Translate

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

AS POSSIBILIDADES NOS DIAS MAUS: A RELAÇÃO COM O PRÓXIMO


As possibilidades nos dias maus: a relação com o próximo
“Tudo posso naquele que me fortalece”. (Fl 4.13)
Nesse período em que nosso país vive uma terrível recessão, a a cura de todos os problemas é puramente material. Comentaristas, no “horóscopo” dos números do mercado, preveem um futuro nebuloso e cheio de incógnitas. De fato, precisamos nos precaver, pois o dinheiro é bênção de Deus que não pode ser desperdiçada, tampouco gasta de forma desordenada.
O grande problema das precauções está no momento em que elas tomam uma proporção pecaminosa e deixamos de compreender a soberania de nosso Deus. O Senhor está no controle do mundo, mesmo quando esse parece descontrolado. Em Mateus 6.25-34, os discípulos de Jesus estão preocupados com o que comerão, beberão e como se vestirão, mas Jesus mostra que assim como as aves dos céus têm o que comer e beber, e os lírios dos campos têm um vestuário suntuoso, o mesmo Senhor que prove alimento e vestimenta a esses seres, que nos parecem insignificantes é aquele que soberanamente abastece nossas dispensas, por isso, cabe a nós buscarmos “em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).
Jesus não nos promete na Palavra uma vida de certeza e caminhos planos, mas afirma que os amanhã trará os seus próprios cuidados, mas podemos confiar na providência divina em todos os dias de nossa vida (Mt 6.34), como afirma Pedro: lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós” (1Pe 5.7).
Como enfrentar esses dias que parecem ser difíceis? Como moldarmos o nosso sustento às nossas reais necessidades? Como não viver abalado em meio a crise? Como não ser escravo do dinheiro, valorizando aqueles que têm mais e podem mais? Quando lemos a carta de Paulo aos Filipenses e como ele agradece a o recurso a ele confiado por Epafrodito temos algumas pistas de como lidar com o dinheiro sem sermos seus escravos.
Paulo nos mostra que nosso grande problema está na base em que nos alicerçamos. Quando no dia 24 de outubro de 1929 a Bolsa de Nova York quebrou, foram notificados 11 suicídios, inclusive o de uma funcionária de uma joalheria que se enforcou tendo as dívidas aos seus pés. Contudo, quando Jó, em um único dia sabe que perdera todos os seus bens e inclusive os próprios filhos, ele não busca nenhuma fuga, mas afirma: Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!” (Jó 1.21).
Em Filipenses 4.10, Paulo se mostra excessivamente alegre com o donativo recebido da igreja de Filipos, contudo mostra que sua alegria não está no dinheiro, porque o amor a ele é a raiz de todos os males (1Tm 6.10), mas no Senhor. O Apóstolo dos gentios mostra que toda a providência humana, em primeira estância, é provocada e determinada pela vontade soberana do Senhor. Quanto ao que recebeu, deixa claro que o que mais o deixa alegre é o cuidado que refloreceu. Paulo usa o verbo grego anathállo (ναθλλω), que significa reflorecer, pois entende que assim como as plantas não existem apenas quando produzem flores e frutos, a comunidade de Filipos não lhe foi favorável apenas quando puderam lhe prover bens materiais.
Provavelmente, a igreja de Filipos contava, em sua membresia, com Lídia, vendedora de púrpura (provavelmente porque fosse viúva e continuava o negócio do marido), que hospedara Paulo, Silas e Timóteo pelo menos duas vezes (At 16.15,40). Talvez o Carcereiro (que foi impedido de cometer suicídio por Paulo – At 16.27-31) e a sua família. Paulo reconhece que essas pessoas, tais como Epafrodito, que andara 1280 Km de Filipos a Roma, são mais importantes do que a ajuda que lhe enviaram.
Paulo jamais concordaria com a atual sociedade utilitarista que valoriza o homem na medida em que esse pode oferecer algo, empresas que investem em um funcionário enquanto é lucrativo. Talvez uma metáfora adequada para essa triste realidade esteja na obra Metamorfose de Franz Kafka (1883-1924), na qual apresenta a personagem Georg Samsa, um caixeiro viajante que odiva seu trabalho e seu patrão, mas não podia mudar de vida porque atuava como arrimo financeiro de sua família. Contudo, ao dormir, acorda vítima de uma terrível metamorfose, pois, agora, era um inseto asqueroso.
No princípio seus entes se condoeram em suas dores, mas, aos poucos, todos foram assumindo uma autonomia que lhes fora ausente e isolando-o em um quarto no qual lhe davam os restos. Aquele que outrora era valorizado, só o era pelo que oferecia, porque, quando deixou de ter valor pelo que fazia, passou a ser insignificante naquilo que era, foi e naquilo que será. Percebamos como crianças e idosos são tratados nessa sociedade.
O Apóstolo dos gentios entende uma verdade preciosa, que apesar de óbvia, tornou-se esquecida: as pessoas, não importa as circunstâncias, são mais valiosas que o dinheiro ou qualquer trabalho que possam oferecer.


