A luta
contra as incoerências
Com certeza, um dos grandes problemas do cristianismo
reside na tentação de divorciar a teoria (teologia) da prática (piedade). O
bispo anglicano J.C. Ryle afirmava: “A
santificação, em seu devido lugar e proporção, é algo tão importante quanto a
justificação. A sã doutrina protestante e evangélica será inútil, se não for
acompanhada por uma vida santa. Ou pior do que inútil, será prejudicial. Será
desprezada pelos homens sagazes e perspicazes deste mundo como algo irreal e
vazio, o que faz com que a religião cristã seja lançada no opróbrio”.
A harmonia entre aquilo que se prega e o que realmente se
vê nas igrejas é o justo motivo da perseguição contra nossos irmãos e a fonte
da autoridade entre aqueles que nos acusam de fanáticos ou retrógrados.
Na tentativa de dar uma resposta relevante aos nossos dias,
alguns pecam por adotar uma postura dura, mas baseada em fundamentos humanos de
uma ortodoxia farisaica; outros, ao optarem por uma posição relaxada, vão a
Bíblia com a mesma disposição de uma criança desvendando um baleiro, toma
apenas o que lhe interessa e rejeita o que não se enquadra ao crivo do seu
paladar. Aqueles demonizam datas, pessoas e lugares, rogam facilmente o inferno
a todos os que não compactuam de suas opiniões; estes legalizam pecados e abrem
os céus sem o menor critério oferecendo uma graça barata.
Ambos os lados parecem
sérios, mas uma observação cuidadosa mostra o quão distantes estão da Palavra
do Senhor. Ambos residem em igrejas. Essas duas posturas advogam para si
próprias fidelidade inquestionável à Palavra, mas, por pregarem suas próprias
convicções, forjam um cristianismo híbrido que parece a resposta válida para os
nossos dias, contudo não passa de uma religião nebulosa, sem padrões firmes e que
se enrijece ou se flexibiliza diante do sabor das circunstâncias. Esse tipo de
cristianismo é um Frankstein, que, aparentemente, é uma inovação, mas seu
resultado final é a morte.
Sobre
esse tipo de cristianismo Ryle afirma: “há um cristianismo muito abundante em
nossos dias que não pode ser tido como declaradamente distorcido, mas que, a
despeito disso, não oferece boa medida e peso certo de mil gramas por quilo.
Trata-se de um cristianismo no qual, inegavelmente, há ‘algo de Cristo, algo da
graça, algo da fé, algo do arrependimento e algo da santificação’, mas que não
é a ‘mercadoria legítima’, conforme encontramos na Bíblia”.
Essa
religião incoerente teve como seu primeiro missionário o próprio diabo no Éden
(Gn 3.4; Ap 12.9), que, em sua sagacidade, seduziu Eva e Adão a viverem uma
obediência parcial e mesmo assim permanecer vivo. Essa tolice ainda pode
corromper mentes e fazer desviar os corações mais sinceros (2Co 11.3).
Balaão
foi o primeiro a perceber que o gérmen que destrói a verdadeira religião está
na incoerência de professar algo e viver de forma dissonante. Quando o
feiticeiro de Peor (cidade próxima a Harã), percebeu que os muitos sacrifícios
que oferecera não eram capazes de amaldiçoar aqueles que o próprio Deus abençoa
(veja Nm 31.8,16).
Fico
temeroso quando cristãos ficam assustados com feitiços, presságios e
imprecações dos idólatras. Atribuem uma força a satanás que ele próprio não
tem, porque “poderoso, de fato, deve ser
o adversário (do diabo, Jesus), que mesmo depois de crucificado, continua vivo!”
(J.C. Ryle). Tal como Israel em Números 22, essas pessoas deveriam temer mais o
pecado do que as fantasias do coração ímpio.
O
Novo Testamento vê Balaão como o falso profeta por excelência, porque ama o
salário da injustiça fazendo povo se desviar do reto caminho (2Pd 2.15; Jd 11)
e, por isso, foi punido com morte, mas igrejas como a de Pérgamo (Ap 2.14) que
toleram ensino comprometido perecerão pela espada que sai da boca de Jesus (Ap
2.16).
Portanto,
aqueles que pregam um Evangelho distorcido encontrarão a devida paga, mas
aqueles que embarcam em uma pregação furada, por não imitarem os discípulos de
Bereia, também perecerão.