Escravo de quem?
“Paulo, ESCRAVO
de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus”. (Rm 1.1)
No último 20 de novembro, nosso país comemorou o dia da consciência
negra, o qual substituiu o antigo feriado do dia 13 de maio, quando se relembrava
o dia da abolição da escravatura no Brasil. A explicação está no fato de que
nesta data houve apenas uma postura legal, que não interferiu muito na vida do
negro, enquanto aquela mostra uma comunidade quilombola de 15 a 20 mil pessoas que
viveram de 1590 a
1694 em liberdade e eficiente organização civil.
O grande ícone da consciência negra foi o herói brasileiro Gamga Zumba ou
Zumbi (1655-1695) (aquele que estava morto e revivieu), que, apesar de nascer
livre, foi capturado aos sete anos e foi escravo do Padre Jesuíta Antônio Melo em Porto Calvo , com quem
aprendeu português, latim, álgebra e religião. Contudo,aos 15 anos, fogiu para
o Quilombo dos Palmares, onde, dez anos depois (1625), se torna chefe. Com genial
senso de estratégia conseguiu defendê-lo das investidas portuguesas que, mas,
no dia 20 de novembro de 1695, é traído e entregue aos seus inimigos que o
degolaram.
Zumbi é um homem que reconheceu que estava morto na vida junto ao Padre
Antônio Melo e passou a viver, quando encontrou a liberdade. Entretanto é a
liberdade capaz de nos dar a verdadeira vida? O homem pode ser livre?
A filosofia existencialista do francês Jean Paul Sartre (1905-1980)
pregava: “o homem está condenado a ser livre”. Contudo o escritor grego
Homero (IX a.C.), na Ilíada foi grandemente usado pela graça comum quando fala
pela boca do herói Ulisses: “muita gente a mandar não parece bem; um só
chefe, um só rei, é o que mais convém”.
A liberdade é um sonho vão do ser humano, porque sempre está aprisionado
em algum grilhão, santo ou vil, virtuoso ou corrupto independente de suas
escolhas, porque jamais consegue escolher plenamente sobre uma questão, pois,
desde que, no Éden, nossos primeiros pais perderam o livre-arbítrio, somos,
como afirma Lutero a Erasmo de Roterdã, quais pedras que não conseguem fazer
nada mais que cair, pois nosso coração corrupto e enganoso (Jr 17.9), assim
como a gravidade, nos puxa, continuamente, para o que não é capaz de nos
edificar e agradar o Senhor. Todas as boas ações tanto do crente, quanto o
ímpio são assistidas pela graça. Dessa maneira, o homem nasceu não para a
liberdade, mas para a escravidão ou a Deus ou ao diabo.
John MacArthur, na obra Escravo: a verdade escondida sobre nossa
identidade em Cristo, entende que houve um erro não intencional na tradução
a palavra grega doulos (δοῦλος),
que originalmente significa escravo para servo. Parece que a diferença entre
elas é mínima, mas é fácil perceber que enquanto o servo conserva em alguma
medida de autonomia, o escravo é propriedade de alguém a quem deve procurar
servir da melhor maneira possível.
MacArthur entende que esse equívoco tem contribuído para a confusão
quanto o ensino e prática do evangelho, porque aquele que não quiser apenas
servir a Cristo conservando, em certa medida seus gostos e preferências, jamais
conseguira viver satisfatoriamente a vida cristã àquele que dá a seguintes
ordens a quem deseja segui-lo: “negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me”
(Mc 8.34b).
Segundo Coenen e Brown, Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento, o doulos não pertencia a si mesmo, mas a outra pessoa, por
isso, quando Paulo, Tiago ou Pedro chamam a si próprio (Rm 1.1; Tt 1.1; Tg 1.1;
Jd) ou outras pessoas (Cl 4.12) de doulos de Jesus, eles não estão se
identificando como meros servos, mas como pessoas que não têm vida própria, mas
pertencem aquele que os libertou do império das trevas para a vida eterna.
MacArthur defende que foram dois os motivos que levaram os tradutores das
edições inglesas no séc. XVI a traduzir algumas vezes doulos por servo:
·
O termo escravo estava muito ligado à escravidão
ocidental negreira. Os tradutores não queriam ligar a relação do cristão com
Cristo a essa marca vergonhosa de nossa história claramente condenada nas
Escrituras (Êx 21.16; 1Tm 1.10);
·
A escravidão no séc. XVI não tinha nenhuma relação
com o contexto dessa no primeiro século.
No primeiro século, cerca de 12 milhões de pessoas eram escravas (um
quinto da população) no Império e a vida dessas pessoas podia ser avaliada pela
perspectiva de quem era seu mestre/senhor. Servir um senhor cruel era terrivelmente
perigoso. O filósofo romano Sêneca (4-65 d.C), no discurso Sobre a
Futilidade da Ira, conta a história de um homem muito rico, chamado Vedius
Pollio, que tinha prazer em jogar escravos vivos no seu lago de peixes
carnívoros a fim de ver estes devorando aqueles. Entretanto era muito bom
servir um senhor bom. Os escravos de senhores renomados tinham um certo
destaque na sociedade por causa da posição a quem pertenciam. Era comum que
escravos mandassem gravar nas suas lápides, com detalhes, o nome dos seus
senhores.
Não há como ser livre, pois o se é escravo de Jesus ou do diabo (Jo 8.34;
1Jo3.8). Aquele que serve o pecado pode acreditar que é livre e vive a vida com
prazer, mas só pensa assim, porque estão cegos e mortos em suas práticas vis (2Co
4.4; Ef 4.18). A vida pautada pelas regras do mundo parece trazer uma variedade
de senhores, mas na verdade apresenta apenas um tirano cruel e sanguinário.
O crente é aquele que sabe que poderia viver muito mais seguro e abastado
nos limites do mundo e seus prazeres, mas fugiu de suas regalias para viver
perseguido e pronto para dar sua vida, porque sabe a quem pertence e a
recompensa que ganhará por sua fidelidade na glória.
Nenhum comentário:
Postar um comentário