quinta-feira, 26 de novembro de 2015

UMA VIDA PAUTADA NO LOUVOR


Uma vida pautada no louvor
“Em tudo, dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco” (1Te 5.18)
Falar de render graças neste ano, especialmente aos olhos ímpios, parece algo artificial, pois passamos um dos períodos mais tumultuados dos últimos dez anos em uma recessão terrível, com altos índices de desemprego e uma crise de egos na política que parece atravancar todo o cenário nacional. Como Paulo, na Palavra de Deus, pode nos dizer: “em tudo dai graças”?
Quem leu Pollyanna moça de Eleanor H. Porter pode entender que Paulo fora o pioneiro do “jogo do contente”, outros podem acreditar que o Apóstolo fosse adepto daqueles que veem o copo meio cheio e não meio vazio. Contudo é essa a realidade que esse versículo quer elucidar? Mas quanto tudo parece escuro? Como alguém verá o copo da vida meio cheio quando sob o leito do hospital ou do féretro está o ente querido? Como jogar o jogo do contente frente a injustiça e o descaso até mesmo daqueles que outrora compartilhavam conosco de momentos agradáveis?
Com certeza não são essas as intenções de Paulo. Esse versículo deve ser visto no contexto mais amplo da primeira carta aos Tessalonicenses, assim como na vida do próprio Paulo.
O Apóstolo dos gentios estava no meio de suas segunda viagem missionária, passando pela região frígio-gálata com o propósito de visitar a Bitínia, mas o Espírito o quer no Ocidente (At 16.6,7).O Senhor deixa bem claro essa realidade com a visão do homem macedônico pedindo ajuda (At 16.8). A agenda do missionário e a de todo o cristão (que é essencialmente um testemunho vivo de Jesus e do seu poder) não é pautada pelas facilidades, zonas de conforto ou privilégios que alguns campos possam oferecer, mas pela vontade do Senhor que comanda a igreja. Em nenhum momento, o Espírito de Jesus inquiriu a Paulo sobre seus desejos ou capacidades, mas tão somente lhe entregou a missão que, ao encontrar o Ocidente envolveu nossa cultura nos pressupostos do cristianismo.
O início da história da igreja cristã no ocidente foi marcada por bênçãos como a conversão de Lídia (At 16.15) e a libertação da jovem adivinhadora (At 16.16-18), mas pelo açoite e o cárcere em Filipos (At 16.23,24). Eles poderiam murmurar na prisão, mas doloridos e com os pés presos no tronco investiram suas últimas forças em orar e cantar louvores (At 16.25). Libertos pelo Senhor não foram procurar cuidados médicos, mas estavam preocupados com a alma do carcereiro que os tinha prendido (At 16.30-34), concluído esse ofício não retomam antigos projetos e partem para a Bitínia, mas continuam no projeto que lhes foi transmitido pelo Senhor e seguem para Tessalônica (veja 1Te 2.1,2), porque “nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou” (2Tm 2.4).
Tessalônica é uma cidade de grande porte, atual capital da Macedônia e principal rota comercial do Império Romano. Paulo, Silas e Timóteo se detêm nessa cidade. Paulo dialoga (διαλγομαι – Veja 1Te 2.5) sobre as Escrituras três sábados seguidos nas sinagogas e provavelmente (a contar pelo vasto material de Primeira Tessalonicenses), como era seu costume, ensinou os convertidos de casa em casa (At 20.20).
