A Providência de Deus
Na Língua Portuguesa a palavra providência vem do latim providentia que, por sua vez, deriva de providere (pro [antes]+videre[ver]).
Dessa maneira, providência é a capacidade de ver com antecedência, prever
necessidades. Segundo Berkhof (2012, p.85), esse termo não se encontra nas
Escrituras, todavia sua doutrina pode ser claramente vista na Palavra.
Entendemos, à luz de Confissão de Fé de Westminster, que providência é a ação
de Deus sustentar, dirigir, governar e dispor todas as suas criaturas, desde a
maior até a menor (CFW, V.1).
A primeira ação providente do Senhor está em sustentar, ou
seja, preservar tudo o que foi criado. Diferente do que os deístas acreditam. O
mundo não é qual um relógio que o Senhor deu corda e deixou ao domínio da
máxima causa e efeito, mas assiste do parto das corças (Sl 29.9) aos grandes
eventos da humanidade.
Todas as criaturas são dirigidas por Deus. O Senhor se serve
de crentes e, até mesmo dos ímpios, como Ciro (Is 44.28), como instrumentos
para realizar sua vontade. Da mesma forma, o sol e a chuvam, que procedem de
Deus atingem justos e injustos (Mt 5.45) e, assim, suas as bênçãos e prejuízos
alcançam crentes e não-crentes não por acaso, mas por causa da ação soberana de
Deus.
Os romanos acreditavam que a Fortuna era uma deusa, filha de
Júpiter, que tinha os olhos vendados e distribuía bens e pobreza aleatoriamente
entre as pessoas. O referente grego desse mito era a deusa Tique. Essa ideia
está presente nos poemas profanos do século XIII musicalizados por Carl Orff em
1936 e que recebeu o nome de Carmina Burana (Canções de Beuren). Essa ópera
começa e termina com a Fortuna da seguinte maneira: “ó Fortuna és como a lua mutável, sempre aumentas ou diminuis; a
detestável vida ora oprime, ora cura para brincar com a mente; miséria, poder
ela os infunde como gelo. Sorte imensa e vazia, tu, roda volúvel, és má, vã e
felicidade sempre dissolúvel, nebulosa e velada, também a mim contagias [...]”.
Contudo entendemos que todas as coisas são governadas por Deus.
Tal como Jó reconhecemos que a riqueza ou a pobreza procedem do Criador (Jó
1.19). O rico e o pobre não existem por causa das influências econômicas,
tampouco pela má gestão de recursos, mas por que Deus assim os fez (Pv 22.2). O
Senhor é soberano sobre todas as coisas e criador da luz e das trevas, da paz e
da guerra, do bem e do mal (Is 45.7), entretanto, sem ser autor do pecado,
porque a ninguém tenta (Tg 1.13) e nEle não há treva alguma (1Jo 1.5). Sobre
essa realidade Calvino (2012, p.72) afirma: “um
ato mal deve ser julgado pelo modo como é dirigido ao seu fim, fica evidente
que Deus jamais é autor do pecado [...] como causa do mal está a vontade dos
homens, Deus exercita os seus justo juízos pelas mãos deles, de modo que Ele é
totalmente inculpável, e de maneira completamente maravilhosa , Ele, das trevas
do pecado, traz luz da sua glória”.
O mundo pode cantar: “o
acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído” (refrão da música
Epitáfio), todavia Noemi e Rute não chegaram por acaso em Belém na mês da
colheita da cevada (Rt 1.22), tampouco, por sorte ou oportunismo, esta foi
parar na propriedade de Boaz, mas tudo foi por causa do Senhor que não se
esquece de seu povo (Rt 2.20). O Senhor colocou Rute no caminho de Boaz e este
na estrada da virtuosa moabita. Dessa maneira, o cristão pode entender que
todas as coisas cooperam para o seu bem (Rm 8.28).
Dessa forma, não podemos demonizar os problemas, porque o
diabo não tem poder igual ao do Senhor e só age debaixo da permissão de Deus e
dentro dos limites, por Ele, estabelecidos (Jó 1.12; 2.6). Fidelidade, retidão
e temor ao Senhor não são apólices de seguro contra os mais terríveis males, Jó
era homem “íntegro, reto, temente a Deus
e que se desviava do mal” (Jó 1.8), mas perdeu todos os bens, os filhos, a
saúde, os respeito da mulher e dos amigos, contudo não pecou (blasfemando),
tampouco atribuiu a Deus alguma falta (Jó 1.22), reconhece para sua esposa que
os instigava a pecar: “temos
recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal?” (Jó 2.10).
Devemos ter a devida
prudência em não analisar as aparentes bênçãos ou disciplinas pelas aparências.
Uma acontecimento, aparentemente, bom como os quinze anos a mais que Deus
concede ao rei Ezequias se revelaram uma provação (2Rs 20.6, 12-21) e um acontecimento,
que a primeira vista parece ruim, pode se revelar um livramento. O poeta inglês
William Cowper (1731-1800) afirmava: “por
traz de uma providência carrancuda, esconde-se a face sorridente de Deus”.
Depois de todas as terríveis provações que pareciam a Jó como uma face
carrancuda de Deus, reconheceu seu sorriso: a escola da dor o levou a uma
relação mais íntima com o Senhor (Jó 42.5).
