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sábado, 16 de abril de 2016

O muro: reflexão sobre A PAZ



O muro: reflexão sobre A PAZ



“Ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade” (Ef 2.14)



Construir muros ou pontes possuem diferenças estruturais que vão além da disposição daquele que as constroem. Os muros são relativamente fáceis, basta um amontoado de tijolos para que ele apareça, mas, com as pontes, não é assim, porque desafiam a mais implacável das leis: a da gravidade. Enquanto, naqueles os tijolos se enfileiram e se colocam um sobre os outros usando dessa lei, que prende todos ao chão, para se fincarem onde nascem, estas se lançam pelo horizonte, corajosas e bem sustentadas. Contudo se diferenciam pelas finalidades, pois aqueles nos dão a falsa sensação de segurança, como Davi afirma: “Elevo os meus olhos para os montes; de onde me vem o socorro? O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra” (Sl 121.1,2), estes nos levam ao contado com outras pessoas, o que nos inquieta pela certeza da inevitável avaliação.

A história é feita de muros famosos: a muralha de Adriano (122), que tinha o propósito de separar a Grã-Bretanha romana dos demais povos selvagens; a da china (7 a.C) , a de Berlim (destruída em 1989). O candidato republicano à casa branca, Donald Tump, quer construir um muro de separação entre E.U.A e o México.

Paulo fala sobre uma parede de separação (mesótoichon – μεσότοιχον) que se encontrava no templo de Jerusalém, que possuía sete recintos, os gentios podiam entrar apenas no primeiro desses e para evitar que ultrapassassem esse limite. O historiador Flávio Josefo arfirma (Antiguidades 15.11) que era simpático, de mármore e possuía a altura de 1,65 m e possuía a seguinte inscrição: “NENHUM HOMEM DE OUTRA NAÇÃO [PODE] TEMPLO. E QUEM FOR APANHADO SERÁ DECLARADO CULPADO POR SI MESMO, PELA PENA DE MORTE QUE NELE SE APLICARÁ”.

Essa parede foi, de fato, destruída no ano 70 d.C. com a invasão de Tito Vespasiano, por isso, o que Paulo está fazendo é uma alusão, na qual “a parede da separação que Jesus aboliu não é a barreira que separa o mundo da igreja; é a barreira que segrega grupos e indivíduos uns dos outros dentro da igreja” (John Stott).

O judaísmo no período de Paulo dividia gentios e judeus de tal maneira que, ao verem Trófimo, no templo, pensando que fosse um gentio em lugar proibido, queriam mata-lo (veja Atos 21.27-32). Jesus destruiu essa cultura do ódio com a paz, porque ele é o “príncipe da paz” (Is 9.6), todavia não é passiva, porque afirma: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.” (Mt 10.34). A paz proposta pelo Senhor não se vende para atingir supostos objetivos, mas permanece firme em valores universais, que, quando flexionados, fatalmente degeneram e perdem a validade. Por exemplo, concordar com o pecado e o crime, apenas para evitar embates é trair a missão como covarde omisso, mas aqueles que forem fiéis até a morte herdará a coroa da vida (Ap 2.10)

Hoje, um muro de metal com 2,20 m de altura e que se estende por 80m para separa as 300 e 500 pessoas esperadas para a votação sobre o impeachment na Câmara dos Deputados. O objetivo dessa cicatriz na capital de nosso país é evitar confrontos entre pessoas que são pró ou contra o impeachment da presidente Dilma, todavia o que ele realmente promove é a divisão mais injusta de nosso povo.

“Nunca antes na história desse país” as cores da bandeira deixaram de representar o povo brasileiro, mas uma parte dele, enquanto a outra parte opta pelo vermelho, que caracterizou tantas vezes a prática de Estados totalitário que perseguiram e mataram inocentes. Ambos os grupos concentram-se em suas convicções e se recusam a dialogar se o outro grupo não estiver disposto a concordar com seus argumento. Esse muro só aumenta essa terrível disposição já bastante alimentada pela irresponsabilidade de líderes que governam orientados pelas suas próprias vaidades e não pelo bem-comum. Como pacificar esses grupos opostos e, de certa maneira, antagônico?