O ministério de Paulo em Tessalônica frutificou atraindo “gregos piedosos e distintas mulheres” (At 17.4). Contudo, cumprindo a permanente profecia do Senhor em Mateus 5.11,12, Judeus movidos de inveja, tal como outrora foi feito a Jesus (Jo 19.6,5) trazem homens maus da malandragem (andarilhos que se prestavam a serviços escusos). Assim como a Jesus os judeus Tessalonicenses evidenciam o perigo de terem outrou rei senão César (Jo 19.15). A turba faz com que Jasom, homem abastado que hospedara os missionários, fosse preso e solto apenas sob fiança (At 17.6-9). Por causa dessas confusões todas Paulo afirma: “o nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas, sobretudo, em poder, no Espírito Santo e em plena convicção, assim como sabeis ter sido o nosso procedimento entre vós e por amor de vós” (1Te 5.5).
A confusão instalada foi tão intensa que Paulo e Silas são envidas, à noite, para Bereia (At 17.10) e depois Atenas. Quando Paulo está em Corinto (no início da década de 50 d.C.), Timóteo que estivera na Macedônia (compare At 18.5 com 1Te 3.1,2).
Timóteo mostra Paulo que a comunidade nascente vivia em uma fé operosa (1Te 1.3); em amor abnegado (1Te 1.3); em firme esperança (1Te 1.3); eleitos (1Te 1.4); imitadores de Cristo e modelo para outros crentes da Macedônica (1Te 1.6,7).
Entretanto não havia apenas rosas. Em uma igreja de homens caídos, que vivem sobe a máxima andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer” (Gl 5.16,17), apesar de não andarem no pecado (1Jo 3.6-9), mas está suscetível às terríveis investidas deste mundo mal, por isso, Paulo adverto aos efésios: tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis” (Ef 6.13).
Tessalônica era uma cidade portuária e, dessa maneira, oferecia uma larga oferta para o pecado da sexualidade, assim, muitos membros as igreja estavam vivendo em prostituição (1Te 4.3), lascívia (1Te 4.5), impureza (1Te 4.7). Paulo adverte que aquele que rejeita a santificação, não está rejeitando apenas o homem ou uma pregação humana, mas o próprio Deus (1Te 4.8).
Precisavam desenvolver o amor fraternal que fosse capaz de transbordar para com todos os da Macedônia. Werner de Boor, refletindo a Primeira Epístola aos Tessalonicenses, afirma que o verdadeiro amor não é apreendido naturalmente, não somos autodidatas do amor, mas teodidatas dele. O exercício do amor sem a verdadeira instrução de Deus, pelo Espírito Santo, é ora egoísta (pensando apenas em interesses próprios e disposto a usar o outro enquanto lhe for favorável), ora tende a um paternalismo irresponsável.
Outro problema da Igreja Tessalônica estava no aguardo da volta de Cristo. Não faziam suas funções básicas orientados por uma teologia distorcida da parousia. Paulo enfatiza que a volta de Cristo será como um ladrão, ou seja súbita e inesperada (1Ts 5.1-4) e essa espera deve funcionar como fomento para a vigilância moral e não cronológica. O crente não deve estar ansioso pelo dia em que Cristo voltará (como vez e outra pregadores de ontem e de hoje tentam adivinhas), mas por viver de acordo com a vontade do Senhor quando ele chegar, porque, apesar de sabermos que as obras não podem salvar o homem elas funcionam como um ótimo indicador de que o indivíduo foi salvo.
Paulo não busca o lado bom da vida, porque ela não possui essa realidade, mas procura compreender a providência secreta de Deus sabendo todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito (Rm 8.28). Quando vivemos nessa perspectiva, podemos como José manter nossa santidade mesmo quando somos humilhados por aqueles que deveriam nos amar, permanecermos íntegros mesmo frente ao pecado, inabaláveis mesmo esquecidos no cárcere e sem perder a consciência de que apesar de ser mal aquilo que fizeram para nós, Deus pode tornar o mal em bem (Gn 50.20).



sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Escravo de quem?


