Deus e meus lugares inóspitos
Davi, no Salmo 139, faz uma pergunta retórica: “para onde me irei do teu Espírito, ou para onde fugirei da tua
presença?” (Salmo 139.7). O homem pode estar longe de Deus, mas o Senhor
não se aparta de sua vida, mesmo que sua disciplina seja para a severa
disciplina. Contudo, vemos como Adão, diante da nudez advinda do pecado não
suportou ser encontrado por Deus e escondeu-se em uma das árvores do jardim
(Gênesis 3.8-11).
Contudo é possível que a tristeza agarre de tal maneira os nossos
olhos que fujamos não por medo, mas pela mais profunda desorientação como foi o
caso dos discípulos de Emaús (Lucas 24.13-16). Em ambos os casos, a fuga foi
resultado do pecado cometido ou que deixou o coração lento a crer na vontade de
Deus (Lucas 24.25). O produto da soma coração corrupto e enganoso (Jeremias
17.9), mais a tentação constante (1Pedro 5.8) e morarmos em mundo caído (1João
5.19) é sem dúvida nenhuma a possibilidade de nos desviarmos do reto caminho do
Senhor.
O Salmista fala de alguns lugares extremos em que os homens podem
buscar como fuga e que os outros homens não poderão ajuda-los nesses lugares:
os altos céus, os abismos, os confins dos mares e as trevas. Como vimos alguém
pode requisitar essas regiões por pecaminosa obstinação como o profeta Jonas,
mas não podemos nos esquecer de que as adversidades podem nos levar a esses
sítios também e estarmos perdidos, desorientados e cegos pela dificuldade em
lidar com os dias maus.
Gostaria
de aproveitar uma citação o filme Rock Balboa, atualmente conta a história de
Rock o famoso pugilista do passado que agora é viúvo, negligenciado pelo filho
e dono de um restaurante italiano. Esse marasmo é quebrado quando é desafiado a
uma “última” luta com um boxeador jovem, mas em declínio. A produção é
nostálgica e mostra diversas recordações que são reminiscências dos outros
filmes da série. Em uma das cenas, o filho revela como era difícil viver a
sobra do nome do pai e mesmo assim conseguir avanços com esforço próprio e pede
para que o pai desista do confronto já programado e ouve de seu pai: “o mundo não é um grande arco-íris, é um
lugar sujo, é um lugar cruel, porque não quer saber o quanto você é durão, vai
botar você de joelhos e voe vai ficar de joelhos para sempre se você deixar.
Ninguém vai bater tão duro como a vida, mas não se trata de bater duro. Se
trata de o quanto você aguenta apanhar e seguir em frente, o quanto você é
capaz de agüentar e continuar tentando é assim que s consegue vencer” (sic).
Obviamente, esse texto do Rock foi extraído de um compendio
teológico, contudo, seguindo o pensamento de R.C. Sproul, no qual afirma que
todos são teólogos, a questão e sabermos se são bons ou maus, por isso, para
avaliarmos esse excerto e qualquer outro advindo precisamos confrontá-lo com as
Escrituras, nossa única regra de fé e prática e pra essa análise ficar mais
rica vamos usar como modelo a vida de Jó.
De fato o mundo é feio e cruel, não porque Deus o tenha criado
assim, pois quando terminou toda a obra da criação viu que tudo era muito bom
(Gênesis 1.31), mas o pecado dos nossos primeiros pais trouxe essa realidade
conturbada em que vivemos (veja Romanos 8.20). Contudo o pensamento de Rock tem
um problema essencial: a questão do mal. Acredita que o mundo vai bater forte
ao ponto de cairmos de joelho. Esse pensamento é perigoso, porque vê o mundo
como uma realidade autônoma, uma energia que castiga as pessoas sem nenhum
critério e de forma aleatória. Quando se tem essa concepção das adversidades
jamais compreenderemos de fora adequada o propósito das adversidades que nos
atingem e nunca a receberemos com a alegria daqueles que esperam perseverar
(Tiago 1.2,3).
