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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

APEGADO ÀS SOMBRAS



Apegado às sombras

“Portanto, ninguém tem o direito de vos julgar pelo que comeis, ou pelo que bebeis, ou ainda com relação a alguma festa religiosa, celebração das luas novas ou dos dias de sábado” (Colossenses 2.16)

A carta à Igreja dos Colossenses foi escrita quando Paulo estava preso ou em Éfeso ou em Roma entre o final da década de 50 e início de 60 e o objetivo de Paulo é combater a heresia que se alastrava pela igreja consumindo a verdadeira piedade e corrompendo a comunidade cristã. Segundo Hendriksen, para compreendermos o perigo que rondava essa comunidade cristã, precisamos levar e consideração que seus membros, na sua grande maioria, eram convertidos do paganismo advindos do que Paulo chama de “poder das trevas” (Colossenses 1.13), os quais, pelas obras más, eram estranhos/alheios (a ideia do verbo apallotrióo – ἀπαλλοτριόω é estar alheio a alguma coisa. Essa mesma palavra aparece em Efésios 2.12) e inimigos do entendimento (Colossenses 1.21), ou seja, da suficiência de Cristo.

Dessa maneira, o apelo a uma sexualidade distorcida como as inclinações da carne, a prostituição, as impurezas, a paixão e a vil concupiscência estavam presentes na vida pregressa desses cristãos (Colocenses 3.5,7), assim como a avareza e a idolatria. Paulo tem a difícil tarefa de mostrar como essas práticas são nocivas, porque delas “vem a ira de Deus” sobre aqueles que permanecem endurecidos ao evangelho, os quais ele chama de “filhos da desobediência” (Colossenses 3.6; Efésios 2.2; 5.6).

O termo desobediência utilizado nesses textos “apeítheia” (ἀπείθεια) vem de duas palavras gregas: o prefixo “a” (ἀ) que indica negação de algo e o verbo “peítho” (πείθω). Paulo evidencia que esse desobediente não é aquele que está alheio ao evangelho por ignorância (sabendo que mesmo esse será condenado – Veja Romanos 1.20), mas aqueles que, apesar de ter ouvido o Evangelho, o desprezaram como a mensagem salvadora.

Os cristãos de Colossos, pertencentes ao Reino de Cristo (Colossenses 1.13), estavam fora desse funesto grupo de desobedientes, preordenados para o inferno, porque foram perdoados (Colossenses 1.14; 2.13. Compare com Efésios 2.1) para se tornarem “santos, sem defeito e irrepreensíveis” (Colossenses 1.22), mas estavam sujeitos às vãs filosofias (Colossenses 2.8), que, por meio de visões atacavam a suficiência de Cristo induzindo-os a adorar anjos (2.2-4,18). Os cristãos de todas as épocas só podem atingir o objetivo da santidade mediante a perseverança (Colossenses 1.23).

Esses irmãos não eram irredutíveis como os ímpios, mas ser persuasivo para qualquer doutrina sem padrões estabelecidos é igualmente perigoso. Se existem inúmeros que se perdem por não crer, há igual índice para aqueles que se extraviam por acreditar em tudo, ambos carecem do Espírito Santo que os habilita a crer. Como afirma a Confissão de Fé de Westminster: “A graça da fé, pela qual os eleitos são habilitados a crer para a salvação das suas almas, é a obra que o Espírito de Cristo faz nos corações deles, e é ordinariamente operada pelo ministério da palavra; por esse ministério, bem como pela administração dos sacramentos e pela oração, ela é aumentada e fortalecida.” (CFW, XIV,1).

A igreja de Colossos caia em um perigo permanente aos cristãos ao longo dos séculos: o desejo de comprar com suas obras a salvação ou parte dela. O cristão não é feito pelas obras que pratica, mas para as boas obras que engrandecem o nome do Senhor (Efésios 2.10). Dessa maneira, a pessoa não se torna cristã em uma longa trajetória de boas obras, mas mostra-se eleita pela vida e as atitudes que toma. Calvino, o Exegeta da Reforma, afirma que “nada somos, senão por sua graciosa liberalidade”, ou seja, nenhuma das obras que praticamos podem endividar o Senhor, porque são meros trapos de imundícia (Isaías 64.6), assim como até mesmo as boas obras que praticamos procedem do Senhor.

Uma heresia que aflorará melhor no segundo século está de maneira embrionária nessa e em outras igrejas da Ásia Menor: o gnosticismo. Essa falsa doutrina misturava o pensamento pagão (em especial a filosofia neo-platônica que privilegiava a alma em relação ao corpo), o judaísmo e o cristianismo.

Segundo Lopes, os gnósticos imaginavam que Deus era uma como uma grande bacia cheia de água (plêrôma/plenitude) que constantemente transbordava (esses são os eons/eras, as manifestações divinas ao longo da história), contudo há uma transbordamento efetivo que traz o logos (Jesus) que nos dá a gnosis (conhecimento). Os adeptos dessa heresia tinham que percorrer três graus: os hílicos (viviam na matéria), os psíquicos (aqueles que progrediam para coisas mais elevadas) e os pneumáticos ou espirituais (aqueles que de fato eram salvos). Privilegiavam revelações extraordinárias e desprezavam o corpo e consequentemente a ressurreição. Dessa maneira, o fiel dessa igreja era orientado a punir o corpo para ganhar pureza da alma e santidade.

Essa ideia de que o corpo precisa ser castigado foi muito popular ao longo de milênios entre os romanistas. Ainda, hoje, a igreja aprova essas práticas de mortificação desde que não exista a efusão de sangue ou malefício à saúde, haja vista, João Paulo II usou o cilício (uma malha de metal com pontas que não chegam a penetrar a pele, mas causam desconforto) mesmo quando exercia o pontificado. Essa prática é tão tola e antibíblica como se Paulo pedisse um espinho em sua carne. Não vemos na Bíblia ninguém pedindo desconforto ou tribulação, mas encarando com alegria (Tiago 1.2) as naturais adversidades que os crentes são acometidos enquanto vivem nesse mundo caído.

Os crentes de Colossos eram incentivados a uma prática ascética, ou seja, a absterem-se de certas comidas (seguindo, provavelmente a dieta de Moisés) e comidas, assim como, guardar as festas judaicas e o sábado (Colossenses 2.16) a fim de obterem a salvação (Atos 15.1) que é dada tão somente pela graça (Efésios 2.8). Esse procedimento segundo Paulo é um rudimento pobre e fraco (Gálatas 4.9-11).

Paulo adverte os irmãos colossenses nos seguintes termos: “tendo cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo” (Colossenses 2.8), que pode ser comparado com a carta anterior aos Gálatas (de 48 d.C.) “por causa dos falsos irmãos intrusos, os quais furtivamente entraram a espiar a nossa liberdade, que temos em Cristo Jesus, para nos escravizar” (Gálatas 2.4). Observemos que existiam fariseus que haviam crido (podemos chama-los de judaizantes) e acreditavam que os gentios (aqueles que não eram judeus) deveriam ser circuncidados e precisaram observar a lei mosaica.

Essa polêmica que é observada na Carta aos Gálatas de 48 d.C. e existia ainda em 60 d.C (na Carta aos Colossenses), contudo vale lembrar que houve uma deliberação do Concílio de Jerusalém em 51 d.C. (Atos 15.19-22), onde os gentios não deveriam ser perturbados a cumprir as exigências dos judaizantes, contudo “se abstenham das contaminações dos ídolos, da prostituição, do que é sufocado e do sangue” (Atos 15.20), para que não escandalizassem os judeus (Atos 15.21) o que se afina ao que Paulo diz aos Coríntios (52 d.C.) “vede que essa liberdade vossa não venha a ser motivo de tropeço para os fracos” (1Coríntios 8.9). Podemos entender que até hoje existem aqueles, como os fariseus de outrora, que acreditam que pelas obras se pode ganhar a vida eterna, porque tem Jesus como insuficiente.

Paulo inicia Colossenses 2.16 como a conjunção “portanto” (οὖν). Poderíamos comparar as conjunções a conectores de canos que seriam as frases, logo, esse cano que vai do versículo 16 a 19 está conectado por essa conjunção que visa concluir um argumento ao cano que vai do 8 ao 15, onde Paulo os exorta que eles possuem a circuncisão de Cristo, ou seja, o batismo, que se evidencia pelo despojamento da carne (Colossenses 2.11,12), assim como a ressurreição em Jesus (Colossenses 2.13-15). Dessa maneira, ceder os apelos dos judaizantes equivale a não dar o devido valor ao fato de Cristo de cravado nosso escrito de dívida na cruz (Colossenses 2.14,15).

Paulo mostra que a dieta moisaica, as festa da lua nova e até mesmo a guarda do sábado foram importantes no Antigo Testamento, pois eram “sombras das coisas vindouras” ou os “rudimentos do mundo” (Colossenses 2.20). Essas leis cerimonias foram abolidas por Cristo (Efésios 2.15) de tal maneira que morrer em Cristo e viver segundo essas sombras ou esses rudimentos é incompatível com a verdadeira fé cristã é se apegar às sombras que levam a perdição.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Guardar o sábado ou o domingo?



