O nosso valor em Deus
“Agora, se ouvirdes a minha voz e obedecerdes à
minha aliança, sereis como meu tesouro pessoal dentre todas as nações, ainda
que toda a terra seja minha propriedade” (Êxodo 19.5)
Geralmente, o
mundo, em que vivemos, nos agregará um valor que não temos e nunca teremos e
tampouco merecemos e nos subtrairá o nosso real valor e que, de fato, nos
define. O valor que o mundo nos atribui está ligado ao ter, ou seja, ter
dinheiro, influência, cargos, títulos. Dessa maneira, o valor do indivíduo,
para o mundo, está relacionado ao valor dessas posses de tal maneira que o seu
valor é proporcional ao seus bens, todavia a diminuição do valor de suas posses
acarretará, para o mundo, a diminuição do valor daquilo que você é.
O mundo
valoriza aquilo que as pessoas podem oferecer e não por aquilo que elas são.
Não é à toa que crianças e idosos são tão negligenciados em nossos dias,
porque, aos olhos do mundo, não oferecem um valor prático. Igualmente, por essa
premissa podemos compreender por que o aborte é tão avidamente defendido, pois
feto, para o mundo, não têm valor algum. Também podemos compreender a defesa da
eutanásia, porque, semelhantemente, velhos, na perspectiva mundana, não têm
valor algum.
Algumas igrejas, adeptas da teologia
da prosperidade, seguem esse fluxo maldito, porque ligam a intimidade com Deus
aos bens materiais e acreditam que a bênção do Senhor está ligada ao ter e não
ao ser. De fato, o profeta (2.8)afirma
que o Senhor é dono da prata e do ouro, contudo não foi ao Senhor que ofereceu
dinheiro, reinos e a glória desses reinos em troca de adoração, mas Satanás em
Mateus 4.8-10. O valor que temos para Deus não está em nós, muito menos naquilo
que podemos oferecer. Isaías afirma: “todos nós somos
como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós
murchamos como a folha, e as nossas iniquidades, como um vento, nos arrebatam”
(Isaías 64.6).
Vemos, na
biografia de Corrie Tem Boom, Refúgio
Secreto, em certa ocasião, o tenente Rahms pergunta a Corrie sobre a
eficácia de dar aulas de Escola Dominical a crianças com síndrome de down. Para
ele, nazista, elas eram inferiores às outras, igualmente, o autor ateu, Richard
Dawkins, disse que eu era imoral dar à luz crianças com síndrome de down. Esse
biólogo su-africado disse a uma grávida: “aborte,
e tente de novo é imoral trazer isso ao mundo se você tiver escolha”. Tanto
a Dawkins, quanto a Rahms a resposta da cristã Corrie é pertinente: “o valor do homem está no fato de ter sido
criado à imagem e semelhança de Deus” (Gênesis 1.26). Essa imagem não foi
extinta de nossos corações por causa do pecado, mas, gravemente, deteriorada,
entretanto, por misericórdia e sem nenhum merecimento o Senhor deu seu filho
unigênito para que àqueles que nele crerem viverão eternamente. Em Jesus, essa
imagem é restaurada.
O mundo quer
subtrair de nós essa dignidade que temos em Cristo. Para isso não poupa
esforços em defender que esse valor é uma quimera, uma fábula infantil, um
terrível engano. Moisés, de maneira inspirado, afirma que somos propriedade
peculiar, tesouro do Senhor. A palavra hebraica utilizada aqui, segullâh (סְגֻלָּה) pode ser entendida tanto como propriedade
ou acúmulo de riquezas (tesouro).
O comentarista
Delitzsch entende a ideia da palavra segullâh seria melhor compreendida como
tesouro, pois ela não significa uma posse, mas uma posse valiosa. Contudo
precisamos compreender que diferente dos tesouros humanos que, aos olhos
mundanos, agregam valor aos seus possuidores nós não oferecemos nem de longe
valor ao Senhor que sem nós continuaria soberano em toda sua majestade e
glória. Quando o Espírito Santo inspirou Moisés na escrita desse versículo,
chama-nos de tesou não porque valemos algo e oferecemos valor a Deus, mas nosso
valor está em pertencermos a Deus.
Imagine um
quadro de um pintor famoso, um Picasso, um Renoir, um Cézanne, que possuem
valor incomensurável, antes de serem pintados, eram apenas tela e tinta e se
uma criança as tomasse a obra não seria vendida sequer por poucas moedas,
igualmente, o valor é comprometido se for uma falsificação. Portanto, essas
obras de arte são valiosas não pelos materiais que a compõem, tampouco pela
imagem que retratam, mas por causa do pintores que as produziu. Esse versículo
afirma a mesma coisa que nosso valor não está em nós, tampouco naquilo que
fazemos, mas naqueles que nos fez.