Escravo de quem?

“Paulo, ESCRAVO de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus”. (Rm 1.1)

No último 20 de novembro, nosso país comemorou o dia da consciência negra, o qual substituiu o antigo feriado do dia 13 de maio, quando se relembrava o dia da abolição da escravatura no Brasil. A explicação está no fato de que nesta data houve apenas uma postura legal, que não interferiu muito na vida do negro, enquanto aquela mostra uma comunidade quilombola de 15 a 20 mil pessoas que viveram de 1590 a 1694 em liberdade e eficiente organização civil.
O grande ícone da consciência negra foi o herói brasileiro Gamga Zumba ou Zumbi (1655-1695) (aquele que estava morto e revivieu), que, apesar de nascer livre, foi capturado aos sete anos e foi escravo do Padre Jesuíta Antônio Melo em Porto Calvo, com quem aprendeu português, latim, álgebra e religião. Contudo,aos 15 anos, fogiu para o Quilombo dos Palmares, onde, dez anos depois (1625), se torna chefe. Com genial senso de estratégia conseguiu defendê-lo das investidas portuguesas que, mas, no dia 20 de novembro de 1695, é traído e entregue aos seus inimigos que o degolaram.
Zumbi é um homem que reconheceu que estava morto na vida junto ao Padre Antônio Melo e passou a viver, quando encontrou a liberdade. Entretanto é a liberdade capaz de nos dar a verdadeira vida? O homem pode ser livre?
A filosofia existencialista do francês Jean Paul Sartre (1905-1980) pregava: “o homem está condenado a ser livre”. Contudo o escritor grego Homero (IX a.C.), na Ilíada foi grandemente usado pela graça comum quando fala pela boca do herói Ulisses: “muita gente a mandar não parece bem; um só chefe, um só rei, é o que mais convém”.
A liberdade é um sonho vão do ser humano, porque sempre está aprisionado em algum grilhão, santo ou vil, virtuoso ou corrupto independente de suas escolhas, porque jamais consegue escolher plenamente sobre uma questão, pois, desde que, no Éden, nossos primeiros pais perderam o livre-arbítrio, somos, como afirma Lutero a Erasmo de Roterdã, quais pedras que não conseguem fazer nada mais que cair, pois nosso coração corrupto e enganoso (Jr 17.9), assim como a gravidade, nos puxa, continuamente, para o que não é capaz de nos edificar e agradar o Senhor. Todas as boas ações tanto do crente, quanto o ímpio são assistidas pela graça. Dessa maneira, o homem nasceu não para a liberdade, mas para a escravidão ou a Deus ou ao diabo.
John MacArthur, na obra Escravo: a verdade escondida sobre nossa identidade em Cristo, entende que houve um erro não intencional na tradução a palavra grega doulos (δολος), que originalmente significa escravo para servo. Parece que a diferença entre elas é mínima, mas é fácil perceber que enquanto o servo conserva em alguma medida de autonomia, o escravo é propriedade de alguém a quem deve procurar servir da melhor maneira possível.
MacArthur entende que esse equívoco tem contribuído para a confusão quanto o ensino e prática do evangelho, porque aquele que não quiser apenas servir a Cristo conservando, em certa medida seus gostos e preferências, jamais conseguira viver satisfatoriamente a vida cristã àquele que dá a seguintes ordens a quem deseja segui-lo: negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me (Mc 8.34b).
Segundo Coenen e Brown, Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, o doulos não pertencia a si mesmo, mas a outra pessoa, por isso, quando Paulo, Tiago ou Pedro chamam a si próprio (Rm 1.1; Tt 1.1; Tg 1.1; Jd) ou outras pessoas (Cl 4.12) de doulos de Jesus, eles não estão se identificando como meros servos, mas como pessoas que não têm vida própria, mas pertencem aquele que os libertou do império das trevas para a vida eterna.
MacArthur defende que foram dois os motivos que levaram os tradutores das edições inglesas no séc. XVI a traduzir algumas vezes doulos por servo:
·   O termo escravo estava muito ligado à escravidão ocidental negreira. Os tradutores não queriam ligar a relação do cristão com Cristo a essa marca vergonhosa de nossa história claramente condenada nas Escrituras (Êx 21.16; 1Tm 1.10);
·   A escravidão no séc. XVI não tinha nenhuma relação com o contexto dessa no primeiro século.
No primeiro século, cerca de 12 milhões de pessoas eram escravas (um quinto da população) no Império e a vida dessas pessoas podia ser avaliada pela perspectiva de quem era seu mestre/senhor. Servir um senhor cruel era terrivelmente perigoso. O filósofo romano Sêneca (4-65 d.C), no discurso Sobre a Futilidade da Ira, conta a história de um homem muito rico, chamado Vedius Pollio, que tinha prazer em jogar escravos vivos no seu lago de peixes carnívoros a fim de ver estes devorando aqueles. Entretanto era muito bom servir um senhor bom. Os escravos de senhores renomados tinham um certo destaque na sociedade por causa da posição a quem pertenciam. Era comum que escravos mandassem gravar nas suas lápides, com detalhes, o nome dos seus senhores.
Não há como ser livre, pois o se é escravo de Jesus ou do diabo (Jo 8.34; 1Jo3.8). Aquele que serve o pecado pode acreditar que é livre e vive a vida com prazer, mas só pensa assim, porque estão cegos e mortos em suas práticas vis (2Co 4.4; Ef 4.18). A vida pautada pelas regras do mundo parece trazer uma variedade de senhores, mas na verdade apresenta apenas um tirano cruel e sanguinário.
O crente é aquele que sabe que poderia viver muito mais seguro e abastado nos limites do mundo e seus prazeres, mas fugiu de suas regalias para viver perseguido e pronto para dar sua vida, porque sabe a quem pertence e a recompensa que ganhará por sua fidelidade na glória.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O que é pecado para a morte?

