As
possibilidades nos dias maus: a relação com o próximo
“Tudo posso naquele que
me fortalece”. (Fl 4.13)
Nesse período em que nosso país vive uma terrível recessão, a a cura de
todos os problemas é puramente material. Comentaristas, no “horóscopo” dos
números do mercado, preveem um futuro nebuloso e cheio de incógnitas. De fato,
precisamos nos precaver, pois o dinheiro é bênção de Deus que não pode ser
desperdiçada, tampouco gasta de forma desordenada.
O grande problema das precauções está no momento em que elas tomam uma
proporção pecaminosa e deixamos de compreender a soberania de nosso Deus. O
Senhor está no controle do mundo, mesmo quando esse parece descontrolado. Em
Mateus 6.25-34, os discípulos de Jesus estão preocupados com o que comerão,
beberão e como se vestirão, mas Jesus mostra que assim como as aves dos céus
têm o que comer e beber, e os lírios dos campos têm um vestuário suntuoso, o
mesmo Senhor que prove alimento e vestimenta a esses seres, que nos parecem
insignificantes é aquele que soberanamente abastece nossas dispensas, por isso,
cabe a nós buscarmos “em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos
serão acrescentadas” (Mt 6.33).
Jesus não nos promete na Palavra uma vida de certeza e caminhos planos, mas
afirma que os amanhã trará os seus próprios cuidados, mas podemos confiar na
providência divina em todos os dias de nossa vida (Mt 6.34), como afirma Pedro:
“lançando
sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós”
(1Pe 5.7).
Como enfrentar esses dias que parecem ser difíceis? Como moldarmos o
nosso sustento às nossas reais necessidades? Como não viver abalado em meio a
crise? Como não ser escravo do dinheiro, valorizando aqueles que têm mais e
podem mais? Quando lemos a carta de Paulo aos Filipenses e como ele agradece a
o recurso a ele confiado por Epafrodito temos algumas pistas de como lidar com
o dinheiro sem sermos seus escravos.
Paulo nos mostra que nosso grande problema está na base em que nos
alicerçamos. Quando no dia 24 de outubro de 1929 a Bolsa de Nova York
quebrou, foram notificados 11 suicídios, inclusive o de uma funcionária de uma
joalheria que se enforcou tendo as dívidas aos seus pés. Contudo, quando Jó, em
um único dia sabe que perdera todos os seus bens e inclusive os próprios
filhos, ele não busca nenhuma fuga, mas afirma: “Nu saí do ventre de
minha mãe e nu voltarei; o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome
do SENHOR!” (Jó 1.21).
Em Filipenses 4.10, Paulo se mostra excessivamente alegre com o donativo recebido
da igreja de Filipos, contudo mostra que sua alegria não está no dinheiro,
porque o amor a ele é a raiz de todos os males (1Tm 6.10), mas no Senhor. O
Apóstolo dos gentios mostra que toda a providência humana, em primeira
estância, é provocada e determinada pela vontade soberana do Senhor. Quanto ao
que recebeu, deixa claro que o que mais o deixa alegre é o cuidado que
refloreceu. Paulo usa o verbo grego anathállo (ἀναθάλλω), que significa reflorecer, pois entende que assim como as plantas não
existem apenas quando produzem flores e frutos, a comunidade de Filipos não lhe
foi favorável apenas quando puderam lhe prover bens materiais.
Provavelmente, a igreja de Filipos
contava, em sua membresia, com Lídia, vendedora de púrpura (provavelmente
porque fosse viúva e continuava o negócio do marido), que hospedara Paulo,
Silas e Timóteo pelo menos duas vezes (At 16.15,40). Talvez o Carcereiro (que
foi impedido de cometer suicídio por Paulo – At 16.27-31) e a sua família.
Paulo reconhece que essas pessoas, tais como Epafrodito, que andara 1280 Km de Filipos a Roma,
são mais importantes do que a ajuda que lhe enviaram.
Paulo jamais concordaria com a atual
sociedade utilitarista que valoriza o homem na medida em que esse pode oferecer
algo, empresas que investem em um funcionário enquanto é lucrativo. Talvez uma
metáfora adequada para essa triste realidade esteja na obra Metamorfose
de Franz Kafka (1883-1924), na qual apresenta a personagem Georg Samsa, um
caixeiro viajante que odiva seu trabalho e seu patrão, mas não podia mudar de
vida porque atuava como arrimo financeiro de sua família. Contudo, ao dormir,
acorda vítima de uma terrível metamorfose, pois, agora, era um inseto
asqueroso.
No princípio seus entes se condoeram
em suas dores, mas, aos poucos, todos foram assumindo uma autonomia que lhes
fora ausente e isolando-o em um quarto no qual lhe davam os restos. Aquele que
outrora era valorizado, só o era pelo que oferecia, porque, quando deixou de
ter valor pelo que fazia, passou a ser insignificante naquilo que era, foi e
naquilo que será. Percebamos como crianças e idosos são tratados nessa
sociedade.
O Apóstolo dos gentios entende uma
verdade preciosa, que apesar de óbvia, tornou-se esquecida: as pessoas, não
importa as circunstâncias, são mais valiosas que o dinheiro ou qualquer
trabalho que possam oferecer.