Reduzir ou não reduzir:
a educação e a a depravação total (parte 3 de 3)
Quantas vezes se ouviu: “a educação transforma”, “se
construíssemos mais escolas, não precisaríamos edificar tantos presídios”. Essa
ideia vem ao encontro do seguinte pensamento de Cesare Beccaria: “quereis prevenir os crimes? Marche a
liberdade acompanhada das luzes. Se as ciências produzem alguns males, é quando
estão pouco difundidas; mas, à medida que se estendem, as vantagens que trazem
se tornam maiores”. Sob esse prisma, a educação (as luzes, as ciências) ganha
o status de redentora, como se a
criminalidade fosse fruto apenas da ignorância ou da falta de oportunidade no
mercado de trabalho.
A ideia de que o sistema carcerário é capaz de ressocializar
o indivíduo é um doce sonho iluminista de que o indivíduo é essencialmente bom
e que a sociedade o corrompe e, por isso, tirando-o da sociedade e abrigando-o
em um lugar ideal ele pode se desvencilhar de seus antigos comportamentos.
O maior expoente desse pensamento é Jean Jaques Rousseau
(1712-1778) que, no Discurso sobre a
desigualdade, defende a existência de dois tipos de desigualdade entre os
homens: a física (imposta pela natureza) e a moral (imposta pelas convenções
humanas). O homem selvagem vive pelas suas paixões e não teme a morte e seus
terrores de tal maneira que o mais virtuoso dos homens selvagens é o que menos
resistia a sua natureza.
Rousseau afirma: “Os homens nesse estado [selvagem], não
tendo entre si nenhuma espécie de relação moral nem de deveres conhecidos, não
podiam ser bons nem maus, nem tinham vícios nem virtudes, a menos que, tomando
essas palavras em um sentido físico, se chamem vícios, no indivíduo, as
qualidades que podem prejudicar a sua própria conservação, e virtudes as que
podem contribuir para essa conservação. Nesse caso, seria preciso chamar de
mais virtuoso aquele que menos resistisse aos simples impulsos da natureza[1]”.
Dessa maneira, para Rousseau, o amor leva o homem físico ao
sexo enquanto o homem moral a um contrato de casamento que estabelece meios
para contê-lo, pois quanto mais intensa uma paixão mais se fazem necessárias as
leis que a limitam[2],
pois a própria lei civil veio subjugar a lei natural e fazendo gente honesta
contar entre suas obrigações cortar o pescoço do seu semelhante[3].
Dessa forma, para esse iluminista francês, o homem nasce em
desigualdades físicas, todavia a sua inserção na sociedade “modificam e alteram todas” as suas inclinações naturais. No âmbito
da educação é o adulto que perverte a criança, por isso, no pensamento romântico
de Rousseau, se o indivíduo puder se isolar dos vícios e mazelas da sociedade,
desenvolver-se-á com mais dignidade.
Os teóricos Iluministas defendiam que a educação deveria ser
democrática, laica e gratuita e Condorcet (1743-1794) propunha que se essa educação
fosse difundida de forma universal diminuiria as desigualdades, mas como é
comum até hoje entraves políticos levaram aqueles em melhores condições
econômicas pagar por uma escola melhor.
Se a aquisição de conhecimento fizesse o homem melhor, as festas
da Universidade de São Paulo não teriam tantos excessos, tampouco jovens
universitários cometeriam crimes em trotes organizados para humilhar calouros.
Se a distribuição de renda fosse suficiente para eliminara criminalidade, por
que pessoas da classe média entram para a marginalidade com tanta frequência?
Se a educação não partir da perspectiva da depravação total ela fatalmente
funcionará como um frustrante paliativo para uma sociedade doente.