O que é pecado para a morte?

“Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue”. (1João 5.16)

Segundo Carson et al (Introdução ao Novo Testamento, 1997, p.500) a Primeira Epístola de João (o evangelista filho de Zebedeu) foi escrita no início dos anos 90, quando estava em Éfeso, com o propósito, segundo Gundry (Panorama do Novo Testamento, 1981, p. 401), de “fortalecer seus leitores no conhecimento, na alegria e a na certeza da fé cristã (1Jo 1.3,4 e 5.13), em contraposição ao falso doutrinamento (1Jo 2.1 e 4.1)”.
Enquanto, nas outras duas epístolas, João apresenta claramente seus destinatários (na segunda, “à senhora eleita e aos seus filhos” (2Jo 1.1)e, na terceira, Gaio (3Jo 3)), na primeira, não há um destinatário específico, tampouco uma saudação específica. Contudo, segundo Ladd (Teologia do Novo Testamento, 2003, p.812) reconhecemos que se trata de igrejas que foram atingidas pela ação de falsos profetas (1Jo 4.1), que vinham promovendo cisma (1Jo 2.19) e reivindicavam uma iluminação especial (1Jo 2.20,27).
A partir de 1João 1.8-10, Ladd defende que esses falsos profetas entendiam que atingiram “um estado superior à moralidade cristã comum” e, por isso, alegavam não ter mais pecado. Nesse momento do primeiro século, havia um gnosticismo nascente (o gnosticismo só se tornou um movimento religioso no segundo século), o qual, segundo Lopes (Primeira Carta de João, 2004, p.12), afirmava que o espírito é bom e o corpo é mau, nessa perspectiva dualista, “a salvação consiste em a alma fugir da prisão que é o corpo, e isto se consegue por meio de um conhecimento (gnosis) secreto e especial”.
Essa doutrina gnóstica embrionária levava ao docetismo (heresia que acreditava que Jesus era apenas Deus/espírito e apenas pareceia (o vergo grego dokeo=parecer) homem, assim como a conduta moral distorcida.
Os gnósticos se dividiam entre aqueles que viviam uma vida ascética e austera eliminando tudo que fosse material (tudo o que é secular é mau) e entre aqueles que entendiam que o pecado era essencialmente material e manchava apenas o corpo não afetando o espírito.
Assim como nos nossos dias João vivia em uma sociedade pagã que buscava de forma desenfreada “a satisfação dos prazeres sensuais” (Ladd). Para esse contexto pré-gnóstico, João combate o antinomismo (achar que não se precisa seguir a lei de Deus), mostrando que afirmar não ter pecado é fazer Deus mentiroso (1Jo 1.8). Indica um caminho ao pecador: e aquele que pecou pode confessar seus pecados sabendo que Deus perdoa e purifica (1Jo 1.9). Como afirma Lopes (Primeira Carta de João, 2004, p.42), assim como David (Sl 51.2), os verdadeiros crentes, quando se vê prostrado pelo pecado, “desejam ardentemente ser purificados, lavados e limpos por meio do perdão de Deus”. Dessa maneira, João afirma que o pecado é a transgressão da lei (1Jo 3.4). Há quem possa argumentar que se nossa salvação é pela graça qual o valor que as leis têm para nós, contudo as leis do Antigo Testamento, sobretudo as morais (os dez mandamentos da Lei) “não são contrários a graça do Evangelho, mas suavemente se harmonizam com ela, pois o Espírito de Cristo submete e habilita a vontade do homem a fazer livre e alegremente aquilo que a vontade de Deus, revelada na lei, requer que se faça” (CFW, XIX, 7. Veja Gl 3.21; Ez 36.27, Hb 8.10)
