para as propostas do
mundo e apenas pela ação da graça pode andar no espírito.
O cristão pode ser desviar do bom caminho, porque,
sendo inclinado ao mal, encontra ao seu redor um mundo que jaz no maligno
oferecendo uma ampla e irrestrita oferta de pecado e conta com um tentador
implacável que busca lhe vender os prazeres dessa vida como se fossem eternos e
indispensáveis para a felicidade. Se o crente não estiver revestido de toda a
armadura de Deus, não será capaz de discernir os métodos que satanás usará para
tentá-lo e, fatalmente, no dia mal (quando seu maior pecado será posto a
prova), perecerá (Ef 6.11,13) (Veja CFW XVII,3).
Segundo o puritano John Owen (Para Vencer o Pecado e a Tentação, p.182,183), a tentação tem o
poder de obscurecer a mente. Dessa maneira, o tentado passa longos períodos de
seu tempo pensando no pecado o que o leva a um estado de loucura. A tentação consiste
basicamente em alimentar pequenos pensamentos perniciosos que crescem a ponto
de tomar todo o ser humano. Há muitos andarilhos do pernicioso caminho da carne
que começaram essa jornada adubando e regando ideias que julgavam inofensivas e
quando se deram conta ela o levaram à roda dos escarnecedores (Sl 1.1).
Os meios de graça auxiliam o crente nessa luta
contra principados e potestades, contra os dominadores desse mundo tenebroso,
contra as forças espirituais do mal. A Palavra, a oração, os sacramentos são
esses meios que nos preservam. Segundo Berkhof (Manual de Doutrina Cristã,
p.226), desses o principal deles é a Palavra por causa de como ela pode atingir
um número muito grande de pessoas por causa das diversas formas pela qual pode
ser propagada, pois pode ir do lar ao trabalho e à escola pela conversa,
literatura, músicas ou apresentações teatrais.
Geralmente, tal como no Éden (Gn 3.8), o homem que
se indispõe a obedecer o Senhor observando uma vida de pecado costuma
estabelecer uma rota de fuga. O primeiro passo do desvio está em cessar suas
orações pessoais, em seguida elimina a leitura bíblica e, por último, tenta
encontrar falha n liderança da igreja ou na própria Palavra para justificar sua
vida de desmazelo.
Todavia até mesmo esse momento de desvio está
debaixo da soberania de Deus, pois pode deixar seus filhos entregues às tentações
para castigá-los por pecados anteriores ou a corrupção de seus corações a fim
de humilhá-los e incentivar a mais íntima dependência para com Deus (2Cr
32.25-31).
Há muitos que não
correm com Cristo e outros que, apesar de encher a igreja, vivem sem o
verdadeiro temor. Todos os que estão preenchendo as congregações devem estar
cientes da orientação bíblica: “aquele, pois,
que pensa estar em pé veja que não caia”
(1Cor 10.12). Quando elegemos um pecado como fora de preocupações é exatamente
nesse que seremos mais duramente tentados e, provavelmente, surpreendidos em
total despreparo.
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