O jugo desigual e
suas implicações
Segundo Dean Ulrich (2011, p.71), o
povo de Israel tinha duas missões: ser um exército santo que exerceria
disciplina sobre o povo cananeu, porque o cálice da ira de Deus havia
transbordado (Gn 15.13-16) diante de todas as idolatrias e depravações
empreendidas por eles, assim como não se contaminar com casamentos mistos.
Entretanto, quando olhamos a genealogia de Jesus, vemos duas uniões,
aparentemente, mistas: Salmom com Raabe e Boaz com Rute.
Raabe era uma prostituta de Jericó
(Js 2.1) e Rute uma mulher moabita, que até a décima geração não poderia entrar
na congregação do Senhor (Dt 23.3). De fato, se a base do casamento misto fosse
racial, essas mulheres não poderiam ser tomadas como esposas por israelitas
piedosos, tampouco compor a descendência do Salvador. Todavia, “embora Israel devesse manter a pureza moral
e de culto, bem como eliminar os cananeus, é preciso salientar que a base
para a separação era TEOLÓGICA e não racial” (ULRICH, 2011, p. 74,
grifo nosso).
Vemos que tanto Raabe, quanto Rute,
apesar de terem vivido em terras pagãs e praticado a idolatria, um dia ouviram
(Js 2.9-11) sobre os feito gloriosos de Deus e foram chamadas da morte para a
vida. O próprio Abraão serviu outros deuses em Ur dos caldeus (Js 24.2), porém,
diante da ordem “Sai-te da tua terra, da tua
parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei
uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma
bênção”. (Gn 12.1,2) obedeceu.
Dessa
maneira, o povo de Deus não tem como fundamento um laço sanguíneo, muito menos integrar
o rol de membros de uma igreja, mas escutar as palavras do Senhor e colocá-las
em prática (Mt 7.24; Lc 6.49), porque “quem
pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas,
porque são feitas em Deus” (Jo 3.21).
Carson (2007, 209), comentando João 3.10-21, afirma que a fé simples, despreparada
e incondicional levou os israelitas a se voltarem para a serpente de bronze no
deserto (Nm 21.8,9 compare com Jo 3.13-18) e essa mesma fé deve levar o cristão a buscar Jesus e é “por intermédio de tal fé, e tal fé somente,
alguém pode experimentar o
novo nascimento (Jo 3.3,5) e assim ganhar a vida eterna (Jo 3.15,16)”.
Raabe demonstrou essa fé simples
quando “recebeu os espias com aquela
hospitalidade que punha em risco sua vida” (CALVINO, 2012, p.325) e pediu
misericórdia para si e para a casa de seu pai. Rute evidencia sua fé quando
busca o Deus de Noemi como o seu Deus (Rt 1.16; 2.12) e encontra refúgio em
suas asas. Cundall e Morris (1986, p.244) entendem que a decisão de Rute,
apesar de moabita, viúva, sem filhos e ainda em idade para se casar até mesmo
com bons partidos seguir uma senhora, igualmente viúva, sem filhos, para uma terra
que só ouvira falar e assumir o seu Deus como o seu deus mostra que apesar de
sua fé não ser bem fundamentada era real.
Se alguém perguntasse para Paulo
entre 59 e 60 d.C. (data em que escreveu as cartas de Colossenses e Filemon em
Roma) sobre a fé de Demas, provavelmente, diria que era um rapaz comprometido,
pois o reconhece como seu cooperador junto de Marcos, Aristarco e Lucas. Boor
(2006, p. 74) entende que a falta de elogios a Demas na carta aos Colossenses
(escrita no mesmo período) talvez revelasse que ele continuava cooperando, mas
sem a mesma ênfase. Contudo, a fé de Demas , tal como a semente que cai nos
espinhos (Mt 13.22), não suportou os cuidados do mundo e suas fascinações e,
por essas quimeras apostatou. Calvino (2009, p.281) afirma: “ele não podia ficar com Paulo sem se
envolver em muitos problemas e humilhações e até mesmo com o real risco de sua
vida, ficava exposto a muitas repreensões, insultos, era forçado a renunciar os
cuidados dos próprios interesses” e, por isso, temos a constatação de
Paulo: “Demas, tendo amado o presente
século, me abandonou e se foi para Tessalônica” (2Tm 4.10a).
