Por que a Bíblia nos é
imprescindível?
Na triologia, Piratas
do Caribe, vemos que o pirata Jack Sparrow possui uma bússola, mas que, ao
invés de apontar para o norte, como as demais, mostra para a direção dos seus
desejos. Aquele que se guia pela voz do seu coração admite um instrumento falho
e insuficiente para estabelecer o caminho seguro conforme Jeremias 17.9.
Contudo, tal indivíduo, será como a perdiz que, na incapacidade de distinguir seus
próprios ovos, choca os dos outros pássaros (Jeremias 17.11). Quando orientados
pelos nossos desejos, não conseguimos discernir entre o certo e o errado e,
sabendo que somos radicalmente depravados, assumiremos, naturalmente, a via que
desagrada o Senhor.
Qual deve ser a bússola do cristão para se orientar sobre
naquilo que crerá e como conduzirá sua conduta? A Palavra. Muitas pessoas poderão
perguntar: quem deu essa autoridade às Escrituras Sagradas? Alguns argumentarão
que a igreja, contudo Paulo afirma que ela própria está firmada sobre o
fundamento dos Apóstolos e Profetas. Destarte entendemos que a Palavra tem
autoridade auferida pelo próprio Deus e, por isso sua autoridade e
infalibilidade existe antes da estrutura eclesiástica[1], porque o texto bíblico
afirma “toda a
Escritura é inspirada por Deus”.
Calvino (1509-1564), o reformador de Genebra
afirma:
Mui fútil é a ficção de que o poder de
julgar a Escritura está na alçada da Igreja, de sorte que se deva entender que
do arbítrio desta, a Igreja, depende a certeza daquela, a
Escritura. Consequentemente, enquanto a recebe e com sua
aprovação a sela, a Igreja não a converte de duvidosa em
autêntica, ou de outro modo seria controvertida; ao contrário, visto que a reconhece
como sendo a verdade de seu Deus, por injunção da piedade, a venera sem
qualquer restrição[2].
Desde antigos tempos, se tinha a dúvida de o
quanto da Bíblia deveria ser aceita. Podemos abolir o Antigo Testamento? O
herege Marcião de Sinope (85-160), influenciado pelo dualismo gnóstico, “estabeleceu um contraste radical entre o
Antigo e o Novo Testamento: o primeiro representa o reino deste mundo e a lei
(retribuição); o segundo representa o reino celestial e o evangelho da (graça)”[3],
por isso, entendia que “as Escrituras
Cristãs deviam incluir somente o evangelho de Lucas e as cartas do Apóstolo
Paulo às igrejas, sem as pastorais”. Essa é uma doutrina herética, porque
Jesus, ao se encontrar com os discípulos “néscios
e tardos de coração” para crerem em tudo o que os profetas disseram (Lucas
24.25), explicou os eventos da morte e ressurreição começando por Moisés e por
todos os profetas (Lucas 24.27). Não é à toa que o teólogo Agostinho de Hipona
(354-430) afirmava: “o Novo Testamento
está escondido no Antigo e o Antigo é revelado no Novo”[4].
Dessa maneira, não temos textos ou partes da Bíblia que merecem aceitação,
porque é toda, sem excessão, é inspirada por Deus.
Por “inspiração” (θεόπνευστος), transmite a ideia de expirar,
soprar para fora, com esse termo “Paulo
quer dizer que toda a Escritura é exalada de Deus”[5].
A inspiração é orgânica/dinâmica “o termo
orgânico serve para acentuar o fato de que Deus não empregou os escritores
mecanicamente, mas atuou neles de maneira orgânica, em harmonia com as leis de
seu próprio íntimo”[6],
ou seja, quando Pedro afirma que “jamais a profecia teve origem na vontade
humana, mas homens santos falaram da parte de Deus, orientados pelo Espírito
Santo” (2Pedro 1.21) não está dizendo que as Escrituras
Sagradas foram inspiradas de forma mecânica (como um psicografia espírita), mas
de tal maneira que o Senhor usou o caráter, o temperamento, os dons, os
talentos, instrução, cultura, dicção e estilo[7] dos Escritores bíblicos,
entretanto “incitou-os a escrever;
reprimiu a influência do pecado sobre sua atividade literária, e guiou-os na
escolha de suas palavras e nas expressões de seus pensamentos”[8]
(Lucas 1.1-4; 2 Pedro 3.16) Dessa
maneira, a Bíblia não contém a Palavra de Deus (porque foi parcialmente
inspirada ou seus autores humanos tiveram suas mentes inspiradas, mas não suas
palavras), mas é a Palavra de Deus.
Dessa maneira, a Bíblia é, como Cristo, humana e divina,
ou seja, é humana, porque foi escrita por homens e, por isso, foi escrita em um
tempo, contexto, cultura, língua diferente da nossa. Diminuiremos essas
distâncias com o estudo da Palavra recorrendo a comentários, dicionários e a
professores. Contudo ela é divina, assim, é necessário a luz do Espírito Santo
para crer na sua verdade. O teólogo Reverendo Augustos Nicodemus defende: “como Palavra de Deus, a Bíblia deve ser
lida como nenhum outro livro, mas, tendo sido escrita por homens, deve ser
interpretada como qualquer outro livro”. Apesar da complexidade de algumas
páginas das Escrituras, é imprescindível que entendamos que aquilo que é
suficiente para a nossa salvação é de fácil compreensão (veja Atos 4.13), o que
a fé Reformada chama de doutrina da perspicuidade.