Parece que ao afirmar que escreve para que os destinatários não pequem (1Jo 2.1), que pecador é do diabo (1Jo 3.8) ou que o que é nascido de Deus não peca (1Jo 5.18). João não está se contradizendo, antes defende que o regenerado não pode continuar com a vida mundana que outrora levava. Dessa maneira, João mostra que aquele que está em Cristo (o eleito) não vive na prática de pecado, mesmo que lute contra ele (1Jo 3.6). A Confissão de Fé de Westminster (CFW): “esta corrupção da natureza persiste, durante esta vida, naqueles que são regenerados; e embora seja ela perdoada e mortificada por Cristo, todavia tanto ela como os seus impulsos são reais e propriamente pecado” (VI, 5)
O membro de igreja que após a sua conversão vive uma vida dupla ou em uma vida condumaz de iniquidade equivocou-se quanto a sua regeneração e precisa passar pelos passos de Mateus 18.15-20. Nesse caso, essas pessoas que viviam em pecado eram aquelas que acreditavam que a igreja servia apenas para a salvação de suas almas e que seus corpos poderiam ser entregues ao pecado sem dano algum.
Sabendo que 1João 5.13-21 é um resumo de toda a epístola, vemos que João mostra que existem dois tipos de pecado: o que não é para a morte e o que é para a morte. De forma alguma, se pode ver nesse versículo a antiga ideia romana de pecado venial e mortal ou leve e grave, pois, apesar do salário do pecado ser a morte (Rm 6.23), só há um pecado que não tem perdão, a apostasia (Mc 3.29), por isso, só se reconhece aquele que peca para a morte não a partir de uma atitude, mas de um amplo conjunto delas.
Segundo Gundry (Panorama do Novo Testamento, 1981, p. 402) o pecado para a morte de 1 João 5.16,17, “provavelmente alude à apostasia definitiva, sobre o que somos advertidos na epístola aos Hebreus e na qual vinham caindo os mestres gnósticos, com o resultado de uma irrevogável condenação”. Calvino (Comentário das Epístolas Gerais, 2015, p.486) entende que esse pecador, cuja impiedade parece estar destituída de esperança não merece a intercessão da igreja, como se essa quisesse ser mais misericordiosa que Deus. Orar para a conversão do apóstata é tão impensável quanto orar pela conversão de Satanás.
Portanto, não podemos interpretar adequadamente 1 João 5.16,17 distante do contexto da Primeira Epístola de João. O Apóstolo estava lidando com o problema da apostasia, motivada pelo início do gnosticismo, ou seja, existiam irmão da igreja que, com a pretensa autorização do Espírito Santo viviam uma vida dissoluta, enquanto outros lutavam contra o pecado e se mantinham fieis a cristo. Estes pecam, mas não para a morte (entenda morte como morte espiritual, eterna, condenação final) e a esses a igreja devia orar, mas aqueles e todos os que os seguiam pecavam para a morte e a estes a igreja não devia orar. João está mostrando que a nossa congregação deve estar preocupada com seus membros e aqueles que estão com a Palavra desembanhada no campo de batalha e não se preocupar com as muitas baixas, porque tudo está debaixo da soberania de Deus.