Guardar o sábado ou o domingo?

Isaías afirma: Assim diz o SENHOR: Mantende a retidão, e fazei justiça; porque a minha salvação está prestes a vir, e a minha justiça a manifestar-se. Bem-aventurado o homem que fizer isto, e o filho do homem que lançar mão disto: que se abstém de profanar o sábado, e guarda a sua mão de cometer o mal” (Is 56.1,2). Observemos que o filho de Amoz inicia sua fala coma expressão clássica: “assim diz o Senhor”, que serve para introduzir profecias. Dessa maneira, o Senhor adverte o povo que sairá do exílio (lembre-se de que o livro do profeta Isaías pode ser dividido em três partes: 1-39 [o que os liberais chamam de primeiro Isaías], onde se trata da invasão Babilônica; 40.1-55.13 [o que os liberais chamam de deutero-Isaías] e trata das primeira e da segunda deportação do povo e 56.1-66 [o que os liberais chamam de Trito-Isaías] tratando do retorno dos exilados).

O Senhor está exortando de antemão o povo daquele período de Esdras e Neemias a duas orientações: “manter a retidão” e “fazer a justiça”. No primeiro imperativo o verbo hebraico utilizado é o shâmar (שָׁמַר), que significa guardar, manter e vigiar. A retidão é um compromisso que exige decisões diárias. No segundo imperativo, o verbo âsâh (עָשָׂה) indica que a justiça precisa ser produzida. A razão para se manter a retidão e a fazer a justiça é o fato de a salvação e a justiça estava para vir ou se manifestar. Sabemos que essa justiça é manifesta em Jesus na plenitude do tempo (Gálatas 4.4).

O cristão precisa manter a retidão e fazer a justiça não para ser salvo, porque somos salvos pela graça (Efésios 2.8), contudo os eleitos deve ser reconhecido pelos frutos que pratica (Mateus 7.20), porque “somos feitura sua (do Pai), criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas” (Efésios 2.10).

Isaías afirma que esse bom procedimento (manter a retidão e fazer a justiça) fazer do homem bem-aventurado ou feliz, contudo o Profeta mostra de forma prática como esse homem feliz procede em relação ao Senhor e liga o manter a retidão e o fazer a justiça à guarda do sábado. Diante desse versículo (Isaías 56.2), um sabatista poderia argumentar: “se sua única regra de fé e prática é a Palavra, por que você continua guardando o domingo?”.

A conclusão que chegaremos é que esse pensamento não pode crer em uma revelação orgânica (ou dinâmica), assim como, interpretar o Novo Testamento de tal maneira que sirva a sua ideologia pessoal e não aos propósitos do Espírito Santo.

De fato, em Êxodo 20.8-11, O Senhor ordena que os sétimo dia (o sábado) seja santificado. Para que esse mandamento fosse cumprido, o maná podia ser colhido de forma dobrada na sexta de tal maneira não estragaria (Êxodo 16.23-25) e a pena para aquele que desconfiasse desse preceito era a morte (Números 15.32-35). Contudo o descanso proposto pelo Senhor ao seu povo vai muito além do proposto para eesse ou aquele dia, mas o escatológico (Hebreus 4.9-11).

Jesus não considerava guardar o sábado o maior dos mandamentos (Mateus 22.35-40). A igreja passou a guardar o primeiro dia da semana e não mais o sétimo (Atos 20.6,7; 1Coríntios 16.1,2). Em Atos 20 vemos a referência mais antiga ao culto dominical. Segundo Kistemaker a expressão “partir o pão” (κλάσαι ἄρτον) indica culto (Atos 2.42,46). Vemos que Paulo prega demoradamente nesse dia , até a meia noite. Quando a igreja cristã teve de deliberar sobre a inclusão de gentios e judaizantes queriam obriga-los a circuncisão e a dieta de Moisés (Atos 15.5), o Concílio não viu a guarda do sábado como algo a ser evitado para não escandalizar os mais fracos na fé (Atos 15.28,29). Não vemos no Novo Testamento apelos a guarda do sábado como Jeremias 17.19-27 no Antigo Testamento. Contudo, em Mateus 12, a rigidez farisaica para com a observância do shabbat é criticada por Jesus que se coloca em posição privilegiada como senhor/dono do sábado (Mateus 12.8) e, por isso, como afirma Carson, em posição não apenas para interpretar a lei ou mudar as interpretações judaicas, mas para ordenar a própria lei. Quando vemos a Bíblia por esse prisma entendemos que aqueles que têm a Palavra como a única regra de fé e prática guardam o domingo.

