O medo e
a vida cristã
Alice, minha filha mais “velha”, nas últimas
noites implorava para que eu durmisse no seu quarto. Obviamente, nas férias
todos nós ficávamos em um único quanto na casa dos avós, mas há um motivo
maior: o Lobo Mau. Essa personagem terrível tem um currículo tenebroso, pois já
demoliu com um sopro casas de palha e de madeira, perseguiu porquinhos, a
chapeuzinho vermelho e até devorou a vovozinha. Esses antecedentes criminais
indicam para minha doce menina, que todo cuidado é pouco e, mesmo que se more
em uma casa de tijolo, uma hora dessas esse vilão consegue assoprar mais forte
ou aparecer sem que o caçador ou o pai esteja por perto.
Caro leitor, cuidado com esse sorriso nos
lábios! De fato, os anos nos ensinaram que os lobos mais perigosos não estão
nas páginas dos contos de fadas, mas espalhados pelo mundo e, até mesmo dentro
de nós. O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) dizia que “o homem é o lobo do próprio homem”.
O medo tem uma razão para existir: preservar
a nossa vida. Quando nos deparamos com circunstâncias que possam colocar em
risco nossa integridade ficamos receosos. Dessa maneira, situações novas ou
inusitadas nos deixam apreensivos. As zonas de conforto se mostram seguras e
estáveis. Geralmente, como Pedro, temos coragem de caminhar sobre as águas
enquanto estamos focados em Jesus, mas basta o vento forte das adversidades
soprar para perdermos nossos referenciais e afundarmos em um mar de desespero
(Mt 14.30).
Pedro duvidou apesar de já ter visto Jesus
acalmar a tempestade (Mt 8.27). Constantemente, recordamo-nos com muita
intensidade os problemas, para que fujamos deles, mas é raro juntarmos a essa
lembrança a certeza de queclamamos ao Senhor e Ele nos livrou de todas as nossas
tribulações (Sl 34.6).
Somos vagarosos para praticar aquilo que fez Jeremias tão bem: “quero trazer à memória o que pode me dar
esperança” (Lm 3.21). Muitas vezes, aquele que está abatido pelo medo
nutre-se não da esperança que está reservada àqueles que confiam no Senhor: “creio que verei a bondade do SENHOR na
terra dos viventes” (Sl 27.13), mas perturbam-se com todo tipo de
pessimismo e ilusões terríveis que, na maioria das vezes, jamais acontecerão.
Existe um momento em que o medo
deixa de ser benéfico e passa a ser extremamente nocivo, porque paralisa até
mesmo aquilo que é cotidiano. Vivemos em um mundo cheio de perturbações, onde,
a qualquer momento, uma terrível tragédia pode abater até os mais cuidadosos.
Ninguém está isento aos perigos de viver em um mundo caído, mas esse sentimento
desordenado revela a falta de confiança em Deus, assim como um coração
supersticioso. Aquele que acredita em um deus distante daquEle claramente
revelado nas Escrituras está entregue às intempéries dessa vida.
Imagino que o Senhor escute nossos medos como eu
escuto os medos da Alice. Sei que seus maiores temores são fantasias, da mesma
maneira o Senhor sabe que nossos pesadelos estão alicerçados em quimeras, fatos
não concretizados. Se constantemente nos lembrássemos de que “o SENHOR é a minha luz e a minha salvação”
(Sl 27.1a) nada nos amedrontaria nem as ação dos malfeitores ou o agir de um
exército contra mim, tampouco as doenças e as perdas que esta vida me reservam.
Nenhuma preocupação deveria ser maior do que a de buscar o Senhor enquanto se
pode achar.
O medo é para o ser humano uma carga que só consegue
suportar menos do que vinte e quatro horas. Quando somamos os cuidados de hoje
aos de ontem (com os quais não podemos lidar, porque foram tragados pelo
passado e pertencem à história) ou aos de amanhã (com os quais não podemos
lidar, porque estão no futuro, mesmo que próximo, e, por isso, distantes de
nossa possibilidade de agir) passamos a nos deprimir e nos desencorajar diante
desse mundo mau. Dessa maneira Jesus nos aconselha: “não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus
cuidados; basta para cada dia o seu próprio mal” (Mt 6.34).
Há alguns dias a minha Pequenina começou a não chorar
tanto por causa do terrível Lobo Mau. Quando ouvi sua oração antes de dormir,
entendi o porquê dessa melhora: ela estava pedindo a proteção de nosso Pai
celestial. Entendeu de sua maneira algo que terá de vivenciar ao longo de sua
vida: “não andeis ansiosos por coisa
alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições,
pela oração, súplica com ação de graças. E a paz de Deus, que excede todo
entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus” (Fl
4.6,7)
Assim como a pequena Alice, podemos encontrar para
todos os nossos medos grande alívio e poderoso antídoto em nossas orações.
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