Uma vida
pautada no louvor
“Em tudo, dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para
convosco” (1Te 5.18)
Falar de render graças neste ano, especialmente aos olhos
ímpios, parece algo artificial, pois passamos um dos períodos mais tumultuados
dos últimos dez anos em uma recessão terrível, com altos índices de desemprego
e uma crise de egos na política que parece atravancar todo o cenário nacional.
Como Paulo, na Palavra de Deus, pode nos dizer: “em tudo dai graças”?
Quem leu Pollyanna moça de Eleanor H. Porter pode entender
que Paulo fora o pioneiro do “jogo do contente”, outros podem acreditar que o
Apóstolo fosse adepto daqueles que veem o copo meio cheio e não meio vazio.
Contudo é essa a realidade que esse versículo quer elucidar? Mas quanto tudo
parece escuro? Como alguém verá o copo da vida meio cheio quando sob o leito do
hospital ou do féretro está o ente querido? Como jogar o jogo do contente
frente a injustiça e o descaso até mesmo daqueles que outrora compartilhavam
conosco de momentos agradáveis?
Com certeza não são essas as intenções de Paulo. Esse
versículo deve ser visto no contexto mais amplo da primeira carta aos
Tessalonicenses, assim como na vida do próprio Paulo.
O
Apóstolo dos gentios estava no meio de suas segunda viagem missionária,
passando pela região frígio-gálata com o propósito de visitar a Bitínia, mas o
Espírito o quer no Ocidente (At 16.6,7).O Senhor deixa bem claro essa realidade
com a visão do homem macedônico pedindo ajuda (At 16.8). A agenda do
missionário e a de todo o cristão (que é essencialmente um testemunho vivo de
Jesus e do seu poder) não é pautada pelas facilidades, zonas de conforto ou
privilégios que alguns campos possam oferecer, mas pela vontade do Senhor que comanda a igreja. Em nenhum momento, o Espírito
de Jesus inquiriu a Paulo sobre seus desejos ou capacidades, mas tão somente
lhe entregou a missão que, ao encontrar o Ocidente envolveu nossa cultura nos
pressupostos do cristianismo.
O início da história da
igreja cristã no ocidente foi marcada por bênçãos como a conversão de Lídia (At
16.15) e a libertação da jovem adivinhadora (At 16.16-18), mas pelo açoite e o
cárcere em Filipos (At 16.23,24). Eles poderiam murmurar na prisão, mas
doloridos e com os pés presos no tronco investiram suas últimas forças em orar
e cantar louvores (At 16.25). Libertos pelo Senhor não foram procurar cuidados
médicos, mas estavam preocupados com a alma do carcereiro que os tinha prendido
(At 16.30-34), concluído esse ofício não retomam antigos projetos e partem para
a Bitínia, mas continuam no projeto que lhes foi transmitido pelo Senhor e
seguem para Tessalônica (veja 1Te 2.1,2), porque “nenhum soldado em serviço
se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele
que o arregimentou” (2Tm 2.4).
Tessalônica é uma cidade de grande porte, atual capital da Macedônia e
principal rota comercial do Império Romano. Paulo, Silas e Timóteo se detêm
nessa cidade. Paulo dialoga (διαλέγομαι – Veja 1Te 2.5) sobre as Escrituras
três sábados seguidos nas sinagogas e provavelmente (a contar pelo vasto
material de Primeira Tessalonicenses), como era seu costume, ensinou os
convertidos de casa em casa (At 20.20).
O ministério de Paulo em Tessalônica frutificou atraindo “gregos
piedosos e distintas mulheres” (At 17.4). Contudo, cumprindo a permanente
profecia do Senhor em Mateus 5.11,12, Judeus movidos de inveja, tal como
outrora foi feito a Jesus (Jo 19.6,5) trazem homens maus da malandragem
(andarilhos que se prestavam a serviços escusos). Assim como a Jesus os judeus
Tessalonicenses evidenciam o perigo de terem outrou rei senão César (Jo 19.15).