Alguém pode perguntar: por
que Deus permite que, neste mundo, em algumas circunstâncias, o justo sofra e o
ímpio não? O salmista Asafe está muito angustiado por essa dúvida no Salmo 73.
Entretanto reconhece que aparente tranquilidade em que o ímpio vive é um lugar
escorregadio que contribui para sua destruição (Sl 73.18). Façamos uma pequena
análise: compare um mesmo animal na selva e no cativeiro, enquanto este possui
todo o conforto e assistência está preso, mas aquele, apesar de carecer de
muitos recursos está livre.
Deus permite que duras
provações ataquem ímpios e justos, para que estes vivam pela fé (Hc 2.4, Rm
1.17). O sofrimento, na vida, do ímpio só gera murmuração, mas, no crente,
produz perseverança, experiência e esperança (Rm 5.3,4).
O servo de Deus, mesmo no
mais difícil problema, apresenta a sua oração e fica esperando (Sl 5.1), porque
reconhece que “Deus usará acontecimentos
aparentemente desconectados para realizar seu bom propósito” (ULRICH, 2011,
p.135). Enquanto o crente aguarda a resposta de Deus usufrui da paz que excede
todo entendimento guardando sua mente e seu coração em Cristo Jesus (Fl 4.7).
Por isso aquele que confia na providência ora e não fica ansioso por coisa
alguma (Fl 4.6), porque reconhece o cuidado de Jesus sobre as nossas vidas (1Pe
5.7).
A confiança (o que só pode ser experimentado por aquele que
teve seu coração aberto pelo Espírito e foi convencido de seu pecado) e que a
vontade de Deus é boa perfeita e agradável (Rm 12.2) em quaisquer
circunstâncias permite ao fiel continuar confiando que permanecer em Deus e nas
suas bênçãos eternas é melhor do que se deleitar no prazer efêmero do mundo, “Pois um dia nos teus átrios
vale mais que mil; prefiro estar à porta da casa do meu Deus, a permanecer nas
tendas da perversidade” (Sl 84.10). Segundo Calvino (p.338), a maior parte das pessoas não sabe
por que vive, todavia Davi entende que sua vida existe para cultuar o Senhor.
A confiança no
Deus providente (Rt 1.16) não permitiu que Rute voltasse aos seus pais e aos
seus deuses como Orfa, tampouco fosse atrás de homens mais jovens quer ricos ou
pobres (Rt 3.10), mas procurasse unicamente as asas de seu Resgatador, porque
seu interesse não era família, bens ou prazer, mas a glória do Senhor.
Analisemos um fato
hipotético: um pai ou uma mãe estão com um filho ou uma filha gravemente doente
e desenganado pelos médicos. Alguém afirma que se fizer determinada oração ou
pertencer a determinada igreja ou lugar de culto, onde não se prega a Palavra
com fidelidade, não ministra os sacramentos conforme as Escrituras determinam,
tampouco se disciplina de maneira coerente tem o poder de curar a criança. O
ímpio não vê problema, e acredita que tudo é válido, os fins justificam os
meios. Um falso cristão também pode embarcar nesses devaneios, todavia o
verdadeiro cristão entende que seus princípios não podem ser negociados, porque
sabe que perder tudo reinará com Deus. Abraão não negou Isaque ao Senhor quando
este lhe foi requerido (Gn 22.11,12), porque “considerou que Deus era poderoso até para ressuscitá-lo dentre os
mortos” (Hb 11.19).
O Catecismo Maior de Westminster afirma (pergunta 109) que
são pecados proibidos no segundo mandamento (Êx 20.4-6): “estabelecer, aconselhar, mandar, usar e aprovar de qualquer maneira
qualquer culto religioso não instituído por Deus; o fazer qualquer imagem de
Deus, de todas e quaisquer das três pessoas, quer interiormente no espírito,
quer exteriormente em qualquer forma de imagem ou semelhança de criatura
alguma; toda a adoração dela, ou de Deus nela ou por meio dela; o fazer
qualquer imagem de deuses imaginários e todo o culto ou serviço a eles pertencentes;
todas as invenções supersticiosas, corrompendo o culto de Deus, acrescentando
ou tirando dele, quer sejam inventadas e adotadas por nós, quer recebidas por
tradição de outros, embora sob o título de antiguidade, de costume, de devoção,
de boa intenção, ou por qualquer outro pretexto; a simonia, o sacrilégio; toda
a negligência, desprezo, impedimento e oposição ao culto e ordenanças que Deus
instituiu”.
Em muitas vidas,
satanás ensina a chamar as bênçãos de Deus como se fossem suas. Quantas pessoas
atribuem um milagre a ação de uma divindade estranha e se recusam a se
converter por mero medo idólatra. Essa realidade podia ser vista em Jeremias: “desde que cessamos de queimar incenso à
Rainha dos Céus e de lhe oferecer libações, tivemos falta de tudo e fomos
consumidos pela espada e pela fome” (Jr 44.18).
Apesar de serem
muitas as previsões que se avolumam no intuito de saciar as necessidades do
homem. Só Deus exerce providência com eficácia.