Uma nova perspectiva para a
dor
“A minha graça te basta,
porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me
gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo” (2 Coríntios 12.9)
Esse versículo mostra a resposta do Senhor ao Apóstolo
Paulo, que, por três vezes, pedira que lhe fosse tirado o que chama de “espinho na
carne”. Percebamos que, apesar da intimidade desse piedoso homem, a resposta ao
seu pedido veio depois de duas tentativas em que encontrou apenas o silêncio.
Essa mostra de perseverança do Escritor bíblico deve nos incentivar sempre mais
e mais a uma persistência inabalável nesse tão precioso meio de graça, a
oração. Deus, muitas vezes, demora-se em responder nossas orações para nos educar
nessa santa firmeza e, em uma confiança, cada vez mais inquebrantável.
Observemos que a resposta não foi satisfatória, pois nem sempre o Senhor responde sim à
nossas petições, mas sempre segundo sua vontade soberana.
Desde muito tempo os comentaristas se debruçam sobre os
versículos desse capítulo a fim de explicar que seria esse espinho na carne.
Paulo nos afirma, em 2 Coríntios 12.7, que ele tinha um propósito: para que “não se exaltasse demais”, isso, porque,
com certeza, Paulo é o homem que foi até o terceiro céu (veja 2 Coríntios
12.2), o que era equivalente ao próprio paraíso (veja 2Coríntios 12.4) e lá
ouviu “palavras inefáveis, as quais não é
lícito ao homem referir”. Esse espinho é um mensageiro de Satanás
encarregado de esbofeteá-lo, o que é uma severa penalidade até nos dias de hoje,
o que fazia lembrando-o de suas fragilidades.
Essa experiência extraordinária aconteceu há quatorze
anos, a contar de 56 d.C. (data em que essa carta foi escrita) isso equivale ao ano
42 d.C., quando, na segunda viagem missionária, anos depois de sua conversão,
organizava igrejas na Síria e Cilícia (veja Atos 15.41 e Gálatas 1.21), contudo
esse evento tão marcante aconteceu no silêncio de uma vida de intimidade com
Deus, tampouco foi relatado, pois Lucas não mencionou nos Atos dos Apóstolos.
Atentemos para o fato de que, como em Jó, Satanás não está
agindo fora, mas sob o controle do poder de Deus, porque o Diabo não é um cão
raivoso e descontrolado, mas o Diabo subjudado pelo próprio Senhor que quer
fazer seus intentos vis, mas, em última instância não consegue fazer fracassar
os intentos do Criador de todas as coisas.
A palavra espinho (σκόλοψ
–
skolops) utilizada aqui dá a ideia de
algo sutil como o acúleo de uma rosa ou a ponta de um anzol e é usado no sentido
figurado como acontece em Números 33.55, Ezequiel 28.24 e Oséias 2.8. Existem
muitas sugestões para esse sofrimento alguns dizem que fora um problema de visão
por causa de Gálatas 4.14,15, outros dizem que seja malária, lepra, reumatismo
ou um problema de fala por causa de 2Coríntios 10.10; 11.6 ou inimigos devido a
2 Coríntios 11.13-15(KISTEMAKER, 2003, p.581). Contudo, ao meu ver, o mais provável
é ligar esse sofrimento ao que ele se dispõe a se gloriar em 2 Coríntios 12.10:
fraquezas, injúrias, necessidades, perseguições e angústias por amor de Cristo.
Essa se parece com a posição de Calvino, quando afirma: “entendo que essa frase significa a soma de todos os diferentes tipos
de provações com que Paulo era atormentado” (2008, p. 299).
Talvez, você, caro leitor, diga: eu não sou angustiado,
perseguido, necessitado, injuriado e enfraquecido, por causa de Cristo, contudo
gostaria de convidá-lo a entender que você observe a somatória dos obstáculos
que lhe têm esbofeteado e feito você entender que é miserável e totalmente
necessitado de Deus. Esse é o seu espinho na carne. Talvez, semelhante a Paulo, você
esteja querendo se livrar dele. Com certeza, nas suas orações você tem pedido
que seja liberto desse terrível sofrimento e vergonha, mas Deus nos convida a
uma nova perspectiva sobre o sofrimento:
1. Suficiência da graça no
sofrimento
“A
minha graça te é suficiente”
Conta-se que o filósofo grego Sócrates, passando pelo
mercado, disse: “vejam de quantas coisas os
atenienses precisam para viver”. Quando estamos fortes muitas vezes preenchemos
nossa vida e prazeres com as diversas propostas advindas do mundo que nos
circunda. Contudo, no oscilar de nossas forças quando os melhores prazeres da
vida nos causam fastio e incômodo apenas a graça pode nos preencher. Na verdade
essa sempre foi nossa única e maior carência, mas nos iludíamos com vaidades de
saciedade temporária.
Ao lidarmos com nosso “espinho na carne”, somos
convidados a repararmos como nos momento mais adversos somos assistidos pela
graça vinda do próprio Deus e capaz encher nossas expectativas.
2. O sofrimento como ambiente
propício para o desenvolvimento da graça
“porque
a força/graça de aperfeiçoa no sofrimento/espinho na carne”
Deus passa a usar o termo força equivalente ao termo
graça, assim como, fraqueza para se referir ao “espinho na carne”. Dessa
maneira, responde a pergunta que fazemos, quando nas horas mais dolorosas
sentimo-nos amparados por essa paz que excede todo entendimento, e nos
perguntamos, porque nos momentos calmos da vida não a sentíamos com tanta
vivacidade.
Aprendemos que, nos momentos em que o espinho está mais
cravado em nossa vida e queremos que seja extraído, esse é o mais propício para
essa graça que nos fortalece de desenvolva, se aperfeiçoe, porque aprendemos
que o Reino de Deus não é para homens impávidos e autossuficientes, mas pessoas
quebradas, que se reconhecem miseráveis e carentes dessa doce e imerecida
graça.
3. Aproveitar o sofrimento
“portanto,
gloriar-me-ei com maior prazer e maior grau nas minhas fraquezas (espinho na
carne) com a intenção de que a força/graça permaneça sobre mim”
Nossa sociedade utilitarista, que visa minimizar a todo
custo os sofrimentos e maximizar os prazeres, o homem tem medo de sofrer. Na
sociedade das mídias sociais é proibido ficar triste. Entretanto o Senhor manda
Paulo se gloriar com maior prazer e em maior grau desse espinho que estava
experimentando e tão ávido de que lhe fosse tirado. Precisamos entender que não
murmuramos diante das adversidades as tornarão apenas mais duras e longas,
apenas quando compreendemos que os sofrimentos procedem do Senhor e são dados
na medida exata, que ele, singular conhecedor de nós mesmos, nos dá, porque
sabe que podemos suportar. Se encararmos o sofrimento como um doce aprendizado
suas agruras serão mais leves e suportáveis.
Deveríamos, como Paulo, ter a mesma disposição em aceitar
a resposta divina, mesmo que ela não seja aquela que intencionávamos quando
começávamos a orar afirmando “por essa
razão tenho prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas
perseguições, nas angústias pelo nome de Cristo, porque, quando sou fraco,
então sou forte” (2 Coríntios 12.10). Assim teremos uma vida mais íntima
com Deus livres de ressentimentos que não se harmonizam com o reto ensino das
Escrituras.