Apegado às sombras
“Portanto, ninguém tem o direito de
vos julgar pelo que comeis, ou pelo que bebeis, ou ainda com relação a alguma
festa religiosa, celebração das luas novas ou dos dias de sábado” (Colossenses 2.16)
A
carta à Igreja dos Colossenses foi escrita quando Paulo estava preso ou em
Éfeso ou em Roma entre o final da década de 50 e início de 60 e o objetivo de
Paulo é combater a heresia que se alastrava pela igreja consumindo a verdadeira
piedade e corrompendo a comunidade cristã. Segundo Hendriksen, para compreendermos
o perigo que rondava essa comunidade cristã, precisamos levar e consideração que
seus membros, na sua grande maioria, eram convertidos do paganismo advindos do
que Paulo chama de “poder das trevas”
(Colossenses 1.13), os quais, pelas obras más, eram estranhos/alheios (a ideia
do verbo apallotrióo – ἀπαλλοτριόω é estar alheio a alguma coisa. Essa mesma
palavra aparece em Efésios 2.12) e inimigos do entendimento (Colossenses 1.21),
ou seja, da suficiência de Cristo.
Dessa maneira, o
apelo a uma sexualidade distorcida como as inclinações da carne, a
prostituição, as impurezas, a paixão e a vil concupiscência estavam presentes
na vida pregressa desses cristãos (Colocenses 3.5,7), assim como a avareza e a
idolatria. Paulo tem a difícil tarefa de mostrar como essas práticas são
nocivas, porque delas “vem a ira de Deus”
sobre aqueles que permanecem endurecidos ao evangelho, os quais ele chama de “filhos da desobediência” (Colossenses
3.6; Efésios 2.2; 5.6).
O termo desobediência
utilizado nesses textos “apeítheia” (ἀπείθεια) vem de duas palavras gregas: o prefixo “a”
(ἀ) que indica negação de algo e o verbo “peítho” (πείθω).
Paulo evidencia que esse desobediente não é aquele que está alheio ao evangelho
por ignorância (sabendo que mesmo esse será condenado – Veja Romanos 1.20), mas
aqueles que, apesar de ter ouvido o Evangelho, o desprezaram como a mensagem
salvadora.
Os cristãos de
Colossos, pertencentes ao Reino de Cristo (Colossenses 1.13), estavam fora
desse funesto grupo de desobedientes, preordenados para o inferno, porque foram
perdoados (Colossenses 1.14; 2.13. Compare com Efésios 2.1) para se tornarem “santos, sem defeito e irrepreensíveis”
(Colossenses 1.22), mas estavam sujeitos às vãs filosofias (Colossenses 2.8),
que, por meio de visões atacavam a suficiência de Cristo induzindo-os a adorar
anjos (2.2-4,18). Os cristãos de todas as épocas só podem atingir o objetivo da
santidade mediante a perseverança (Colossenses 1.23).
Esses irmãos não eram
irredutíveis como os ímpios, mas ser persuasivo para qualquer doutrina sem
padrões estabelecidos é igualmente perigoso. Se existem inúmeros que se perdem
por não crer, há igual índice para aqueles que se extraviam por acreditar em
tudo, ambos carecem do Espírito Santo que os habilita a crer. Como afirma a
Confissão de Fé de Westminster: “A graça
da fé, pela qual os eleitos são habilitados a crer para a salvação das suas
almas, é a obra que o Espírito de Cristo faz nos corações deles, e é
ordinariamente operada pelo ministério da palavra; por esse ministério, bem
como pela administração dos sacramentos e pela oração, ela é aumentada e
fortalecida.” (CFW, XIV,1).
A igreja de Colossos
caia em um perigo permanente aos cristãos ao longo dos séculos: o desejo de
comprar com suas obras a salvação ou parte dela. O cristão não é feito pelas
obras que pratica, mas para as boas obras que engrandecem o nome do Senhor
(Efésios 2.10). Dessa maneira, a pessoa não se torna cristã em uma longa
trajetória de boas obras, mas mostra-se eleita pela vida e as atitudes que
toma. Calvino, o Exegeta da Reforma, afirma que “nada somos, senão por sua graciosa liberalidade”, ou seja, nenhuma
das obras que praticamos podem endividar o Senhor, porque são meros trapos de
imundícia (Isaías 64.6), assim como até mesmo as boas obras que praticamos
procedem do Senhor.
Uma heresia que
aflorará melhor no segundo século está de maneira embrionária nessa e em outras
igrejas da Ásia Menor: o gnosticismo. Essa falsa doutrina misturava o
pensamento pagão (em especial a filosofia neo-platônica que privilegiava a alma
em relação ao corpo), o judaísmo e o cristianismo.
