A mulher na sociedade e
religião Greco-Romana
Segundo McKenzie[1], a
mulher vivia na sociedade Greco-romana em uma terrível inferioridade jurídicam,
pois, segundo Vrissimtzis[2], “não
podia mover processos, nem possuir ou vender bens e propriedades”, sendo
representada pelo irmão, marido ou parente masculino mais próximo que
serviam-lhe como tutores. As mulheres de Atenas, que sequer eram registradas
nos catálogos oficiais do Dêmos ou da Frátria[3],
viviam como Chico Buarque bem retrata na música Mulheres de Atenas: “vivem
pros seus maridos/orgulho e raça de Atenas”[4].
Essas mulheres tinham apenas dois direitos: contrair matrimônio legal e gerar
filhos, conforme afirma Vrissimtzis[5].
Citando, ainda o mesmo Chico Buarque: “geram
pro seus maridos/novos filhos de Atenas”[6].
Essa realidade pode ser observada na Odisseia[7],
quando Penélope, devido a demora de Ulisses e sua possível morte, e obrigada a
voltar a casa paterna para que seu pai lhe arrume um novo marido com novo dote
ou aceite se casar com um dos pretendentes em Ítaca. A honrada mulher de
Ulisses toma uma postura submissa, porém muito criativa: decide fazer uma
mortalha para o seu marido antes de contrair novas núpcias, todavia, por três
anos, desenvolve árduo trabalho de dia e o desmancha a noite[8].
Penélope só poderá sair de casa quando Ulisses regressa[9].
Esse registro literário mostra como a mulher sem marido vivia em extrema
pressão. Vrissimtzis[10]
afirma:
“Uma filha sem irmãos recebia uma herança de seu pai,
tornava-se herdeira sem evidentemente, ser capaz de possuir, administrar ou
vender tal herança, uma vez que, como foi mencionado, não dispunha de quaisquer
direitos de transação comercial. Por esse motivo, a herdeira era obrigada a se
casar o mais breve possível com um parente mais próximo por parte do pai,
geralmente com um primo ou um tio, a fim de que a herança (a terra)
permanecesse com a família”
Na Grécia, berço da democracia, a mulher era considerada uma
criatura sub-humana e servia para o lar e a procriação. A criação feminina
servia para a finalidade doméstica. Sobre esse condição Vrissimtzis afirma:
“As
meninas não recebiam educação formal, mas aprendiam com suas mães ou com uma
serva experiente a administrar o lar, bem como a arte de tecer e,
ocasionalmente, algumas noções de leitura, escrita e aritmética. É evidente,
porém, que as meninas das classes inferiores tinham menores chances de aprender
a ler e a escrever. Só a partir do ano helenístico (323-30 a.C.) as meninas
começaram a frequentar a escola”.
Podemos identificar a difícil condição das mulheres pela fala
de Lisítrata a Cleonice, personagens da comédia Lisístrata: a greve do sexo de Aristófanes[11]: “Oh, Cleonice meu coração está cheio de
despeito. Envergonho-me de ser mulher. Sou obrigada a dar razão aos homens,
quando nos tratam como objetos, boas apenas para os prazeres do leito”.
Platão[12],
na República, tem uma concepção a
respeito as mulheres bem diferente daquela que era corrente em sua sociedade.
Nessa obra, Platão utiliza-se de um fictício diálogo entre Sócrates e Polemarco
para dissertar sobre diversos assuntos filosóficos entrelaçados em um eixo
temático central: justiça.
No capítulo V, por meio de Sócrates (seu alter ego) Platão afirma que a difeença existente entre homens e
mulheres se dá apenas na robustes daqueles e na debilidade dessas, pois as
mulheres poderiam frequentar as academias (mesmo trajando roupas curtas) e empunhar
armas com os homens nos campos de batalha. As núpcias de homens com mulheres
que chegaram a superação de seus limites só pode promover uma prole mais
qualificada para a cidade. Dessa maneira, independente do sexo, o célebre
discípulo de Platão, defendia que todos deveriam ter acesso a educação idêntica
e de qualidade para que todos pudessem desenvolver da melhor maneira possível
suas aptidões.
