O milagre da
conversão
Quantas vezes não ouvimos que determinada pessoa é
irrecuperável? Quantos pais, cônjuges ou filhos afrouxaram suas esperanças?
Precisamos entender que ninguém, tampouco nenhum método podem transformar
corações. Nem o mais eloquente pregador pode convencer um indivíduo de seu
próprio pecado e de como deve se precaver para o juízo vindouro do Senhor, mas
apenas o Espírito Santo (Jo 8.16).
Se tomarmos o exemplo de Saulo e como ele virou Paulo
entenderemos como a conversão é um milagre esplêndido que fica soterrado nos
escombros do trivial e do cotidiano.
Saulo é natural de Tarso
(localizada na Turquia atual província de Mersin – At 21.39), era cidadão
romano, por direito de herança (At 22.28), um jovem brilhante que galgava altas
posições no judaísmo apesar da pouca idade e extremamente zeloso nas tradições
de seus antepassados (Gl 1.14). Fora circuncidado ao oitavo dia, pertencia a
tribo de Benjamin (o nome Sauol e uma homenagem ao rei benjamita Saul, primeiro
rei de Israel – Fl 3.5). Pertencia a seita dos fariseus sendo ele próprio filho
de fariseus (At 23.6), foi educado na Escola de Hillel, mais importante centro
de instrução da época, que, naquele período, contava com o Rabban Gamaliel,
homem sábio e de querido que na sua morte se disseram: “depois que Rabban Gamaliel, o
presbítero, faleceu, o respeito pela Tora acabou e a pureza e a abstinência
morreram junto”.
Contudo Gamaliel não conseguiu transmitir
seus adjetivos ao seu pupilo, que via como terrível ultraje os do Caminho e a
heresia que pregavam. O teólogo John Stott afirma que Lucas descreve Paulo em
três situações como um animal selvagem:
- Atos 8.3 (ἐλυμαίνετο-λυμαίνομαι): aparece no NT apenas nesse texto, mas a LXX no Sl 80.13 utiliza esse verbo para se referir ao javali que destrói a vinha;
- “respirar ameaças de morte” pode ser comparado ao bufar de um animal;
- Atos 9.21(πορθησας-πορθέω): veja Gálatas 1.13,23;
Paulo, segundo seu amigo Lucas, era alguém
que “assolava a igreja, entrando pelas
casas; e arrastando homens e mulheres, encerrando-os no cárcere” (At 8.3),
alguém que “respirava ameaças e morte”
(At 9.1). O próprio Paulo fala que por ignorância e incredulidade (1Tm 1.13)
praticou a tortura a fim de que aqueles que seguiam Jesus blasfemassem.
A ânsia de Saulo era tão grande de que fez uso de um antigo acordo
internacional que a Judeia possuía com Roma, que lhe dava poderes para
perseguir hereges judeus em toda a extensão do vasto Império, porque não se
conformava com a realidade que via. O judaísmo de Saulo era incompatível como o
Cristianismo que passava a conhecer e, por isso, confrontava essa ideia até o
dia que esse embate destruirá Saulo para que nasça Paulo.
A
conversão pressupõe uma profunda e radical mudança de caminho. Dessa maneira,
ela não é consequência de preferências pessoais, porque ninguém pode vir a
Cristo se o Pai não o trouxer (Jo 6.44). Quando João fala que uma pessoa tem
que ser trazida a Cristo usa o verbo grego ἕλκω (helko), que significa trazer
arrastada uma pessoa.
Nossa natureza caída jamais se entregaria seu caminho ao
Senhor se não fosse alvo da ação sobrenatural daquele que nos chamou da morte
em que nos encontrávamos (Ef 2.1) para encontrar vida em plenitude (Jo 10.10).
Lucas carrega nos traços animalescos que compunham a personalidade de Paulo (At
8.3; 9.1,21; 26.11) para mostrar o poder de Deus em regenerar (novo nascimento,
mudança do coração, mudança interna quase imperceptível) e converter (novo
caminho, mudança percebida em uma vida nova e diferente). Saulo passou por uma
nova criação (2Cor 4.6).
Assim como o fiat
(faça-se) de Deus criou todas as coisas foram feitas por intermédio de Jesus e
sem ele nada do que foi feito se fez (Jo 1.3). Um dia, no tempo aprazado pelo
Senhor, Deus fez Saulo morrer e nascer o Paulo.
Saulo
vinha de Jerusalém havia percorrido os 242 quilômetros que a separavam de
Damasco. Devido a sua vida em que assassinatos, torturas e perseguição contra
os que pertenciam ao Caminho provavelmente vinha pensando nos procedimentos
maléficos que faria e na maneira gloriosa como entraria pelas ruas de Damasco
tremulando a autorização que Roma dava aos Sumo Sacerdote para que ele
extraditasse os judeus que considerava hereges.
Entretanto o
Senhor Jesus foi ao seu encontro no final de seu caminho (At 9.3-5; 26.13) e
mostrou que aquele que percebe a igreja persegue o seu Senhor, que está pronto
para defendê-la. Saulo que desejava capturar os seguidores de Jesus foi
capturado por ele (Fl 3.12).
A conversão
quebra o indivíduo. O Saulo que entraria imponente causando medo entra
humilhado, cego carregado pela mão. Totalmente desconstruído daquilo que foi
(veja Rm 9.19-21).
O zelo de
Saulo (Gl 1.14), sua cidadania romana, o farisaísmo (At 23.6), suas origens (Fl
3 5,6), tampouco sua educação (At 22.3) eram capazes de fazer dele quem ditava
as regras. Na densa escuridão em que encontrava nascia um novo homem, irmão
daqueles que outrora perseguira (At 9.17).