Os problemas não são frutos do acaso, mas fazem parte da obra do
criador que por meio deles castiga o ímpio, assim como ora disciplina, ora
prova o cristão. Com certeza, o Senhor baterá forte, porque tem sua “vontade é boa, perfeita e agradável” (Romanos
12.2). Em alguns momentos, quando caímos nas tentações provenientes de satanás,
e precisamos que o bordão e o cajado do bom pastor batam com firmeza para que
voltemos ao reto caminho. Devemos nos lembrar de que Deus só disciplina a
filhos e se estamos vivendo em pecado em a devida disciplina isso mostra que
não somos bastados (Hebreus 12.8) O ser humano, longe na graça, naturalmente,
foge de Deus, contudo até mesmo o eleito, porque vive em mundo pecaminoso,
porque é passível de tentações e é um pecador pode cair em tentação. Dessa
maneira, na Bíblia, vemos Adão, que logo depois do pecado, fugiu da voz de Deus
(Gênesis 3.8), o mesmo aconteceu com o Profeta Jonas para não pregar em Nínive
(Jonas 1.3) e não há quem, distante dos meios de preservação, que não esteja
suscetível a cair (1Coríntios 10.12) e buscar uma confortável rota de fuga.
Um jovem perdido nas drogas ou uma família devastada pela
imoralidade, por mais perdidos e isolados em seus desencontros podem ter
certeza de que por mais degradantes e complexas que sejam suas realidades,
apesar delas o afastarem de Deus, elas jamais afastam ou impedem que Deus aja
na vida dos seus eleitos. Calvino entende que o salmista, do versículo 7 ao
versículo 12 do Salmo 139, “dá
continuidade à mesma ideia de ser impossível que os homens, por meio de
qualquer subterfúgio, ludibriem os olhos de Deus”.
Davi mostra que se pode buscar um
esconderijo nos céus. O Salmista está falando da morada de Deus, o extremo
oposto dos abismos (שְׁאוֹל-Sheol: o mundo dos mortos).
Obviamente, Davi está falando de maneira metafórica. Existem aqueles que
acreditam que podem se fazer de uma suposta e superficial piedade uma maneira
de enganar a Deus. Os fariseus eram mestres nessa atividade (Mateus 23.26),
pois cultivavam um zelo meramente externo para com a lei, que não fazia
transformações internas neles. Jesus, para ilustrar essa realidade, conta uma
parábola em que um fariseu e um publican subiram ao templo, aquele orava: “Ó Deus, graças te dou que não sou como os
demais homens, roubadores, injustos, adúlteros, nem ainda com este publicano.
Jejuo duas vezes na semana, e dou o dízimo de tudo quanto ganho (compare com
Mateus 23.23)” (Lucas 18.11,12), contudo este, sem coragem de levantar a
cabeça batia no peito dizendo: “Ó Deus,
sê propício a mim, o pecador!” (Lucas 18.13).
Paulo, antes de sua conversão andou nesses caminhos, tortuosos
(Filipenses 3.5), todavia foi encontrado por Jesus no caminho de Damasco e
abandonou qualquer honraria humana, considerando-as como refugo e perda para
ganhar a Cristo (Filipenses 3.7,8). A biografia do Apóstolo dos Gentios nos
ensina que podemos tentar fugir de Deus por meio de uma rígida observância na
Palavra, contudo, por ser externa e superficial, não e capaz de agradar o
Senhor. Quando eleitos como Paulo se encontrarem nesse terrível caminho, o
Senhor os derrubará e os humilhará para que se quebrantem e abandonem as
pretensões de agradar a Deus por obras que, na melhor das hipóteses, são trapos
de imundícia para o Senhor (Isaías 64.6).
Contudo Davi garante que Deus está até mesmo no mundo dos mortos,
poderíamos ir além afirmando que o Senhor está em todos os lugares e nessa
onipresença está em sua implacável justiça até mesmo no inferno a julgar os
ímpios que viveram incautos nos ditames da vaidade da carne.
O Salmista usa a imagem das extremidades do mar para mostrar outro
lugar que seria impossível a Deus. O mar, na Bíblia, é a imagem do caos e da
instabilidade, por isso, não existirá na nova terra (Apocalipse 21.1). Contudo
Jonas sabe muito bem que mesmo no coração dos mares sua oração foi ouvida pelo
único capaz de sondar mente e coração (Jonas 2.3-7). O mesmo pode ser dito da
escuridão, pois o lusco-fusco da luz em contraste com o dia também estará
ausente na cidade escatológica (Apocalipse 21.25; 22.5).
Portanto, nem nas mais densas trevas, nem as extremidades dos mares,
nem as alturas, tampouco os mais infinitos abismos podem impedir a obra
soberana do Criador. Como diria a sobrevivente dos campos de concentração
Corrie Tem Boom: “não há abismo tão
profundo que o amor de Deus não seja mais profundo”.