Vivendo com Deus nos dias maus:
reflexão do Salmo 12
Quando o filósofo Marco Túlio Cícero (107-43 a.C.), viu o
agir ardiloso e tirânico do senador populista Lúcio Sérgio Catilina (108-62
a.C.) e, igualmente, percebeu a inércia e o marasmo das autoridades exclamou: “o tempora, o mores!” (ó tempos, ó
costumes!). Quantas vezes, ao tomarmos conhecimento do cenário político do
nosso país, não ficamos perplexos com igual sensação de impotência? Será que os
ímpios se avolumam de forma sempre maior do que os justos? O joio crescerá de
maneira a comprometer o trigo e, por isso, tudo está fora do controle e fadado
ao fracasso completo?
Davi inicia o salmo pedindo socorro, pedindo para que o
Senhor o salve, porque os piedosos desapareceram. Esse era um problema do
filósofo cínico (escola filosófica que acreditava que se devia abdicar de tudo
aquilo que não conduzisse à virtude) Diógenes de Sinope (413-323 a.C.), que
além de morar em um barril (antes do Chaves), também saia durante o dia com uma
lamparina acesa em busca de homens virtuosos. Jeremias tem essa mesma missão
(Jr 5.1) e não consegue encontrar nem entre os iletrados, tampouco entre os
doutos. Em Sodoma não existiam sequer dez homens justos.
No período de Davi, as baixas nas fileiras dos virtuosos
poderia se dar pela ânsia idólatra de Saul pelo poder, que, por exemplo, mata
os sacerdotes de Nobe (1Sm 22.17). No período pós-exílico, quando os salmos
foram editados, os adversários das tribos de Judá e Benjamin, usando de
malícia, fizeram parar a obra da construção do templo (Ed 4).
Obviamente,
os piedosos nunca tiveram uma vida fácil e regalada nesse mundo caído, o
próprio Paulo, em 2Timóteo 3.12, adverte: “todos
quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguido”. Davi está assustado diante da diminuição dos
justos e do terrível e implacável progresso daqueles que usam da bajulação para
promover a discórdia. Calvino afirma que o termo utilizado para bajuladores no
hebraico (chalakoth) demonstra
pessoas que apresentam sentimentos parciais enquanto escondem suas reais intenções
sob o verniz da hipocrisia. Jesus e João Batista acusam diversas vezes os
Escribas e fariseus dessa prática pecaminosa (Mt 3.7; 22.15-22).
Davi
entende que a solução diante dessa triste realidade é o total aniquilamento
dessas pessoas (Sl 12.3,4). Você já ouviu aquela famosa expressão de velório: “com tanta gente ruim no mundo, por que Deus
foi levar justo esse que era bom”. A natural presunção dos injustos parece uma
razão plausível para que sejam eliminados e a existência deles dá a errônea
impressão de que o Senhor ou está impotente diante desse cenário ou se diverte
com as aflições impostas aqueles que são duramente perseguidos.
Contudo
vemos o agir do Senhor no tempo soberanamente aprazadado. O Senhor não se
baseia nas expectativas humanas, muito menos nos padrões que os homens idealizam,
mas no seu plano redentor. Assim, como no passado, o Senhor ouvira a aflição do
seu povo que padecia o fim dos quatrocentos anos da escravidão no Egito (Êx
3.7), da mesma forma o seu ouvido é sensível ao clamor e ao gemido daqueles que
ele comprou com o sangue do Cordeiro. Segundo Calvino, nossos inimigos podem
nos tirar tudo menos nosso clamor e lágrimas, que não podem ser tidas com
somenos, porque elas podem suscitar o agir de Deus que não despreza um coração
contrito e compungido (Sl 51.17).
Por
causa dos pobres e do gemido dos necessitados o Criador se levanta e salva
mostrando, como outrora, que mesmo que os ímpios se avolumem subjugando os
crentes Ele chamará alguém como Noé, justo, íntegro e que ande em sua
intimidade (Gn 6.9) para criar um lugar seguro para guardar e preservar os
crentes. João, no livro do Apocalipse, vê o Senhor assentado no trono, no
comando de todas a coisas que acontecem (Ap 5.1). Noemi julgava que tudo estava
acabado e havia se amargurado em uma depressão profunda, porque com os filhos e
com o marido sepultara, também, suas esperanças de uma velhice tranquila (Rt
1.20), mas percebe, na escola da provação, que o Senhor não deixa de ser “leal e bondoso com os vivos e com os
mortos” (Rt 2.20).
Nicolau
Maquiavel (1469-1527) afirma que aqueles que requisitam conselhos, quando os
acatam sem nenhum julgamento, podem, frequentemente, mudar de opinião e colocar
em risco sua credibilidade, por isso, apenas o sábio poderá escolher o melhor
conselho. Entre as muitas bajulações desse mundo vil apenas o sábio, ou seja,
aquele que teme o Senhor, acatará a voz pura de Deus.
Dessa
maneira, Davi, reorientado pela fértil Palavra do Altíssimo, compreende que em
todos os lugares existem ímpios que recebem ou louvores humanos, contudo o
crente não fica mais admirado com essa realidade, porque sabe que é preservado
pelo Senhor. Igualmente, nós podemos nos fiar na mesma esperança, porque o
Senhor não está alheio a nossas dificuldades, mas pronto para, no seu tempo
agir, mesmo que as circunstâncias sejam adversas.