Santo e em Santidade
O ano de 2017 começou com um fato
aterrador: no Complexo Anísio Jobim, em Manaus, uma rebelião deixou 56 mortos.
O governador do Amazonas, José Melo, falando a Rádio CBN, afirmou que naquela
instituição não havia nenhum santo. Não entrando no mérito dessa afirmação,
tampouco no fracasso do sistema prisional brasileiro, mas, analisando essa
afirmação do ponto de vista teológico, gostaria de oferecer uma breve reflexão
sobre a santidade.
A afirmação do Governador se coaduna com a
visão Romana, ou seja, apesar de considerar que institucionalmente todos os
batizados pertencem à comunhão dos santos. Contudo, “aqueles que praticaram heroicamente as virtudes e viveram na fidelidade
e na graça de Deus” são canonizados, integram o cânon daqueles que são
modelos e intercessores para a igreja (Catecismo da Igreja Católica, 828).
Dentre esses santos, aos Católicos Romanos, a Virgem Maria atingiu a perfeição
proposta e oferece esse modelo de santidade. Dessa maneira, o predicativo “santo”
é consequência das obras de uma pessoa, por isso, não se espera que exista um
santo em um presídio, porque ele não viveu as virtudes necessárias para isso.
O termo
santo, no hebraico qadash (קָדַשׁ),
segundo Berkhof, deriva de cortar, a ideia é que algo é tão limpo que
naturalmente se distingue do todo. A ideia de hagiazo (ἁγιάζω). Nas Escrituras, a
santidade é derivada da noção que o homem pecador tem da santidade de Deus (veja
Isaías 6.5). Na Bíblia encontramos a palavra “santo” sendo usada como sinônimo
de cristãos (Romanos 8.27; 12.13; 15.25, 26,31; 16.2,15), pois, segundo a
Catecismo Maior de Fé de Westminster (pergunta 75), é obra da graça de Deus nos
eleitos e são santos nesta vida pela ação poderosa do Espírito Santo. Dessa maneira, o cristão, depois
de sua regeneração, é santo (separada do mundo e de seus apelos). Nesse sentido,
a santificação é consumada. Packer entende que “a essência do conceito é a pureza de Deus que não pode tolerar qualquer
forma de pecado (Hb 1.13) e, por isso, e impõe aos pecadores constante
contrição em sua presença”.
O
Catecismo Maior de Westminster (na pergunta 77) traça uma relação entre a
justificação e a santificação. Ambas estão intimamente ligadas, mas enquanto
aquela imputa a justiça, esta a exerce; aquela perdoa o pecado, enquanto essa o
subjuga. Berkhof entende que a santidade é um processo (Romanos 1.7) que
mortifica o velho homem (Romanos 6.6; Gálatas 5.24) e vivifica o novo homem,
que busca as coisas do céu e não às da terra (Colocensses 3.1-3).
Contudo,
nesta vida, a santidade é imperfeita, porque, em nosso coração, ainda
permanecem os resquícios do velho homem de tal maneira que a carne (Paulo usa
esse termo para se referir à natureza mundana) milita contra o espírito (esse
termo se refere ao homem regenerado) (Gálatas 5.17).
Apenas
no estado de glória o crente estará livre de toda influência do pecado. O
crente, quando não persevera nos meios de graça ou preservação (Palavra e
sacramentos) (Veja Gálatas 5.16), facilmente, pode se desviar. Calvino afirma: “o homem espiritual não esta isento das concupiscências
(desejos) e seus constantes apelos, porém não se curva para permitir que reinem
sobre ele”.
Portanto,
é possível achar um santo até mesmo em um Complexo Penitenciário, pois o
criminoso que estava ao lado de Jesus fora escolhido antes da fundação do
mundo, e, apenas por ser regenerado, naquele momento derradeiro, consegue se
opor ao seu companheiro blasfemador (Lucas 23.40), reconhece seu pecado e a
justa consequência dele (Lucas 23.41) e mostra fé salvadora (nos termos de
Hebreus 11.1), ou seja, a certeza das coisas que se esperam e a convicção
daquilo que não se pode ver, porque vê o Senhor do Reino no Jesus crucificado.