Paulo em uma
belz confissão afirma: “ainda outrora eu
era blasfemador, perseguidor, e injuriador; mas alcancei misericórdia, porque o
fiz por ignorância, na incredulidade; e a graça de nosso Senhor superabundou
com a fé e o amor que há em Cristo Jesus” (1Tm 1.13,14).
Concordamos
com Stott, quando afirma, a partir de Atos 26.14, que a conversão de Paulo e a
nossa não é repentina e compulsiva. Quando Jesus afirma para Paulo que “dura coisa é recalcitrares contra os
aguilhões”, ele é comparada a um touro jovem que só pode ser domado com uma
série de aguilhões (arpões) que penetram sua carne pela dor e o cansaço vão
fazendo submeter-se.
Segundo Stott
Paulo foi ferido por aguilhões morais e intelectuais, porque vira a sabedoria
de Estevão provada de maneira incontestável por quantos lhe questionavam sobre
o Caminho (Atos 6.9), o Sinédrio viu seu rosto resplandecer como um anjo, assim
como ouviu sua defesa , na qual mostrou como a verdadeira obediência sempre era
alvo de perseguição. Stott chega a firmar: “Estêvão e não Gamaliel foi o verdadeiro
mestre de Paulo, porque este não podia esquecer o testemunho daquele. Havia
algo inexplicável naqueles cristãos -
algo sobrenatural, algo que falava do poder divino de Jesus. O próprio
fanatismo da perseguição é encontrado, escreve Jung, em indivíduos que estão
compensando dúvidas secretas”
A igreja cresce não
pela eloquência dos seus Pastores ou os métodos empregados, mas quando Deus usa
da pregação fiel (!Cor 1.21) da Palavra para converter até o ais improvável dos
homens como Saulo.
Segundo J.C. Ryle, “o
Espírito Santo sempre trabalha de uma forma peculiar”. Dessa maneira, quer
convertendo um home de maneira abrupta, quer de forma repentina (como o ladrão
da cruz – Lc 23.29-43), o Senhor utiliza sempre os mesmos estágios:
·
Firmeza
de fé: a fé “é a
certeza das coisas que se esperam, a convicçãos dos fatos que não se veem”
(Hb 11.1). O homem, agraciado com esse dom (Ef 2.8), vê nesse mundo a cruz, mas
consegue, através dela, enxergar a coroa reservada àqueles que forem fieis até
a morte (Ap 2.10). Paulo, convertido, pela fé, entende que Cristo é mais
valioso que sua vida (Fl 1.21), porque, de fato, não era mais ele quem vivia,
mas Cristo é que vivia nele (Gl 2.20). Acreditava muito bem na fidelidade
daquele em quem acreditava (2Tm 1.12);
Senso de pecado:
Paulo afirma: “anteriormente fui blasfemo, perseguidor e insolente; mas
alcancei misericórdia, porque o fiz por ignorância e na minha incredulidade” (1Tm 1.13). A conversão genuína não
pode vir desacompanhada do arrependimento, ação do Espírito (Jo 16.8) que nos
convence de como a imundície de nosso pecado é incompatível com a pureza do
Deus santos, assim com com a retidão de sua justiça e dos seu juízo. Paulo
reconhece-se como o pior dos pecadores (1Tm 1.15). A consciência de nossa
debilidade deve ser sempre presente e alimentar nossa humildade. Assim como o
arroz mostra que está cheio quando tomba . Um homem amadurecido por Deus
prostra-se diante de seu Criador, da mesma maneira que não se sente maior ou
melhor do que ninguém, nem mesmo diante do mais contumaz dos pecadores, porque
compreende que que a única diferença que possui é a dádiva da graça imerecida;
· Amor fraterno:
o verdadeiro convertido sente grande zelo pelas almas. Sabe da iminência da
vinda de Cristo (Ap 22.7) e que foi comissionado pelo Senhor a fazer discípulos
(Mt 28.19) e, po isso, nesse primeiro amor não possui apenas uma ortodoxia
(doutrina correta-padrões teológicos coerentes), mas também, uma ortopraxia
(uma vida cristã coerente para com a Palavra). A igreja de Éfeso possuía uma
doutrina correta, mas havia se tornado em uma estrutura cristão sem alma.
Paulo, depois de deixar Saulo na densa escuridão que se encontrava, pare para
testemunhar a respeito de Cristo aos irmãos da sinagoga de Damasco (At 9.20).
John Stott
afirma que Paulo, esse home nascido de
novo (regenerado) no molde de João 3.3, possui uma nova visão de Deus, porque
está há três dias orando (At 9.11) e jejuando (At 9.9), mostrando que a fome
que tinha naquele momento era de Deus. Stott afirma: “Ainda hoje, o primeiro fruto da conversão é sempre uma nova
consciência da paternidade de Deus. Quando o Espírito nos capacita a clamar
‘Aba, Pai’”.
Paulo tem um
novo relacionamento com a igreja, porque passa a ver aqueles, que, outrora,
perseguiria e submeteria a tortura e a extradição, como seus irmãos e passa a
compactuar da mesma fé e dos mesmos perigos (At 9.23-25) indo para o deserto
árabe onde ficou por três anos. Contudo precisa retornar a Jerusalém, onde
precisa encarar aqueles a quem era como um animal selvagem.
Lucas mostra
com se Saulo, desde antes da fundação do mundo, era um “vaso escolhido” qualquer pessoa poderia ser. A conversão não se dá
pelo sangue, tampouco pela vontade da carne ou do homem, mas de Deus (Jo 1.13).
A conversão do homem não se dá pelos métodos adotados por uma igreja ou o
estilo de um pregador, mas pela ação de Jesus Cristo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário