Como Protestar por
dias melhores?
Parafraseando Shakespeare: há algo de
podre no governo do Brasil. Assim como Hamlet (Ato I, cena IV) via a
imoralidade do palácio dinamarquês como algo a apodrecer, nós brasileiros,
pelos jornais, vemos a anatomia de mais um escândalo que nos dá o mesmo
sentimento de putrefação de instituições que julgávamos sólidas como a
Petrobrás e o pessimismo de sabermos que outras notícias de roubo vão ser
contadas e seus protagonistas permanecerão impunes em sua empáfia. Diante dessa
triste realidade, alguns grupos de organizam em movimentos que visam o impeachment da presidente da República.
Portanto, é lícito ao cristão participar desses atos?
Jesus nos orientou a sermos prudentes
como as serpentes e símplices (não misturados) como as pombas (Mt 10.16), por
isso, ao vermos esses movimentos se levantando devemos ter a mesma percepção de
Machado de Assis em Memórias Póstumas de
Brás Cubas (cap. IV): “Quem não sabe
que ao pé de cada bandeira grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias
outras bandeiras modestamente particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra
daquela, e não poucas vezes lhe sobrevivem?”.
Debaixo da bandeira “fora Dilma” ou
“fica Dilma” existem interesses partidários que não possuem força legal, porque
a presidente foi eleita democraticamente com 51, 45% dos votos, contra os 48,
55% do seu oponente e tampouco pode ser, “na vigência de seu mandato, responsabilizada por atos estranhos ao
exercício de suas funções”
(Constituição Federal 86§4), por isso, requerem a população como massa de
manobra para que, no frigir dos ovos, o impeachment
não pareça um interesse partidário, mas a voz popular. Se essa voz conta algo,
ela já se manifestou nas urnas nas últimas eleições, e toda manifestação
posterior é um contratempo vago.
No último dia 08, a mídia mostrou cenas ridículas de pessoas protestando
com panelas e palavras de baixo calão. Por pior que seja a administração de um governante
ou por mais que ele persiga a igreja, a Bíblia não nos dá o direito de lançar
imprecações contra ele, mas nos incentiva na obrigação de orar por sua vida.
Em meados de 60 d.C., quando Paulo
escreve a primeira epístola a Timóteo, as autoridades romanas não eram bem
quistas entre os judeus e cristãos, pois no ano 50 d.C. Claudio expulsara os judeus
de Roma e logo, em 67 d.C., Nero, sexto imperador romano, se torna o primeiro a
perseguir a doutrina cristã (Eusébio de Cesareia XXV.4), o qual matará Pedro e Paulo.
Todavia Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, irá ordenar aos crentes de todas
as épocas: “exorto que se use a prática de
súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens,
em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que
vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito” (1Tm 2,1,2).
A
Confissão de Fé de Westminster (XXIII.1) entende que há m duplo governo de
Deus: “Deus, o Senhor supremo e Rei de todo o mundo,
para a sua glória e para o bem público, constituiu sobre o povo magistrados
civis que lhe são sujeitos, e a este fim, os armou com o poder da espada para
defesa e incentivo dos bons e castigo dos malfeitores”.
A qualidade administrativa da
presidente ou seus pressupostos não exime os cristãos de interceder por seu
governo, pois estes têm o dever de orar até mesmo porque aqueles que os
perseguem (Mt 5.44) tampouco demonizá-la, pois toda a autoridade vem de Deus
(veja Pv 8.16; Rm 13.1). Dessa maneira Calvino, comentando a Epístola aos
Romanos, afirma: “ainda que as
autoridades ditatoriais e injustas não devam ser classificadas como governos
ordeiros, todavia o direito de governar é ordenado por Deus visando ao
bem-estar da humanidade”.
Calvino, nas Institutas (XX. 24,25) que
a maioria dos governantes não apresenta bons exemplos, tampouco transparecem em
suas atitudes como bons governantes, mas se extraviam em uma vida dissoluta que
traz sofrimento aos súditos, todavia esses devem respeitar aqueles como se
fossem bons, pois Calvino entende que os governantes, legalmente constituídos,
que não exercem corretamente seu ofício são instrumento de castigo e disciplina
para um povo que se distancia de Deus.
Deus, por meio de Jeremias chamará
Nabucodonosor, rei da Babilônia de seu servo (Jr 25.9; 27.6) não por sua
piedade, pois saqueou o templo de Jerusalém para levar tesouros a Bel seu Deus
(2Cr 36.10; Dn 1.2), muito menos por causa de sua misericórdia, porque não a
teve nem com jovens, donzelas ou velhos (2Cr 36.17). Entretanto é chamado de
servo de Deus, porque procede a ira do Senhor contra aqueles que “zombavam dos mensageiros, desprezavam as palavras
de Deus e mofavam dos seus profetas” (2Cr36.16). Dessa maneira, devemos entender que a presença de uma
autoridade civil falhas e perniciosa serve para a disciplina de um povo,
sabendo que o “o justo viverá pela fé”
(Hc 2.4), ou seja, mesmo que o justo tenha que sentir a disciplina angariada
pelos maus ela não esmorecerá, mas, como Daniel, firmará o propósito de não se
contaminar (Dn 1.8).
Todavia
a obediência aos governantes não pode ser maior do que a obediência
devida a Deus. O súdito não pode negligenciar a Palavra para contentar seus
superiores, tal como os amigos de Daniel (Dn 3.18), que estavam dispostos a
morrer, mas não se entregar a idolatria. Pedro, inspirado pelo Espírito, afirma
que o temor do Senhor antecede a honra devia a autoridade civil (1Pe 2.17) e
igualmente diz aos homens do Sinédrio: “Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29).
A estrutura política não pertence a
satanás, todavia, como um hábil mercador da tentação ele exerce influência
degenerativa na direção que a política assume. A luta do cristão não deve se
resumir a utilizar dos modelos humanos para reformar o mundo, mas daqueles
dispostos na Palavra, ou seja, denunciando as distorções e fiscalizando de
maneira ordeira se a justiça está sendo feita. Sem uma profunda santificação na
direção que a atividade política toma a saída de um corrupto só abre vaga para
mais a se corromper.
Na tentação do Getsêmani, Pedro quis
usar dos meios mundanos para fazer justiça, mas ele e nós somos advertidos pelo
Príncipe da Paz: “Embainha
a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão”
(Mt 26.52).
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