Hoje, não existe mais inspiração, pois a Palavra está
completa e não de pode ir além daquilo que ela fala, tampouco acrescentar-lhe
mais informação alguma (Gálatas 1.8,9; Apocalípse 22.18,19), mas a iluminação
do Espírito Santo como Calvino, o Reformador de Genebra, afirma: “é necessário que o mesmo Espírito que
falou pela boca dos profetas penetre em nosso coração, para que nos persuada
de que eles proclamaram fielmente o que lhes fora
divinamente ordenado”[9].
Aqueles que não creem na inspiração da Palavra a têm como
mera abstração, uma produção literária que não tem valor para regrar nossas
vidas. Quantas vezes você ouviu pessoas dizendo que a Bíblia precisa ser
revista e se adequar a nossa cultura? Jesus diz que a sua Palavra jamais
passará (Mateus 24.35), assim como todas as culturas terão acesso a sua
doutrina, pois Jesus manda seus discípulos fazer discípulos em todas as nações.
Não é a Bíblia que deve se adaptar a nós, assim como não é Deus que deve servir
aos nossos intentos, mas, radicalmente, o contrário. É possível que não
entendamos plenamente alguns textos das Escrituras, mas o problema não está
nela, mas em nós e nas nossas limitações intelectuais.
Aqueles que creem na inspiração da Bíblia precisam tê-la
como única regra de fé e moral, dessa maneira, nossas dúvidas em quem devemos
crer, como cultuar a Deus ou como devemos proceder devem ser respondidas pela
sabedoria divina da Palavra. Dessa forma, aquele que deposita na Bíblia possui
um ganho, uma vantagem (ὠφέλιμος)
diante daqueles que não creem, pois tem um instrumento seguro de ensino,
repreensão, correção e instrução na justiça.
O ímpio perde em relação ao cristão, porque, confiando em
seu coração, utiliza um instrumento falível e pouco confiável (Jeremias 17.9)
ou a interpretação da vida que outros ímpios têm. Devido a graça comum às vezes
conseguem resvalar na verdade, mas nunca se aprofundam nela com propriedade,
porque toda verdade vem de Deus.
R.C. Sproul afirma:
Como criaturas caídas nós pecamos,
erramos e estamos inerentemente deformados no que diz respeito à retidão.
Quando pecamos precisamos ser repreendidos. Quando erramos, necessitamos de
correção. Quando nos achamos deformados, devemos ser educados. As Escrituras
funcionam como nosso principal repreensor, nosso principal corretor e educador[10].
Aquele que crê na inspiração das Escrituras e é submisso
a sua pedagogia nela proposta, ou seja, passa pelo seu ensino, repressão,
correção e educação na justiça tem mudanças na sua personalidade, porque o
objetivo (ἵνα) da Palavra é a adaptação
do homem de Deus aos padrões da Palavra que glorificam ao Senhor. Paulo mostra
a Timóteo que o Cristão possui um antes e um depois em relação à Bíblia, pois
antes de nossa conversão estávamos em total desacordo com a vontade divina,
porque, como o Apóstolo dos Gentios afirma aos Efésios: “todos nós também caminhávamos entre eles, buscando satisfazer as
vontades da carne, seguindo os seus desejos e pensamentos; e éramos por
natureza destinados à ira” (Efésios 2.3). Perceba que o próprio Paulo se
inclui nesse nefasto caminho mesmo imerso na extrema e radical do farisaísmo,
mostrando que a mera religiosidade superficial não é capaz de agradar o Senhor.
O ímpio, destituído da Palavra iluminada pelo Espírito
Santo, jamais observará as orientações da Revelação Específica a fim de se
adequar à vontade daquele que o chamou da morte para a vida, por isso, apenas o
homem de Deus (o convertido, o eleito) observará a santa doutrina e a servirá
não com o intuito de ganhar nada, porque já foi agraciado com a salvação eterne
com bênção sem medida advindas das mãos providentes do Criador, mas por
gratidão por tudo o que recebeu e tem recebido.
Essa adaptação/habilitação (a ideia de perfeição nesse
texto exposta no termo ártios – ἄρτιος) do Cristão para com a Palavra deve ser
percebida de forma prática, por isso, Paulo defende que, apesar de não sermos
salvos pelas obras para não nos gloriamos diante de Deus (Efésios 2.9), somos “feitura dele,
criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para
que andássemos nelas” (Efésios 2.10). Tiago é mais enfático ao
entender que a fé só pode ser vista e acompanhada pelas obras (Tiago 2.18) a
ponto de afirmar: “a fé, se não tiver obras, por si
só está morta” (Tiago 2.17). Portanto, vemos a adaptação do homem a
vontade de Deus pelas boas obras que o homem só pode produzir adequadamente em
consonância com os pressupostos bíblicos. João Batista adverte que existe um
machado posto a raiz para cortar aqueles que não produzem frutos de
arrependimento (Mateus 3.10).
A grande armadilha das obras está em querer angariar bens
além morte (como pensam os espíritas que transformam a caridade em moeda de
troca para bens futuros), contudo ninguém será mais salvo ou menos salvo pelas
obras que praticou, porque esse não é o objetivo das obras. Outros querem, por
meio delas, angariar bens temporais e o prestígio dos homens, contudo a Bíblia
afirma que a mão esquerda não pode saber o que faz a direita, quando essa dá
esmola (Mateus 6.2-4).
Portanto, quando alguém lhe perguntar qual a verdadeira
bússola que é capaz de orientar a vida do homem. Saiba a Palavra é
imprescindível, porque ela é exalada de Deus, oferece uma pedagogia infalível e
é capaz de mudar nossa conduta.
[2]
Ibidem, p.82.
[5]
MAIA, H.M.P. A Inspiração e Inerrância
das Escrituras: uma perspectiva Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 1998,
p.96,97.
[7]
Ibidem, 37.
[8]
Ibidem, p.37.
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