Entretanto,
para sermos esse tesouro particular de Deus, esse versículo impõe duas
condições:
1. “ouvir,
diligentemente, sua voz”: corremos o risco de ouvir a voz do Senhor de
maneira negligente, de maneira parcial ou seletiva (apenas aquilo que nos
interessa), mas aqueles que pertencem ao Senhor o ouvem com toda a atenção e
prazer.
2. “guardar
sua aliança”: significa guardar o pacto (de sangue soberanamente
administrado), guardar a Palavra que nos foi dada.
Portanto, aquele que pertence ao
Senhor como seu tesouro precisa crer, ouvir e obedecer. Contudo, atenção! A
ideia, aqui, não é que fazemos algo para sermos tesouros de Deus, porque a
salvação não está ligada às obras. Paulo afirma aos Efésios: “porque pela graça
sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras,
para que ninguém se glorie” (Efésios
2.8,9). O teólogo John Stott (1921-2011) defende: “Nunca devemos pensar
na salvação como sendo um tipo de transação entre Deus e nós, onde ele
contribui com a graça e nós contribuímos com a fé. Estávamos mortos, e teríamos
que ser vivificados para podermos crer”. Stott dá dois exemplos para ilustrar essa situação de
passividade do homem em relação a soberana graça de Deus: o cirurgião e o
paciente (depois de uma cirurgia delicada o enfermo consegue sentir os efeitos
da habilidade daquele que o operou) e soberano e o criminoso (apenas o
criminoso condenado perdoado elo soberano pode sentir o poder soberano do
perdão). Essa passividade que tínhamos em relação à graça se dá pelo fato de
que estávamos mortos em nossos delitos e pecados e, por isso, por nós
mesmos, poderíamos tão somente apodrecer, espalhando terrível odor e toda sorte
de pestilências, mas, em Cristo, fomos vivificados, ou seja, recebemos a vida
que não tínhamos e, em decorrência desse ato administrado em nosso regeneração
passamos a crer e buscar o Senhor (Efésios 2.1).
Se aplicarmos Efésios 2.1 ao texto de João onde Jesus afirma àqueles que
murmuravam sobre o fato de Jesus ser o unigênito de Deus: “ninguém pode vir a mim se
o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia” (João 6.44). O verbo grego helkyo (ἑλκύω), qur foi
traduzido por trazer, na língua grega, significa trazer arrastada e isso porque
essas pessoas que o Pai trouxe ao filho estavam mortas em seus delitos e
pecados. Como se deu essa ação do Pai em trazê-las? Pela vocação eficaz, ou
seja, “a obra do poder e graça
onipotente de Deus, pela qual (do seu livre e especial amor para com os eleitos
e sem que nada neles o leve a Isto), Ele, no tempo aceitável, os convida e
atrai a Jesus Cristo pela sua palavra e pelo seu Espírito, iluminando os seus entendimentos
de urna maneira salvadora, renovando e poderosamente determinando as suas
vontades, de modo que eles, embora em si mortos no pecado, tornam-se, por isso,
prontos e capazes de livremente responder à sua chamada e de aceitar e abraçar
a graça nela oferecida e comunicada”
(Catecismo Maior de Westminster, pergunta 67).
O nosso valor
está no fato de que éramos material de refugo, mas, apesar disso, o Senhor nos
utilizou em sua misericórdia. Paulo diz aos Gálatas diz que Jesus veio “para resgatar os que
estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gálatas 4.5). O verbo grego exagorazo (ἐξαγοράζω), que traduzimos por
resgatar, poderia ser literalmente tradzido como tirar da praça (ágora). A
praça na Grécia era o lugar de discussão política e religiosa (Atos 17.17,18) e
também de negócios, inclusive de escravos. Dessa maneira, a praça aqui na
palavra grega de Gálatas 4.5 seria como o Vallongo do Rio de Janeiro no século
XIX onde os escravos negros chegavam e eram negociados. Portanto, Jesus veio
nos resgatar da mais cruel das escravidões: o pecado. Como Jesus fez isso? Deu
a sua vida em nosso lugar.
A estátua de Davi
esculpida por Michelângelo (1475-1564) a mais vista a 512 anos era um bloco de
mármore que estava abandonado e no qual ninguém queria trabalhar. Se um homem
pode pegar um material que fora jogado fora e transforma em uma grande obra de
arte imagine o que o Senhor Rei dos céu de da terra para quem não há
impossíveis pode fazer em sua vida? Fará restauração de todas as coisas
(Apocalípse 21.5). Ele fará de você um tesouro dEle.