sábado, 7 de novembro de 2015

A SOBERANIA DE DEUS E A LIBERDADE HUMANA


A soberania de Deus e a liberdade humana
“Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas”. (Isaías 45.7)
Quando se ouve manchetes como essas: “desmoronamento mata jovens em festa”, “Egito sofre terrível crise climática”, “jovens vendem irmão mais novo para servir de escravo em terras estrangeiras”, “governante, por vaidade, embarga saída de povo estrangeiro de seu país”. Geralmente, se acredita que os males que nos cercam procedem do homem, do diabo ou do acaso, pois se acredita que o Deus que é amor de 1João 4.8 não seria capaz de provocar tais incidentes. Entretanto, na tentativa inútil e indevida de preservar-lhe a bondade, legam ao Senhor um lugar inferior no universo, onde não pode agir se não pela autorização dos humanos, que criara.
Assim como uma criança não tem a experiência necessária para entender muitas atitudes de seus pais. Essa triste realidade se deve ao fato de medirmos o Senhor pela infantilidade de acreditar que os céus estão em nosso patamar, assim como os caminhos e pensamentos do Senhor, mas eles não são (Is 55.8,9).
Arthur W. Pink (Deus é soberano, 2002, p.16) afirma: “o homem de fé inclui Deus em tudo, encara tudo do ponto de vista de Deus, calcula os valores segundo os padrões espirituais e contempla a vida à luz da eternidade. Agindo assim, recebe o que lhe sobrevier como provindo das mãos de Deus. Fazendo assim, seu coração mantém-se calmo em meio à tempestade e regozija-se na esperança da glória de Deus”.
Lutero dizia que “o Diabo é o Diabo de Deus”, ou seja, os demônios não podem agir segundo suas próprias vontades. Vemos essa realidade, com grande clareza no livro de Jó (1.11;2.5). Os filhos de Jó não morreram pela imperícia dos engenheiros, tampouco pelas forças climáticas ou o desejo pernicioso de satanás (Jó 1.19), mas por causa da vontade soberana de Deus. Segundo J.I. Packer (Teologia Concisa, 2004, p. 66), “o exército de demônios de Satanás usa também estratégias mais sutis, ou seja, o embuste e o desânimo em suas formas. A oposição a esses artifícios é a essência do combate espiritual (Ef 6.10-18)”. Satanás ainda pode criar transtornos, mas nunca impedir que a vontade do Soberano seja feita, porque ele não passa de um inimigo já derrotado (Ap 20.10).
Os céticos, que eliminaram toda a ação sobrenatural do nosso mundo, acreditam que tudo está fadado ao acaso. Tais pessoas não pedem a ajuda do Senhor ao sair dos seus lares, mas acreditam que os editoriais e previsões climáticas serão capazes de orientá-los diante dos problemas da vida. O Egito passou por terríveis pragas, mas em todas elas estava presente a ação sobrenatural de Deus. Quando Jesus aclama a tempestade no mar da Galileia os seus discípulos ficaram possuídos de terror e admiração frente ao Senhor que controla o que, ao homem, é incontrolável (Lc 8.24,25).
Uma forma de conciliar a bondade de Deus e a existência do mal neste mundo é o livre-arbítrio. R.C. Sproul (Eleitos de Deus, 2009, p.39) define livre-arbítrio como “a capacidade de fazer escolhas sem nenhum preconceito, inclinação ou disposição anteriores”.