Essa realidade não era igual em Esparta, onde a mulher
possuía grande destaque, pois era vista como a fonte de bons soldados, haja
vista que o pai e a mãe não poderiam educar seus próprios filhos, essa função
era exclusiva do Estado.
Segundo Vrissimtzis[13],
essa situação, em que a mulher vive como um ser inferior e os homens estavam
ocupados com o futuro da Pólis, contribuiu
para uma total desestrutura da organização familiar, porque os adolescentes
ficaram sem referenciais que os ensinassem “os
segredos da vida social, as funções do Estado, os bons modos, os valores
éticos, a virtude, mas também os percalços e perigos da vida”[14].
Essa realidade traz nos idos do século IV a.C. pederastia.
A homossexualidade existia na Grécia,
porém não era aceita, pois submetia o homem a posição humilhante de uma mulher.
O termo pederasta tem sua origem etimológica[15] a
aglutinação das palavras paidós (παιδός-criança)
e erastés (҆εραστής-apaixonado).
Dessa maneira, em um mundo que valorizada a educação intelectual na mesma
proporção que os corpos estabelecia-se uma relação mestre (erastés) e aluno (erómenos)
pautada por uma intimidade que chegava a fornicação, todavia durava dos 12 aos
18 anos para são se constatar homossexualismo. Podemos ver essa realidade na
fale de Sócrates, alter ego de
Platão, em O Banquete[16] quando
Sócrates fala de Alcebíades para o anfitrião Agáton:
Protege-me,
Agáton! O amor deste homem [Alcebíades] só me causa incômodos. Desde que amei,
não me é mais permitido dirigir um olhar ou trocar uma palavra com nenhum belo
jovem, pois este homem ciumento e despeitado, começa a fazer escândalo, entra a
injuriar-me, e quase me agride. Por isso, toma cuidado para que não faça nada
disso agora! Arranja para que haja paz entre nós dois, ou então, se ele tentar
usar de violência, protege-me. Na sua loucura de amor, este homem é capaz de
fazer muitas coisas.
Na Grécia, a
mulher se limitava a casa onde reinava soberana, todavia lhe era vedada
participações sociais por medo de que fosse essencialmente infiel. Essa ideia
era compartilhada pelos romanos, entre os quais a mulher não possuía
personalidade legal (alieni iuris) e
para herdar uma propriedade precisava se casar para que o marido requeresse os
seus direitos. Nessa sociedade, que desenvolveu sobremaneira as bases do
direito, o homem (sui iuris) tinha
direito de vida e morte sobre ela (pátria
potestas). O romano, segundo das leis, poderia tratar sua esposa como seus
escravos conforme a Institutas de
Justiniano[17]
(Flavius Petrus Sabbatius Justinianos 483-565).
Segundo McKenzie[18],
essa realidade de opressão era totalmente diferente no âmbito religioso, no
qual “a deusa representa a mulher como
fonte de vida, mas representa também a mulher como objeto de prazer sexual,
antes, nas concepções mais baixas do culto esta é a sua função mais elevada”[19]
Segundo Vrissimtzis[20],
representações eróticas e relações sexuais tinham caráter religioso, pois entre
o séc. VI e IV a.C. tinham a intenção de assegurar a fertilidade em uma
sociedade basicamente agrária. Todavia a prostituição não era aceita com
naturalidade no berço da democracia, pois, no séc. VI a.C. o legislador Sólon
instituíra prostíbulos que ajudavam os jovens que chegavam à fase adulta e
colocavam fim a prostituição descontrolada.
Vrissimtzis[21]
entende a prostituição sagrada como uma questão especial, pois, segundo costume
antigo no oriente médio como Fenícia, Síria, Babilônia e Ásia Menor, sendo que
os pólos em que essa prática tinha maior força na Grécia estava em Corinto,
Pafos, Amátos e Chipre, onde se acreditava “em
um tipo de mágica simpatética”[22],
na qual mulheres consagradas a essa função prostituiam-se mediante pagamento[23]
em honra a Afrodite ou a Dionísio. Como eram funcionárias do templo todo o
dinheiro arrecadado era destinado aos cofres do lugar sagrado.