Quando o sabatista o julgar como um crente inferior por não observar o sétimo dia lembre-o de riscar o versículo em que Paulo afirma: ninguém, pois, vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa de dias de festa, ou de lua nova, ou de sábados que são sombras das coisas vindouras; mas o corpo é de Cristo” (Colossenses 2.16,17).

Portanto, Isaías não está ligando a felicidade, a retidão e a justiça à vida de alguém que observa um dia específico, mas que nutre profunda intimidade com o Senhor, pois aquele que não cumpre de forma contumaz a Palavra não pode amar a Jesus, tampouco a Deus (1João 5.2-4).


Por que Existo?



Por que existo?

Davi afirma: O homem é semelhante a um sopro; os seus dias são como a sombra que passa. (Salmo 144.4). Diante da aparente brevidade da vida, o homem sempre se questionou sobre sua relação com o mundo ao seu redor. A existência humana não é curta, mas suficiente para todos os seus intentos, contudo parece efêmera, porque muito tempo é desperdiçado com preocupações vãs e vícios. O filósofo estoico – Lúcio Anneo Sêneca (4 a.C.-65 d.C.) – defende que “não temos uma vida breve, mas fazemos que seja assim, não somos privados, mas pródigos (aqueles que desperdiçam) de vida”. Nessa mesma linha, Salomão avalia sua vida nos seguintes termos: olhei eu para todas as obras que as minhas mãos haviam feito, como também para o trabalho que eu aplicara em fazê-las; e eis que tudo era vaidade e desejo vão, e proveito nenhum havia debaixo do sol(Eclesiastes 2.11).

O problema fundamental do homem está no fato de alicerçar sua fidelidade em seus prazeres e tarefas vãs. Essas fundações arenosas funcionam como ídolos que usurpam gradativamente o lugar de em nossas vidas. Esses ídolos fornecem ideias distorcidas de felicidade, que sempre passa pelo conselho e o itinerário dos perversos e pecadores. C.S. Lewis (1898-1963), na obra Cartas do Inferno, define o homem como uma espécie de anfíbio, pois é parte terreno(e por isso atingido pelo tempo) e parte espiritual (afetado pelo desejo das coisas do alto). Nessa obra, que tem como enredo um diabo mais experiente ensinando seu sobrinho como tentar um homem, afirma que Deus existe que renunciemos a nos mesmos (Marcos 8.34), mas depois nos devolver a essência de nossa personalidade, ou seja, nossa luta para preservar e defender os nossos interesses, devido ao nosso estado de radical depravação, é marcada pelo egoísmo pecaminoso, mas, quando o nosso viver é Cristo até a morte nos parecerá lucro (Filipenses 1.21).

Dessa maneira, o fim do homem, o propósito e o objetivo da sua vida não está nas bênçãos, mas no Abençoador. A busca da felicidade é tão importante que é recomendada até mesmo na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776). Contudo a Bíblia nunca nos recomenda essa tarefa, porque, escrita pelo Espírito Santo, saiba que a tentativa meramente humana de sondar a felicidade sempre esbarrará no desejo pecaminoso de dar vazão aos ídolos do velho homem que buscam controlar nosso coração. Dessa maneira , nos apresenta o que é a felicidade e como chegamos até ela.

Quando nosso sustento está em Deus e nossa vida tem como o principal desejo de glorificar nosso Criador, não nos tornamos imunes aos perigos do mundo, tampouco às provações e tentações, mas sabem lidar melhor com as adversidades que os assaltam. Jó é um bom exemplo dessa realidade, pois sendo atingindo por todos os lados (do sul, os sabeus roubam-lhe mil bois e quinhentas jumentas; do oeste, um relâmpago mata-lhe sete mil ovelhas; do norte, os caldeus roubam-lhe três mil camelos e do leste, o terrível vento mediterrâneo ceifa-lhe os filhos), contudo, quando os quatro funestos emissários, pela artimanha diabólica, chegam ao mesmo tempo, Jó declara : O Senhor deu, e o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor(Jó 1.21).

Aquele que tem o Senhor como seu único arrimo aprende, tal o Apóstolo dos Gentios, a viver de forma satisfeita quer nos dias de abundância ou de fartura (Filipenses 4.12), porque podemos tudo (passar satisfeitos pela fartura ou a penúria) naquele que nos fortalece (Filipenses 4.13).

Portanto, temos apenas uma vida na qual podemos, iluminados pelo Espírito Santo, vivermos para Cristo, enquanto, aqueles que foram preordenados para o inferno desfrutam de vidas boas aos olhos do mundo, mas detestáveis para o Senhor.