Alguns podem afirmar que não se pode submeter uma ciência
(pedagogia) a um pressuposto religioso, todavia concordamos com o filosofo
jansenista cristão Blaise Pascal (1623-1662) quando afirma: “a última
tentativa da razão é reconhecer que há uma infinidade de coisas que a
ultrapassam. Revelar-se-á fraca se não chegar a conhecer isso. É preciso saber
duvidar onde é preciso, afirmar onde é preciso, e submeter-se onde é preciso.
Quem não faz assim não entende a força da razão”.
Enquanto os teóricos iluministas pregavam uma educação
democrática, laica e gratuita que visava eliminar as desigualdades, Weber (1864-1920)
afirma que “um simples olhar às estatísticas ocupacionais de qualquer país
de composição religiosa mista mostrará, com notável frequência, [...] o fato de
que os homens de negócios e donos do capital, assim os trabalhadores mais
especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmentedas modernas
empresas, são predominantemente protestantes”[4].
Essa realidade se dá porque, para os Reformadores, como
Lutero, “nenhum pecado exterior pesa tanto sobre o mundo perante Deus e
nenhum merece maior castigo do que justamente o pecado que cometemos contra as
crianças, quando não as educamos [...]. Para ensinar e educar bem crianças
precisa-se de gente especializada”[5].
João Amós Comênius (1592-1670) pretendia que a educação
fosse democrática capaz de oferecer sólido conhecimento aliado à piedade, pois
afirma: “prometemos uma organização das escolas, através do qual [...] todos
se formem como uma instrução não aparente, mas verdadeira, não superficial, mas
sólida; ou seja, que o homem, enquanto animal racional, habitue-se a deixar-se
guiar, não pela razão dos outros, mas pela sua, e não apenas a ler livros e a
entender, ou ainda reter e recitar de cor opiniões dos outros, mas penetrar por
si mesmo até o âmago das próprias coisas e a tirar delas conhecimentos genuínos
de utilidade”[6].
O marxista Althusser, de forma míope, vê nessa pedagogia uma perspectiva
inferior, que visa apenas perpetuar valores religiosos e incapaz de transformar
o indivíduo, todavia muitas escolas que começaram ao lado de igrejas como
Havard transformaram pessoas e influenciaram o mundo.
Lessa afirma que o Colégio Mackenzie (embrião da instituição
que é hoje), diferentes das outras escolas de São Paulo do século XIX, não
possuía distinção de cor ou raça, tampouco da religião de seus alunos, mas
promovia a educação mista (meninos com meninas), com métodos modernos de
educação, sempre adotando a Bíblia como livro básico[7], de tal
maneira que o diretor da Escola Americana (Primeiro nome do Colégio Mackenzie)
questionando sobre a presença da Bíblia aberta na sala de aula é interpelado
pelo diretor que responde: “a bíblia tem estado aberta nessa escola desde o
primeiro dia de sua abertura e, quando fechar-se fechar-se-ão as portas da
Escola Americana”[8].
A educação pode redimir o homem se observa-lo da maneira
correta, ou seja, partindo do pressuposto de que o homem está contaminado até a
sua raiz pelo pecado e sua transformação efetiva se dá quando toma consciência
de que é um pecador e que será, um dia, julgado por Deus segundo a justiça dEle
(Jo 16.8). Portanto, se a educação não oferecer os verdadeiros elementos
críticos que levam o indivío a buscar a Deus e desprezar as coisas desse mundo
ela será sempre insuficiente.
[1]
ROUSSEAU, J.J. A Origem da Desigualdade
entre os homens. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000053.pdf.
Acessado no dia 24 de dezembro de 2014, p.24.
[2]
Ibidem, p. 26,27.
[3]
Ibidem, p.38.
[4]
WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito Capitalista, p.39.
[5]
LUTERO in COSTA, H.M.P. Raízes da Teologia Contemporânea, p.86.
[6]
Ibidem, p.115.
[7]
LESSA, V.T. Anais da Primeira Igreja Presbiteriana de São Paulo, p.387.
[8]
Ibidem, p. 137.
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