Por
outro lado, se alguém visse a ficha policial do ladrão crucificado ao lado de
Jesus, afirmaria que ele não era um escolhido antes da fundação do mundo (Ef
1.4), porém, no alto da cruz, reconhece seus pecados (Lc 23.41) e busca a
Jesus: “Jesus, lembra-te de mim quando
vieres no teu reino” (Lc 23.42). Rienecker (2005, p.299) afirma: “o malfeitor na cruz superou a muitos outros em clareza de percepção, em
força de fé e em ousadia de testemunho”, nem o “corajoso” Pedro foi tão
audaz para discípulos do sumo sacerdote, uma criada, servos, guardas e pessoas
que se esquentavam (Jo 18.15-18, 25-27).
Dessa maneira, quando Paulo orienta
que os cristãos devem se casar no Senhor (1Cor 7.39), mostra primeiro que não é
lícito que o crente se vincule com o incrédulo, mas também que o temor do
Senhor deve ser o alicerce pelo qual deve se começar a vida conjugal (CALVINO,
2003, p.245,246). Há muitos crentes que se casaram com outros crentes, as lutas
cotidianas alteram suas prioridades e, em algum tempo, estão vivendo como uma
família ímpia, mas como uma casca religiosa que apenas mostra uma fé
superficial e sem efeitos na vida prática. Contudo para saber quem é crente e
quem é incrédulo é necessário muito mais da habitual análise burocrática (Qual
igreja pertence?, Fez pública profissão de fé?, Qual seu ministério na
igreja?), precisa-se conhecer os hábitos e prioridades. O Jovem rico tinha uma
vida bastante piedosa, mas quando foi obrigado a priorizar Jesus e se desfazer
de suas riquezas não foi capaz (Lc 18.18-23), todavia Mateus não se importou em
deixar a coletoria (Mt 9.9)
Em 2 Coríntios 6.14, Paulo afirma que
toda sociedade do crente com o incrédulo é “jugo
desigual”, o que evoca a metáfora de dois bois, cavalos ou burros atados
pela mesma canga e tendo que puxar a mesma carga. Uma canga desigual obriga um
a levar aior peso do que o outro e é exatamente isso que acontece com o crente,
pois tem a responsabilidade de glorificar a Deus em todas as áreas de sua vida,
enquanto o ímpio só possui compromissos com os ídolos de seu coração. Calvino
(2008, p.177) entende que “prender-se a jugo desigual com os incrédulos
significa nada menos que manter comunhão com as obras infrutíferas das trevas
(Ef 5.11) e estender-lhes a destra aos incrédulos como emblema de
companheirismo”.
Os casamentos mistos têm o poder de corromper pessoas sábias e
comprometidas como Salomão, que, velho, por influência de suas mulheres ímpias,
seguiu Astarote (deusa dos sidônios), a Milcom (deus amonita), edificou
santuário a Camos (deus moabita que exigia sacrifícios humanos. Veja 2Rs
3.26,27) e Moloque (deus amonita que exigia sacrifício de crianças) (1Rs
11.4-8). Neemias descreve Salomão e seu pecado da seguinte maneira: “entre muitas nações não havia rei
semelhante a ele, e ele era amado do seu Deus, e Deus o constituiu rei sobre
todo o Israel. Não obstante isso, as mulheres estrangeiras o fizeram cair no
pecado” (Ne 13.26).
O
jugo desigual não é pernicioso apenas no casamento, mas em todas as relações em
que o crente possa empreender junto ao ímpio. Um exemplo é o sacerdote
Eliasibe, porque, enquanto o povo, diante da orientação bíblica, procurava
apartar todo elemento estrangeiro, ele, encarregado dos depósitos, cedera uma
grande sala no templo que era destinada a depositar as ofertas de manjares, o
incenso, os utensílios e os dízimos dos cereais, do vinho e do azeite, que se
ordenaram para os levitas, cantores e porteiros, como também contribuições para
os sacerdotes para Tobias, amonita que não se agradou que alguém procurasse o
bem do povo de Israel (Ne 2.10), zombou do povo de Deus (Ne 2.19), subestimou a
edificação dos muros (Ne 4.3), tentou matar Neemias (Ne 6.1), subornou profetas
como Semaías e Noadia (Nm 6.10,12,14) e escreveu cartas para atemorizar Neemias
(Ne 6.19). Tobias estava instalado no templo, porque era parente do sacerdote
Eliasibe e esse era um ótimo lugar para influenciar de forma negativa os da
tribo de Judá.
