A soberania de Deus e a liberdade humana
“Eu
formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas
estas coisas”. (Isaías 45.7)
Quando se ouve manchetes como essas: “desmoronamento mata jovens em
festa”, “Egito sofre terrível crise climática”, “jovens vendem irmão mais novo
para servir de escravo em terras estrangeiras”, “governante, por vaidade,
embarga saída de povo estrangeiro de seu país”. Geralmente, se acredita que os
males que nos cercam procedem do homem, do diabo ou do acaso, pois se acredita
que o Deus que é amor de 1João 4.8 não seria capaz de provocar tais incidentes.
Entretanto, na tentativa inútil e indevida de preservar-lhe a bondade, legam ao
Senhor um lugar inferior no universo, onde não pode agir se não pela
autorização dos humanos, que criara.
Assim como uma criança não tem a experiência necessária para entender
muitas atitudes de seus pais. Essa triste realidade se deve ao fato de medirmos
o Senhor pela infantilidade de acreditar que os céus estão em nosso patamar,
assim como os caminhos e pensamentos do Senhor, mas eles não são (Is 55.8,9).
Arthur W. Pink (Deus é soberano, 2002, p.16) afirma: “o homem
de fé inclui Deus em tudo, encara tudo do ponto de vista de Deus, calcula os
valores segundo os padrões espirituais e contempla a vida à luz da eternidade.
Agindo assim, recebe o que lhe sobrevier como provindo das mãos de Deus.
Fazendo assim, seu coração mantém-se calmo em meio à tempestade e regozija-se
na esperança da glória de Deus”.
Lutero dizia que “o Diabo é o Diabo de Deus”, ou seja, os demônios
não podem agir segundo suas próprias vontades. Vemos essa realidade, com grande
clareza no livro de Jó (1.11;2.5). Os filhos de Jó não morreram pela imperícia
dos engenheiros, tampouco pelas forças climáticas ou o desejo pernicioso de
satanás (Jó 1.19), mas por causa da vontade soberana de Deus. Segundo J.I.
Packer (Teologia Concisa, 2004, p. 66), “o exército de demônios de
Satanás usa também estratégias mais sutis, ou seja, o embuste e o desânimo em
suas formas. A oposição a esses artifícios é a essência do combate espiritual
(Ef 6.10-18)”. Satanás ainda pode criar transtornos, mas nunca impedir que
a vontade do Soberano seja feita, porque ele não passa de um inimigo já
derrotado (Ap 20.10).
Os céticos, que eliminaram toda a ação sobrenatural do nosso mundo,
acreditam que tudo está fadado ao acaso. Tais pessoas não pedem a ajuda do
Senhor ao sair dos seus lares, mas acreditam que os editoriais e previsões
climáticas serão capazes de orientá-los diante dos problemas da vida. O Egito
passou por terríveis pragas, mas em todas elas estava presente a ação
sobrenatural de Deus. Quando Jesus aclama a tempestade no mar da Galileia os
seus discípulos ficaram possuídos de terror e admiração frente ao Senhor que
controla o que, ao homem, é incontrolável (Lc 8.24,25).
Uma forma de conciliar a bondade de Deus e a existência do mal neste
mundo é o livre-arbítrio. R.C. Sproul (Eleitos de Deus, 2009, p.39)
define livre-arbítrio como “a capacidade de fazer escolhas sem nenhum
preconceito, inclinação ou disposição anteriores”.
O homem foi dotado, por Deus, com liberdade de querer sem que pudesse ser
influenciado nem para o bem ou para o mal. Adão e Eva possuíam livre-arbítrio
no estado de inocência (antes da queda), todavia, após a queda perderam“totalmente
a capacidade da vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a
salvação (Rm 5.6; 8.7; Jo 15.5)” (Confissão de Fé de Westminster IX, 3).
Dessa maneira, como afirma Jonathan Edwards (in SPROUL, R.C, Eleitos de Deus,
2009, p. 41), “a vontade sempre escolhe de acordo com sua mais forte
inclinação no momento”. Pink (Deus é soberano, 2004, p.108), na
mesma linha, afirma: “qualquer dessas forças motivadoras que exerça a
influência maior e que seja mais poderosa sobre o próprio indivíduo é a que
impulsiona a vontade da ação”. Nada pode se fazer pra ser salvo, pois
nossas melhores obras são imundas para Deus (Is 64.6), assim como somos salvos
pela graça (Ef 2.8,9). Alguém poderia perguntar: então posso pecar a vontade,
se eu for eleito estará tudo bem, mas Paulo afirma que ninguém que vive em
Cristo pode voltar para o pecado (Rm 6.1,2).
O livre-arbítrio é impossível, porque somos escravos de nossas vontades
pecaminosas e, para vencê-las é necessário a ação da graça. Pink (Deus é
soberano, 2004, p. 109) afirma: “se a vontade é controlada, ela não é
soberana nem livre, sendo apenas uma serva da mente”. Os irmãos de José
estavam tomados pelo ciúme (Gn 37.4), por isso, já não refletiam adequadamente
(Gn 37.20) e a atitude em vende-lo as ismaelitas não foi arbitrária, mas
escrava dos sentimentos pecaminosos de seus corações (Gn 37.28). O que eles
fizeram foi errado e o próprio José reconhece isso (Gn 50.20), mas ao mesmo
tempo é controlado por Deus. J.I. Packer (A evangelização e a soberania de
Deus, 19) afirma: “o homem é um agente moral reponsável, ainda que seja,
ao mesmo tempo também, controlado pela divindade, o homem é divinamente
controlado, embora seja também, um agente moral responsável”.
A soberania de Deus e a liberdade humana não são parodoxais (realidades
que não podem ser conciliadas), mas antinômios (realidades que caminham em
conjunto). Deus nunca foi surpreendido pelo pecado do homem, tampouco tem parte
com ela, mas pode usa-lo para sua glória. O que os irmãos de José fizeram foi
pecado, todavia muitas pessoas sobreviveram, porque o penúltimo filho de Jacó
estava nas terras egípcias no momento estabelecido por Deus.
Se “Deus é quem efetua em nós tanto o querer como o realizar, segundo
a sua vontade” (Fl 2.13), quando Deus endurece o coração de Faraó (Êx 4.21;
7.3; 14.4; 14.17) o está fazendo mais pecador? Deus não colabora com o seu
pecado, mas, apenas, não o refreia. O endurecimento do coração de Faraó é
apenas deixa-lo da maneira como sempre foi.
Entendemos, em
Isaías 45.7, que Deus faz todas as coisas, inclusive o bem e o mal, como afirma
William Edgar (Razões do coração, 2000, p.118-120), nem sempre
entenderemos sintuações adversas, mas que “todas as coisas cooperam para o
bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28); essas circunstâncias sempre vão,
em última instância, servir a glória de Deus; Jesus veio solucionar,
definitivamente o problema do mal.
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