O templo dedicado a Afrodite em Corinto contava com mil
mulheres e acumulava fabulosa fortuna de tal maneira que Horácio afirmava: “nem todo homem pode se dar o luxo de
visitar Corinto”. Werner de Boor[24]
afirma que essas mil prostitutas viviam em casinhas adornadas de rosas ao redor
do templo e que era freqüentadas pelos homens sem incorrer em escândalo, porque
a cópula com tais mulheres garantia a fertilidade da cidade e do país. Segundo
Kistemaker[25], os
gregos e o romanos viam a cidade de Corinto com tal permissividade que se
cunhou o verbo corinthiazethai, ou
seja, ter a mesma prática lasciva que era encontrada naquela cidade portuária
da Grécia. Em Roma, a realidade de promiscuidade de Corinto tinha equivalência
na cidade de Pompeia.
Segundo McKenzie[26], Ártemis
(ou Diana), mencionada em Atos 19.23, irmão gêmea de Apolo, possuía um suntuoso
templo em Éfeso que pertencia a uma das sete maravilhas do mundo antigo. Virgem
caçadora desde tempos antigos era vista como a deusa da fertilidade, porque
protegia as parturientes. Em sua imagem as inúmeras mamas representavam a
fecundidade.
Salis[27]
entende que gemelaridade de Artemis com Apolo, pois enquanto aquele regia o dia
pelo sol, esta regia a fecundidade pelos ciclos lunares. Defende, também, que
os deuses são formas de linguagem fascinante que tinha como objetivo de ensinar
questões éticas aos homens. No caso de Ártemis, seria a personificação da
própria natureza que precisa estar virgem (intacta) e pune com suas flechas de
fome e desastres naturais os excessos humanos. Percy Bysshe Schelley apresenta
ideia semelhante no poema Adonai[28]:
Comtemplou a nudez da
Natureza
E foge agora pela terra
inteira:
Os próprios pensamentos o
perseguem,
Como ferozes cães, de
instante a instante.
LiDonnici[31],
citando Nicole Loraux, afirma que mudanças nas condições sociais e políticas “reflected by modifications, sometimes radical, in the
conceptualization and worship of their gods”[32].
Dessa maneira, a autora identifica uma mudança radical na imagem de Ártemis dos
Efésios em relação aquele, mais limpa, apresentada no período helenista e
entende essa mudança a partir de um louvor incluído no momento de dominação
romana. Os muitos seios da imagem apresentada no templo da capital da Ásia
Menor dava aos fiéis as ideias de proteção e nutrição que eram muito
importantes nesse período.
O
culto desse período romana se dá em um sincretismo entre Diana, Ártemis e Ísis
(divindade egípcia mãe de Osíris). A ideia proposta pela imagem da Ártemis do
Efésios é a da mulher intacta que se devotou inteiramente a nutrir e proteger
seus súditos e garantir a estabilidade da nação que a adora. Essa realidade
permite que ela tenha todos os seus seios a mostra sem parecer uma mulher
pervertida ou uma hetaira.
Portanto,
quanto mais distante uma sociedade está do seguro foco das Escrituras Sagradas,
mas tendencioso estará a legar à mulher ou uma posição de humilhação ou
exaltação indevida. Essa tendência se reflete no processo de culto e que a
mulher ocupará um lar de destaque no sacerdócio (quando a mulher é exaltada de
maneira indevida) ou como um ser idealizado, como bem vimos no caso de Ártemis.
Ulrich[33]
vê essa realidade na sociedade de Juízes que mostram o estágio de degradação de
uma sociedade em que a moral estava completamente corrompida e um sistema
religioso que não conseguia cumprir seus propósitos, pra mostrar que o pecado
não é um privilégio dos povos pagãos, mas de todos aqueles que estão distantes
da Palavra de Deus. Ulrich defende a ideia de que um sociedade pode ser avalia
pela maneira como trata as mulheres e crianças. No mundo grego-romano crianças
podiam ser simplesmente abandonadas pelos pais e mulheres subjugadas a uma
classe inferior.
A
sociedade Greco-romana precisava de uma figura materna que os consolasse, uma
deusa estilizada cujo único objetivo é servir de sinistro paliativo para mentes
depravadas. Não é à toa que Paulo afirma literalmente que os efésios eram ateus
(ἄθεοι)
antes da conversão (Ef 2.12) de tal maneira que Calvino afirma: “aqueles que não cultuam o verdadeiro Deus,
por mais que multipliquem as modalidades de seus cultos, por mais que os
ataviem com toda sorte de cerimônias, continuarão sem Deus! Porquanto adoram o
que não conhecem”.