Jesus nos dá uma paz diferente daquela que o mundo é capaz de legar (Jo 14.27), porque não uma história, tampouco uma promessa, mas uma realidade inviolável (“porque ele[Jesus] é a nossa paz” – Ef 2.14a), porque “Justificados, pois, pela fé, tenhamos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1).

Quando andamos com Jesus, temos a certeza de que essa paz não precisa de grandes esforços, mesmo que nosso trabalho para a sua promoção seja árduo, devemos nos recordar que o maior de todos os sacrifícios para obtermos essa paz eterna foi conquistada definitivamente na cruz do calvário, dessa maneira Jesus fez a paz (Ef 2.15) criando do judeu e do gentio um novo (aqui Paulo usa o adjetivo kainós- καινός, que esse homem não é algo inédito, mas reconfigurado, ou seja, no mesmo padrões da criação antes do pecado) homem. O Messias, como arquiteto da paz pode fazer de “coxinhas” e “mortadelas” brasileiros melhores, porque “Feliz a nação cujo Deus é o SENHOR, o povo que Ele escolheu para lhe pertencer!” (Sl 33.12).

A paz proposta pelo Mestre é uma mensagem poderosa que inquieta impacta (“proclamou a paz para vós que estáveis longe e, da mesma forma, para os que estavam perto” – Ef 2.17). Todos aqueles que tiverem seus alicerces abalados e comprometidos na segunda-feira por causa das decisões do domingo fizeram desse governo um ídolo que precisa ser desarraigado antes que traga maior prejuízo.

Nosso país precisa de paz, mas não aquela desafeita ao combate no campo das ideias. A mera ausência de guerras é o curto espaço de tempo em que as pessoas recarregam as armas. Necessitamos de uma paz real, personalizada e poderosa cujo molde está em Jesus Cristo.