Tobias
não temeu em jogar os móveis de Tobias, tomado por semelhante zelo com o qual o
Senhor Jesus expulsou os vendilhões do tempo. Sempre que o povo adotou a
doutrina de Balaão, ou seja, um relaxamento quanto a aproximação daqueles que
não temem a Deus sempre ouve um esfriamento da fé (veja a igreja de Pérgamo em
Ap 2.12-17) uma tendência a perversão mais intensa do que a praticada entre os
ímpios.
Assim
como é mais fácil ser puxado para dentro de um lamaçal do que tirar uma pessoa
de dentro dele, é muito fácil o crente se desviar ao se casar “infiéis, papistas ou outros idólatras são
notoriamente ímpios em suas vidas ou que mantêm heresias perniciosas” (Confissão de Fé
de Westminster XXIV, 3). Contudo, acreditamos que existem pessoas que entram em
um casamento misto e, com o tempo, a parte não crente, por fazer parte da
igreja invisível, vem a se converter e ser um crente vigoroso, mas essa
realidade não é uma regra, mas uma exceção. Na maioria dos casos, vemos pessoas
que antes professavam uma fé viva se desviando do reto ensinamento da Palavra
ou pessoas que suportam um peso desigual, porém buscam santificar suas famílias
no testemunho e na oração.
A Igreja Presbiteriana do
Brasil (SC-1942-031) é contrária ao casamento misto, porque entende que as
Escrituras são específicas em salientar a inconveniência deles, todavia como a
confissão se silencia sobre se pode ou não se impetrar a bênção matrimonial
sobre casais mistos, sabendo que a cerimônia de casamento não é um sacramento,
mas um culto intercessório onde os familiares do não-crente têm a oportunidade
de conhecer melhor o evangelho, mesmo sendo inconveniente (CE-87-110) e se o
casal almeja de fato a bênção do Senhor é lícito conferi-la, porém respeita “respeita
o escrúpulo de pastores, conselhos e congregações que consideram inaceitável
sobre casais mistos ou não evangélicos”.
Salmom e Boaz viram em
Raabe e Rute a piedade externa de um compromisso interior com Deus. Da mesma
maneira, os jovens crentes devem entender que a membresia eclesiástica não é um
fator predominante para indicar que uma pessoa é de fato crente, pois todo
crente fiel está em uma igreja fiel (prega a Palavra, administra os sacramentos
e a disciplina conforme as orientações bíblicas), mas nem todos aqueles que
estão em uma igreja fiel são de fato crentes. Jesus nos adverte que o joio deve
crescer com o trigo até o juízo (Mt 13.30). Dessa maneira, nem todos os que
estão arrolados no rol de membros de uma igreja são de fato crentes. No período
do namoro, deve-se primar por conhecer acima de tudo as convicções religiosas
do indivíduo, suas prioridades, sua cosmovisão.
Vestir o ímpio de crente
não o faz piedoso. Muitos jovens tentam impor aos ímpios condições externas de
piedade como ir à igreja, fazer o discipulado, fazer pública profissão de fé,
etc, mas, assim como não se pode mudar a cor do etíope, tampouco as manchas do
leopardo, o indivíduo acostumado ao mal não pode fazer o bem (Jr 13.23).
Muito bom este artigo!!!
ResponderExcluirQuanto ao casamento misto corromper pessoas sábias, acredito que não apenas isso, como também a preferência da pessoa demonstra o descompromisso da pessoa com Deus, ou seja, traz à luz a corrupcao.
Testemunho de que mesmo na minha "pior fase" de cristão eu não me aprofundava em jugo desigual porque sabia o quanto isso ia me destruir.