A turba faz com que Jasom, homem abastado que hospedara os missionários, fosse
preso e solto apenas sob fiança (At 17.6-9). Por causa dessas confusões todas
Paulo afirma: “o nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra,
mas, sobretudo, em poder, no Espírito Santo e em plena convicção, assim como
sabeis ter sido o nosso procedimento entre vós e por amor de vós” (1Te 5.5).
A confusão instalada foi tão
intensa que Paulo e Silas são envidas, à noite, para Bereia (At 17.10) e depois
Atenas. Quando Paulo está em Corinto (no início da década de 50 d.C.), Timóteo
que estivera na Macedônia (compare At 18.5 com 1Te 3.1,2).
Timóteo
mostra Paulo que a comunidade nascente vivia em uma fé operosa (1Te 1.3); em
amor abnegado (1Te 1.3); em firme esperança (1Te 1.3); eleitos (1Te
1.4); imitadores de Cristo e modelo para outros crentes da Macedônica (1Te
1.6,7).
Entretanto não havia apenas rosas. Em uma igreja de homens caídos, que
vivem sobe a máxima “andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência
da carne. Porque a carne milita
contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si;
para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer” (Gl
5.16,17), apesar de não andarem no pecado (1Jo 3.6-9), mas está suscetível às
terríveis investidas deste mundo mal, por isso, Paulo adverto aos efésios: “tomai toda a armadura
de Deus, para que possais resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo,
permanecer inabaláveis” (Ef 6.13).
Tessalônica era uma cidade portuária e, dessa maneira, oferecia uma larga
oferta para o pecado da sexualidade, assim, muitos membros as igreja estavam
vivendo em prostituição (1Te 4.3), lascívia (1Te 4.5), impureza (1Te 4.7).
Paulo adverte que aquele que rejeita a santificação, não está rejeitando apenas
o homem ou uma pregação humana, mas o próprio Deus (1Te 4.8).
Precisavam desenvolver o amor fraternal que fosse capaz de transbordar
para com todos os da Macedônia. Werner de Boor, refletindo a Primeira Epístola
aos Tessalonicenses, afirma que o verdadeiro amor não é apreendido
naturalmente, não somos autodidatas do amor, mas teodidatas dele. O exercício
do amor sem a verdadeira instrução de Deus, pelo Espírito Santo, é ora egoísta
(pensando apenas em interesses próprios e disposto a usar o outro enquanto lhe
for favorável), ora tende a um paternalismo irresponsável.
Outro problema da Igreja Tessalônica estava no aguardo da volta de
Cristo. Não faziam suas funções básicas orientados por uma teologia distorcida
da parousia. Paulo enfatiza que a
volta de Cristo será como um ladrão, ou seja súbita e inesperada (1Ts 5.1-4) e
essa espera deve funcionar como fomento para a vigilância moral e não
cronológica. O crente não deve estar ansioso pelo dia em que Cristo voltará
(como vez e outra pregadores de ontem e de hoje tentam adivinhas), mas por
viver de acordo com a vontade do Senhor quando ele chegar, porque, apesar de
sabermos que as obras não podem salvar o homem elas funcionam como um ótimo
indicador de que o indivíduo foi salvo.
Paulo não busca o
lado bom da vida, porque ela não possui essa realidade, mas procura compreender
a providência secreta de Deus sabendo “todas as coisas cooperam
para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu
propósito” (Rm 8.28). Quando vivemos nessa
perspectiva, podemos como José manter nossa santidade mesmo quando somos
humilhados por aqueles que deveriam nos amar, permanecermos íntegros mesmo
frente ao pecado, inabaláveis mesmo esquecidos no cárcere e sem perder a consciência
de que apesar de ser mal aquilo que fizeram para nós, Deus pode tornar o mal em
bem (Gn 50.20).
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