sábado, 9 de abril de 2016

A mentira


A mentira
Uma das explicações para o dia 1º de abril é que, em 1564, Carlos IX, rei da França, adotou o calendário gregoriano (levado a efeito por Gregório XIII no Concílio de Trento), o qual veio substituir o que fora produzido pelo Imperador Júlio César em 46 a.C. (conhecido como calendário juliano). Essa mudança alterou datas comemorativas, como as festividades de fim de ano, que aconteciam do dia 25 de março (início da primavera no hemisfério norte) até o dia 1º de abril, as quais passaram a ser realizadas do dia 25 de dezembro até o dia 1º de janeiro. Na última comemoração dessa data, as pessoas entregaram umas as outras presentes de mentira. Essa prática se estendeu entre aquelas que haviam aderido ao novo calendário e presenteavam com regalos jocosos aqueles que não haviam acatado a mudança.
Hoje, essa data não tem a mesma repercussão, mas sua existência revela uma verdade velada e indecente: muitas pessoas não têm problema com a mentira, especialmente, aquelas do cotidiano.
Uma criança atende o telefone e o leva ao pai ou à mãe e ouve: “fala que eu não estou”. Muitos, diante dessa situação trivial, não ousariam condenar esse ato. Inúmeras pessoas veem a atitude de dizer a verdade como algo perigoso. Essa situação é retratada no filme O Grande Mentiroso com o autor Jim Carrey.
O título do filme liar liar (grande mentiroso) é um trocadilho com a palavra lawyer (advogado), porque o enredo da história se passa na relação entre Fletcher Reede, um mentiroso compulsivo e advogado de sucesso, com seu filho, Max, que não aguenta mais as desculpas do Pai para não vê-lo. Diante de tantas mentiras o filho pede, ao soprar as velas de seu bolo de aniversário, que o Pai ficasse um dia sem mentir. Toda a comédia do filme está em mostrar as consequências profissionais e pessoais da atitude de não mentir por vinte e quatro horas. Apesar do filme se basear em João 8.32, defende que a verdade pode ser agressiva e, por isso, seu uso deve ser moderado.
Dessa maneira, Qual a origem da mentira? É lícito, em algumas circunstâncias usar da mentira? Deus abençoa atitudes orientadas por mentiras? A verdade deve ser usada com moderação?
1. A origem da mentira
Jesus afirma, em João 8.44, que o diabo é o pai da mentira, porque ela foi evidente no Éden, pois, enquanto o Senhor afirmava que nossos pais morreriam por comer do fruto proibido (Gn 2.17), o Diabo, como afirma Eva (Gn 3.13), os enganou afirmando que isso não aconteceria (Gn 3.4). A ideia de “enganou” em Gênesis 3.13 (nâshâ-נָשָׁא) é seduzir, por isso, a origem da mentira está na sedução empreendida por Satanás aos nossos pais a fim de desobedecerem ao mandamento do Senhor.
Dessa maneira, Carson e Beale, citando Witherington, afirmam: “no presente texto, Jesus e o Diabo são contrapostos entre si como oponentes arrematados: Jesus é o doador da vida e testemunha verdadeira, e o Diabo constitui a quintessência do assassino mentiroso”.
Portanto, a mentira sempre leva à desobediência à vontade de Deus e compactuar com ela é seguir os padrões daquele que foi o seu precursor ou pioneiro.
2. A viabilidade da mentira
O sofista Górgias (485-380 a.C.) afirmava que a verdade não existia se existisse seria impossível conhecer e se fosse possível conhecê-la seria inútil. A verdade para o nosso mundo segue esse padrão de esvaziamento de sentido, onde tudo é possível e relativo. Nossa sociedade está diante desse conceito como Acabe diante da profecia de Micaías: “eu o odeio, porque nunca profetiza o bem a meu respeito, mas somente o mal” (1Reis 22.8).
Os ímpios, que influenciam em grande medida a cultura que nos circunda, tal como Acabe, promovem o erro e a idolatria, compactuam com assassinatos e extorsões, e reclamam que a Bíblia, suprema profetiza de nossos dias, nunca fala nada de bom, ou seja, não compactua com suas mazelas e isso nunca acontecerá, porque fala com a verdade.
O ímpio sem caráter tem uma postura antinomista (anti=não+nomos=lei), não acredita que existam padrões universais (não existe certo ou errado) e, por isso, acreditam que tudo é relativo e possível. Segundo o teólogo Norman Gleiser o problema dessa postura está no fato de “quando não há padrões morais objetivos que transcendem a subjetividade de indivíduos e nações, então não há maneira objetiva de declarar um ato moralmente bom ou mau, em um sentido objetivo”.