O homem foi dotado, por Deus, com liberdade de querer sem que pudesse ser influenciado nem para o bem ou para o mal. Adão e Eva possuíam livre-arbítrio no estado de inocência (antes da queda), todavia, após a queda perderam“totalmente a capacidade da vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação (Rm 5.6; 8.7; Jo 15.5)” (Confissão de Fé de Westminster IX, 3). Dessa maneira, como afirma Jonathan Edwards (in SPROUL, R.C, Eleitos de Deus, 2009, p. 41), “a vontade sempre escolhe de acordo com sua mais forte inclinação no momento”. Pink (Deus é soberano, 2004, p.108), na mesma linha, afirma: “qualquer dessas forças motivadoras que exerça a influência maior e que seja mais poderosa sobre o próprio indivíduo é a que impulsiona a vontade da ação”. Nada pode se fazer pra ser salvo, pois nossas melhores obras são imundas para Deus (Is 64.6), assim como somos salvos pela graça (Ef 2.8,9). Alguém poderia perguntar: então posso pecar a vontade, se eu for eleito estará tudo bem, mas Paulo afirma que ninguém que vive em Cristo pode voltar para o pecado (Rm 6.1,2).
O livre-arbítrio é impossível, porque somos escravos de nossas vontades pecaminosas e, para vencê-las é necessário a ação da graça. Pink (Deus é soberano, 2004, p. 109) afirma: “se a vontade é controlada, ela não é soberana nem livre, sendo apenas uma serva da mente”. Os irmãos de José estavam tomados pelo ciúme (Gn 37.4), por isso, já não refletiam adequadamente (Gn 37.20) e a atitude em vende-lo as ismaelitas não foi arbitrária, mas escrava dos sentimentos pecaminosos de seus corações (Gn 37.28). O que eles fizeram foi errado e o próprio José reconhece isso (Gn 50.20), mas ao mesmo tempo é controlado por Deus. J.I. Packer (A evangelização e a soberania de Deus, 19) afirma: “o homem é um agente moral reponsável, ainda que seja, ao mesmo tempo também, controlado pela divindade, o homem é divinamente controlado, embora seja também, um agente moral responsável”.
A soberania de Deus e a liberdade humana não são parodoxais (realidades que não podem ser conciliadas), mas antinômios (realidades que caminham em conjunto). Deus nunca foi surpreendido pelo pecado do homem, tampouco tem parte com ela, mas pode usa-lo para sua glória. O que os irmãos de José fizeram foi pecado, todavia muitas pessoas sobreviveram, porque o penúltimo filho de Jacó estava nas terras egípcias no momento estabelecido por Deus.
Se “Deus é quem efetua em nós tanto o querer como o realizar, segundo a sua vontade” (Fl 2.13), quando Deus endurece o coração de Faraó (Êx 4.21; 7.3; 14.4; 14.17) o está fazendo mais pecador? Deus não colabora com o seu pecado, mas, apenas, não o refreia. O endurecimento do coração de Faraó é apenas deixa-lo da maneira como sempre foi.

Entendemos, em Isaías 45.7, que Deus faz todas as coisas, inclusive o bem e o mal, como afirma William Edgar (Razões do coração, 2000, p.118-120), nem sempre entenderemos sintuações adversas, mas que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28); essas circunstâncias sempre vão, em última instância, servir a glória de Deus; Jesus veio solucionar, definitivamente o problema do mal.