[1]
MCKENZIE, John. Dicionário Bíblico.
São Paulo, Paulus: 1983, p.634,635.
[2]
VRISSIMTZIS, Nikos A. Amor, Sexo e
Casamento na Grécia Antiga. São Paulo, Odysseus: 2002, p.34.
[3] Ibid, p.
34.
[4] http://letras.mus.br/chico-buarque/45150/.
Acessado no dia 04 de novembro de 2014 às 11h26.
[5]
VRISSIMTZIS, Nikos A. Amor, Sexo e
Casamento na Grécia Antiga. São Paulo, Odysseus: 2002, p.34.
[6] http://letras.mus.br/chico-buarque/45150/.
Acessado no dia 04 de novembro de 2014 às 11h26.
[7]
HOMERO, Odisseia, Livro 1, v.215-225.
[8]
Ibid, Lv II, v.75,76.
[9]
Ibid, Lv XXI, v. 75-79.
[10]
VRISSIMTZIS, Nikos A. Amor, Sexo e
Casamento na Grécia Antiga. São Paulo, Odysseus: 2002, p.34.
[11]
ARISTÓFANES, Lisístrata: a greve do sexo.
Porto Alegre-RS, L&PM Pocket: 2003, p.10.
[12]
PLATÃO, A República. São Paulo:
Martin Claret, p. 150.
[13]
VRISSIMTZIS, Nikos A. Amor, Sexo e
Casamento na Grécia Antiga. São Paulo, Odysseus: 2002, p.102,103.
[14] Ibid,
p.102.
[15] http://www.dicionarioetimologico.com.br/busca/?q=pederasta.
Acessado no dia 05 de novembro de 1014 às 21h02.
[16] PLATÂO,
O Banquete. São Paulo, Martin Claret:
2003, p. 152.
[17]
JUSTINIANO, Institutas. Lv I, 8.
[18]
MCKENZIE, John. Dicionário Bíblico.
São Paulo, Paulus: 1983, p.634,635.
[19]
Ibid, p.634.
[20]
VRISSIMTZIS, Nikos A. Amor, Sexo e
Casamento na Grécia Antiga. São Paulo, Odysseus: 2002, p.71,71.
[21]
Ibid, p.90.
[22] Ibid,
p.91.
[23]
Segundo Vrissimtzis (p.89), o preço médio de uma prostituta no séc. V a.C. era
de um óbolo (uma dracma é igual a seis óbolos), contudo também se aceitava
pagamento em espécie.
[24]
BOOR, Werner. Carta aos Coríntios:
comentário Esperança. Curitiba, Editora Evangélica Esperança: 2004, p.20.
[25] KISTEMAKER,
Simon. Comentario Al Nuevo Testamento1
Coríntios. Desafio: 1998, p.13.
[26]
MCKENZIE, John. Dicionário Bíblico.
São Paulo, Paulus: 1983, p.78.
[27]
SALIS, Viktor D. Mitologia Viva:
aprendendo com os deuses a arte de viver e amar. São Paulo: Nova Alexandria,
p.2004.
[28]
Apud BULFICH, Thomas. O Livro de Ouro da
Mitologia: histórias de deuses e heróis. Rio de Janeiro, Ediouro: 2006, p.
46.
[29]
Esse poema é dedicado a John Keats, poeta inglês da segunda geração romântica,
que morreu aos 25 anos.
[30] Filho
do rei Cadmo que é condenado a se tornar um cervo e ser perseguido pelos
próprios cães por ter visto a nudez de Ártemis.
[31] LIDONNICI, Lynn R. The Images of ArtemisEphesia and Greco-Roman
Worship: a reconsideration. Disponível em
http://web.a.ebscohost.com/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=3&sid=ac357771-f3ea-418a-9373-2058154957dc%40sessionmgr4005&hid=4206.
[32] Ibid,
p.1.
[33] ULRICH,
Dean R. Da Fome para a Fartura: o
evangelho segundo Rute. São Paulo, Cultura Cristã: 2011, p.19.
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