O conhecimento de Deus pela injustiça
Em certo aconselhamento, alguém me disse que determinada amiga pulava
todos os versículos que falavam da ira de Deus, porque, na concepção dela, um
Deus que é amor (1Jo 4.8) não combina com um Deus capaz de se irar. Contudo
Paulo afirma: “A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens
que detêm a verdade pela injustiça” (Rm 1.18). Como conciliar um Deus amoroso, mas
capaz de se iriar?
Geralmente,
as pessoas atribuem sentimentos humanos a Deus, mas essa é uma incoerência
grave, porque Deus não possui paixões como nós a possuímos. Paulo, à multidão
de Listra que queria adorar a ele e Barnabé como deuses, afirma que era homem
sujeito aos mesmos sentimentos que os homens (At 14.15), porque Deus não pode
ser surpreendido pela decepção ou a alegria frente a alguma coisa, por, sendo
onisciente (conhece todas as coisas), não há nada que está velado para ele.
Deus não se
arrepende ou fica irado como um ser humano, mas a Bíblia utiliza esses termos
como (antropopatia) uma maneira de fazer a Palavra compreensível. Todo
sentimento que atribuímos a Deus servem para a sua glória.
A ira do
Senhor tem um alvo específico: a impiedade e perversão/injustiça dos homens. O
primeiro adjetivo revela uma realidade interna do coração, enquanto a segunda
indica uma consequência da impiedade. Essa realidade de ira existe, porque tais
homens detêm a verdade pela injustiça.
Esses homens ímpios e
injustos detêm a verdade, porque Deus revelou (Rm 1.19), pela revelação geral
(Rm 1.20) com a finalidade de glorificarem e darem graça ao Senhor. No
Areópago, Paulo afirma que os atenienses eram “acentuadamente religiosos”
(At 17.22), mesmo que tenha ficado outrora revoltado frente ä idolatria
dominante (At 17.16). Paulo mostra que essa preocupação teológica dos gregos
era uma busca rudimentar por Deus (At 17.27). Citando Cícero, Calvino afirma: “como os próprios pagãos confessam, não existe
nação tão bárbara, nenhum povo tão selvagem que não tenha impressa no coração a
existência de algum Deus”.
Os pagãos buscam a Deus pela revelação geral, ou seja, conseguem
observar de forma clara os atributos invisíveis de Deus, o seu eterno poder e a
sua própria divindade (Rm 1.20), todavia esse conhecimento é insuficiente para
a salvação, mas apenas faz esses homens indesculpáveis, porque “a
manifestação de Deus, pela qual ele faz sua glória notória entre suas
criaturas, é suficientemente clara até onde sua própria luz se manifesta,
entretanto, em razão de nossa cegueira, ela se torna inadequada” (João
Calvino).
Esses homens ímpios e injustos detêm essa busca por
Deus na injustiça que vivem, porque glorificam a Deus segundo seus pensamentos
loucos e idólatras minimizando a infinitude do Senhor a imagens de homens ou
animais. Sabendo que temos acesso ao Pai por Jesus em um Espírito (Ef 2.18),
truncar essa comunicação por qualquer outro caminho seria tão absurdo quando
conversar frente a frente com alguém utilizando um aparelho celular.
Essa teologia deturpada leva a uma religião
idólatra e, consequentemente, uma moral limitada. Quando alguns grupos
evangélicos veem a depravação dos valores acreditam que isso é próprio de
nossos dias, mas a estrada da depravação em todas as épocas teve como um grande
portão largo em uma visão distorcida sobre Deus. Assim como na visão de Daniel
(2.41), o Império Romano é o ferro misturado com o barro da licenciosidade e da
baixa moral.
R.C. Sproul defende que “todo cristão é um
teólogo. Talvez não um teólogo no sentido técnico e profissional da Palavra,
mas um teólogo”. Portanto, a preocupação com a teologia é de vital
importância, porque de sua deturpação processam as mazelas da idolatria.
Contudo a sã doutrina jamais será palatável a todos, especialmente àqueles que
buscam seus próprios mestres (2Tm 4.3) que compactuam com suas idolatria tal
como foi o neto de Moisés – Jônatas – para Mica.