O maior no Reino dos céus
“Se não
vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no
reino dos céus” (Mt 18:3)
Diferente do que pensava o filósofo iluminista Rousseau, a
criança não é o bom selvagem, Davi afirma: “Eu nasci
na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5), como
interpreta Calvino, “o pecado, por
natureza, penetra cada parte dele sem exceção”.
Na queda de nossos primeiros pais, perdemos nossa integridade
original, porque “Adão não mantinha um
caráter privativo e isolado, mas era representante de toda a humanidade [...]
quando ele caiu, todos nós, juntamente com ele, perdemos nossa integridade
original” (Calvino, Comentário dos
Salmos) (veja Rm 5.19) de tal maneira que precisávamos de um novo Adão, que
nos redimisse (1Cor 15.22), porque o “ofício
[de Cristo] é restaurar o que perdemos em Adão, [Jesus] é para nós causa da
vida e sua ressurreição é a substância e penhor da nossa própria ressurreição”
(Calvino, Comentário de 1Coríntios).
Se a criança nasce com pecado, assim como a mais tenra víbora
já carrega veneno mortífero em sua peçonha, a vida adulta não coloca o fardo da
iniquidade sobre a criança que insiste em crescer, trilhando o caminho inverso
de Peter Pan, mas oferece os subsídios necessários para desenvolvê-lo. Os
discípulos de Jesus viam o Reino que se iniciava com o Messias (Mt 12.28),
porque “a mola mestra do mundo é que todos querem subir ao poder e ao esplendor, a fim de superar e dominar os
outros” (Rienecker)
O Reino inaugurado pelo Senhor não é deste mundo (Jo 18.36),
tampouco segue os parâmetros de maior ou menor que os discípulos de Jesus
estavam acostumados (Mt 18.1; Mc 9.33-38; Lc 9.46-48), mas como afirma João: “o servo não é maior do que seu senhor, nem o
enviado, maior do que aquele que o enviou ” (Jo 13.16). Diante da
desorientação a respeito dos seus discípulos, Jesus passa a explicar quem é o
maior no reino dos céus, por isso, toma uma criança pequena ou de colo (παιδίον), que, segundo
Carson, bem poderia ser de Pedro se a casa do capítulo 17 for dele (veja Mt
17.25; Mc 9.33).
Essa atitude não visa
mostrar alguém em alto grau de pureza e falta de pecado, mas alguém humilde,
pois “aquele que se humilhar como esta criança,
esse é o maior no reino dos céus” (Mt 18.4). O verbo humilhar (tapeinoo - ταπεινόω), segundo
Coenen Brown (Dicionário Internacional de
Teologia do NT, 977) não significa se colocar mais baixo do que é, mas “deve-se saber, como criança, quão baixa é
nossa condição diante de Deus”. Carson afirma: “A crianca e levantada como um ideal nao de inocencia, pureza ou fe,
mas de humildade e de despreocupacao por posicao social”.
Os discípulos deveriam converter-se m nessa atitude pueril
(de criança), na qual há uma humildade que esboça, segundo Rienecker, “modéstia e fraqueza; liberdade com quem
cofiam e carência de amor”. Dessa maneira, o maior no reino dos céu é
aquele que como uma criança não busca a arrogância como uma forma de defesa,
tampouco se envergonham de suas limitações.
Cristo não nos convida à infantilidade, mas a uma vida regida
por padrões diferentes como diz Paulo: “Pelo que
sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições,
nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou
forte” (2Co 12.10). Uma vida cristã bem sucedida imita a maneira
como a criança encara o mundo ao seu redor.
Nesse mês em que se comemora o dia das crianças é co’mum
vermos nas redes sociais inúmeros perfis de pessoas crescidas, mas que querem
lembrar o óbvio: já foram crianças e, por isso, adaptam e digitalizam fotos
antigas. Quando esse mês passa dando lugar às propagandas de natal, esses
perfis são trocados por outros. Enquanto o desejo de ser como criança no
facebook dura apenas um mês Jesus mostra que ser como uma criança não deve ser
um adereço, mas uma busca, porque se “não vos
tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus”
(Mt 18.3).
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