Segundo Lopes, os
gnósticos imaginavam que Deus era uma como uma grande bacia cheia de água
(plêrôma/plenitude) que constantemente transbordava (esses são os eons/eras, as
manifestações divinas ao longo da história), contudo há uma transbordamento
efetivo que traz o logos (Jesus) que nos dá a gnosis (conhecimento). Os adeptos dessa heresia tinham que
percorrer três graus: os hílicos (viviam na matéria), os psíquicos (aqueles que
progrediam para coisas mais elevadas) e os pneumáticos ou espirituais (aqueles
que de fato eram salvos). Privilegiavam revelações extraordinárias e
desprezavam o corpo e consequentemente a ressurreição. Dessa maneira, o fiel
dessa igreja era orientado a punir o corpo para ganhar pureza da alma e
santidade.
Essa ideia de que o
corpo precisa ser castigado foi muito popular ao longo de milênios entre os
romanistas. Ainda, hoje, a igreja aprova essas práticas de mortificação desde
que não exista a efusão de sangue ou malefício à saúde, haja vista, João Paulo
II usou o cilício (uma malha de metal com pontas que não chegam a penetrar a
pele, mas causam desconforto) mesmo quando exercia o pontificado. Essa prática
é tão tola e antibíblica como se Paulo pedisse um espinho em sua carne. Não
vemos na Bíblia ninguém pedindo desconforto ou tribulação, mas encarando com
alegria (Tiago 1.2) as naturais adversidades que os crentes são acometidos
enquanto vivem nesse mundo caído.
Os crentes de
Colossos eram incentivados a uma prática ascética, ou seja, a absterem-se de
certas comidas (seguindo, provavelmente a dieta de Moisés) e comidas, assim
como, guardar as festas judaicas e o sábado (Colossenses 2.16) a fim de obterem
a salvação (Atos 15.1) que é dada tão somente pela graça (Efésios 2.8). Esse
procedimento segundo Paulo é um rudimento pobre e fraco (Gálatas 4.9-11).
Paulo adverte os
irmãos colossenses nos seguintes termos: “tendo
cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs
sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não
segundo Cristo” (Colossenses 2.8), que pode ser comparado com a carta
anterior aos Gálatas (de 48 d.C.) “por
causa dos falsos irmãos intrusos, os quais furtivamente entraram a espiar a nossa
liberdade, que temos em Cristo Jesus, para nos escravizar” (Gálatas 2.4). Observemos
que existiam fariseus que haviam crido (podemos chama-los de judaizantes) e
acreditavam que os gentios (aqueles que não eram judeus) deveriam ser
circuncidados e precisaram observar a lei mosaica.
Essa polêmica que é
observada na Carta aos Gálatas de 48 d.C. e existia ainda em 60 d.C (na Carta
aos Colossenses), contudo vale lembrar que houve uma deliberação do Concílio de
Jerusalém em 51 d.C. (Atos 15.19-22), onde os gentios não deveriam ser
perturbados a cumprir as exigências dos judaizantes, contudo “se abstenham das contaminações dos ídolos,
da prostituição, do que é sufocado e do sangue” (Atos 15.20), para que não
escandalizassem os judeus (Atos 15.21) o que se afina ao que Paulo diz aos
Coríntios (52 d.C.) “vede que essa
liberdade vossa não venha a ser motivo de tropeço para os fracos” (1Coríntios
8.9). Podemos entender que até hoje existem aqueles, como os fariseus de
outrora, que acreditam que pelas obras se pode ganhar a vida eterna, porque tem
Jesus como insuficiente.
Paulo inicia
Colossenses 2.16 como a conjunção “portanto” (οὖν).
Poderíamos comparar as conjunções a conectores de canos que seriam as frases,
logo, esse cano que vai do versículo 16 a 19 está conectado por essa conjunção
que visa concluir um argumento ao cano que vai do 8 ao 15, onde Paulo os exorta
que eles possuem a circuncisão de Cristo, ou seja, o batismo, que se evidencia
pelo despojamento da carne (Colossenses 2.11,12), assim como a ressurreição em
Jesus (Colossenses 2.13-15). Dessa maneira, ceder os apelos dos judaizantes
equivale a não dar o devido valor ao fato de Cristo de cravado nosso escrito de
dívida na cruz (Colossenses 2.14,15).
Paulo mostra que a
dieta moisaica, as festa da lua nova e até mesmo a guarda do sábado foram
importantes no Antigo Testamento, pois eram “sombras
das coisas vindouras” ou os “rudimentos
do mundo” (Colossenses 2.20). Essas leis cerimonias foram abolidas por
Cristo (Efésios 2.15) de tal maneira que morrer em Cristo e viver segundo essas
sombras ou esses rudimentos é incompatível com a verdadeira fé cristã é se
apegar às sombras que levam a perdição.