Contudo, na grande maioria dos ímpios existem os adeptos do generalismo (“mentir é errado como regra geral, mas há ocasiões nem que a regra deve ser quebrada” – Norman Gleiser) ou do situacionismo (“se a mentira for contada de forma altruísta, por amor aos outros, então é moralmente correta, conforme a norma do amor” – Norman Gleiser).
Cremos que o pecado nos seduz com a possibilidade de fazer concessões orientadas por nossas necessidades e supostos merecimentos. Dessa maneira, começa-se mentindo ou exercendo qualquer outro tipo de pecado pelo situacionismo, logo pelo generalismo e, em fim, no antinomismo, vil e contumaz.
O casal Ananias e Safira (At 5.1-11) fornece um bom exemplo dessa realidade. Lucas faz um contraste entre a postura de Barnabé (At 4.36,37) e desse casal com fim funesto. Contudo Carson e Beale entendem que a utilização do verbo reter (nosphizozomaiνοσφίζομαι) o liga à história de Acã em Josué 7.1 (a LXX utiliza o mesmo verbo para falar que Acã reteve a capa, a prata e o ouro).
Nadabe e Abiú (Lv 10), Acã e Ananias e Safira mostram como a Palavra justifica as regras, recompensa o comportamento que se adequa a elas ou pune os que a violam (Theissen). A partir de Atos 5.3, compreendemos que o pecado de Ananinas e Safira não está na oferta, mas na mentira dirigida ao Espírito Santo.
Em Atos 5.9, entendemos que Ananias e Safira combinaram (ficaram com uma única voz) sobre provar a Deus (tal como o povo no deserto Êx 17.2; Dt 6.16). Ninguém, em perfeito juízo, levanta-se pela manhã com o propósito de provar o Senhor, mas as circunstâncias são hábeis tecelãs de desculpas para o pecado. É possível que no trajeto do situacionismo ao generalismo esse casal tenha morrido.
3. Incompatibilidade e compatibilidade da vida cristã com a mentira
Um caso interessante é o das parteiras hebreias Sifrá e Puá. Elas mentiram em Êx 1.19 e foram abençoadas em Êxodo 1.20. Algumas pessoas podem argumentar que, em alguns momentos é lícito usar da mentira para fazer o bem e que Deus pode até abençoar tais atitudes. Contudo elas não foram abençoadas por mentirem, mas por que “temeram a Deus” (Êx 1.17) e o Senhor agiu com misericórdia para com o pecado delas.
A professora de história da filosofia medieval, autora do livro Breve Storia dela Bugia (Breve História da Mentira), Maria Bettetini, citando Agostinho de Hipona (354-430) afirma: “não se deve jamais mentir, nem mesmo para salvar uma vida, porque a vida da alma vale mais que a do corpo, nem para ganhar um bem espiritual, porque este só existe na verdade e, portanto, foge sempre do mentiroso”. Se a postura generalista, situacional ou antinomistas estão no extremo em que a mentira é endossada pelo relativismo, o poder das circunstâncias ou o pseudoaltruísmo, no outro extremo está o absolutismo que está nessa frase de Agostinho.
Contudo a melhor perspectiva ética para a mentira é o hierasquismo, ou seja, há muitas normas éticas universais (que valem para todos), mas que não são iguais em si mesmas, quando elas se chocam a de maior valor tem precedência sobre a de menor (Norman Gleiser). Por exemplo, é necessário honrar pai e mãe para que se prolongue os dias sobre a terra (Êx 20.12; Ef 6.2), mas essa norma é inferior ao amor a Deus (Mt 10.37). Em Mateus 12 vemos Jesus mostrando aos fariseus essa hierarquia de normas.
Portanto, sabemos o porquê Sifrá e Puá foram abençoadas, mas o motivo pelo qual não foram condenadas está no fato de terem observados normas mais altas, mesmo que para isso fosse necessário quebrar normas. Essa opção existirá enquanto vivermos nesse mundo caído. Dessa maneira, apesar da mentira não ser inteiramente incompatível com a vida cristã, ela o é na perspectiva situacional, generalista e antinomista.
4. A verdade a qualquer preço
Alguém pode perguntar qual é a diferença entre o hierarquismo e o generalismo, já que ambos permitem a mentira às vezes. Aquele vê isenções e não exceções nas regras inferiores, enquanto este vê exceções e não isenções nas regras inferiores (Norman Gleiser).
O Salmista afirma que o justo “mantém a palavra empenhada e, mesmo saindo prejudicado, não volta atrás” (Sl 15.4). A verdade não está a serviço do meu prazer, tampouco das circunstâncias. A verdade não tem que pedir licença, porque, apesar de frequentemente dura, é sempre necessária. Todavia utilizá-la é preciso cuidado para que cumpramos o que Paulo diz em Efésios 4.29, ou seja, o que falar precisa ser edificante, oportuno e transmitir graça.